Maioria do STF decide que estados e municípios podem proibir missas e cultos durante pandemia

Nunes Marques e Dias Toffoli foram os únicos a votar a favor da abertura de igrejas e templos

André de Souza

Fux preside sessão no STF sobre realização de cerimônias religiosas na pandemia de covid-19 - Foto: Divulgação 

BRASÍLIA  — A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou a favor da possibilidade de estados e prefeituras decretarem o fechamento de igrejas e templos como forma de combater a pandemia do coronavírus.O placar está em 6 a 2 pelas restrições a cerimônias religiosas. Votaram a favor da proibição o relator Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Cármen Lúcia. Apenas Nunes Marques e Dias Toffoli se posicionaram a favor da realização de missas e cultos.

Os ministros favoráveis à restrição criticaram o negacionismo e o governo federal e destacaram que não se trata de julgar a liberdade religiosa. Nunes Marques, autor da liminar que suspendeu temporariamente o fechamento de templos e igrejas, defendeu que "o confinamento é importante, mas também pode matar se não tiver um alento epiritual".

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Em seu voto, Nunes Marques disse que é preciso respeitar as liberdades constitucionais expressas na Constituição. Entre elas está o "livre exercício dos cultos religiosos". Também refutou ser negacionista, como sugeriu o ministro Gilmar Mendes, e destacou que autorizou a abertura das igrejas condicionada a critérios como ocupação máxima de 25% e seguindo critérios sanitários.

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— Na democracia, a ninguém é dado desobrigar o cumprimento da Constituição ainda que temporariamente, para que se execute política pública que, supostamente, apenas pode ser concretizada se estiver livre das amarras impostas por direitos constitucionais. Um bom sinal de que é hora de intervir surge para o Judiciário quando as restrições aos direitos passam a ser impostas mesmo sem previsão na Constituição, por atos discricionários sem critérios de coerência e sem prazo para acabar. Indago Até quando os direitos individuais podem ser restringidos e, em alguns casos, eliminados? — questionou Nunes Marques.

Depois acrescentou:

— Para que a sociedade minimamente funcione é necessário que alguns setores não paralisem suas atividades. A decisão sobre o que é essencial é político-jurídica, embora inspirada em critérios científicos. Quanto às liberdades constitucionais, expressamente estabelecidas, é preciso que se respeite seu núcleo essencial.

Ele criticou a forma como alguns veículos de comunicação noticiaram sua decisão, tachando-o de insensível e genocida. E comparou a situação das igrejas com a da imprensa, em que há interação entre as pessoas, mas também não pode ser fechada:

— Poderia o prefeito decretar o fechamento dos jornais da cidade, e das gráficas que produzem periódicos? Ou mesmo o fechamento de telejornais que necessitam de certa aglomeração para o seu adequado funcionamento? É assegurado a todos o acesso à informação. 

O ministro criticou a forma como foi noticiada a sua decisão, no sentido de que foi ele quem liberou cultos e missas em todo o Brasil. Nunes Marques citou levantamento feito pelo GLOBO mostrando que, das 26 capitais estaduais, 22 já liberavam o funcionamento de igrejas antes da sua decisão. Ele também mencionou levantamento feito pelo seu gabinete, segundo o qual 19 capitais e 22 da 27 unidades da federação permitiam cerimônias religiosas.

— Seriam tais gestores negacionistas?

Nunes Marques disse que, durante a para a maioria dos brasileiros, o direito de ir à igreja é relevante:

— A Constituição protege a todos. Se o cidadão brasileiro quiser ir a seu templo, igreja, ou estabelecimento religioso para orar, rezar pedir, inclusive pela saúde do próximo, ele tem direito a isso. Dentro de limites sanitários rigorosos. É a Constituição que lhe franqueia esta possibilidade. Para quem não crê em deus, isso talvez não tenha lá muita importância. Mas para a grande maioria dos brasileiros, tal direito é relevante — afirmou, acrescentando em seguida que a pandemia elevou o número de suicídios e doenças mentais:

— O confinamento é importante, mas também pode matar se não tiver um alento epiritual.

Nunes Marques disse que a pandemia também atinge a Europa, mas, mesmo assim, vários países autorizaram celebrações religiosas. Destacou ainda que o caráter social, e não apenas individual, da fé. E ressaltou que a Constituição de 1824 permitia apenas celebrações externas católicas, confinando as demais religiões ao culto doméstico.

— Ao tratar o serviço religioso como não essencial, estados e municípios podem, por via indireta, eliminar cultos religiosos, suprimindo aspecto absolutamente essencial da religião que é a realização de reuniões entre fiéis para celebração de seus ritos e crenças — disse Nunes Marques.

Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes acompanhou Gilmar Mendes. Em seu voto, Moraes criticou as manifestações de alguns advogados. Ele destacou que não está sendo julgada a liberdade religiosa. Comparou o caso em análise, por exemplo, com o fechamento das escolas e o veto a comícios, o que não significa restrição ao direito constitucional à educação ou à democracia.

— Quatro mil mortos por dia. O mundo ficou chocado quando, nas Torres Gêmeas, morreram 3 mil pessoas. Nós perdemos 4 mil pessoas por dia. Me parece que algumas pessoas não conseguem entender o momento gravíssimo dessa pandemia. Ausência de leitos, ausência de insumos, ausência de oxigênio. As pessoas morrendo sufocadas, umas das mais terríveis mortes, dolorosas, cruéis. E em vários estados da federação. Pessoas morrendo inclusive no estado mais rico da federação, o estado de São Paulo, esperando vagas na UTI, porque não há mais vagas, médicos, enfermeiros, mão de obra que dê resultado, com todo o sacrifício que eles vêm fazendo — disse Moraes, criticando ainda a baixa vacinação no Brasil, diferentemente, por exemplo, do que vem ocorrendo nos Estados Unidos.

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