Jovem que conseguiu certidão de nascimento apenas aos 13 anos incentiva pessoas a tirar o documento em Fortaleza

O programa que surgiu em 2015, atualmente, é uma política pública municipal coordenada pela Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci

Com a própria experiência, Ana Kelly de Lima Pires, 21, reforça a importância do registro para responsáveis de crianças e também para adultos sem o documento.

Por g1 CE

Ana Kelly conseguiu certidão de nascimento aos 13 anos, em Fortaleza. — Foto: Reprodução

A existência da jovem de 21 anos, Ana Kelly de Lima Pires, foi registrada oficialmente apenas 13 anos após o parto, em Fortaleza. A pré-adolescente não tinha certidão de nascimento mesmo após mais de uma década de vida. A conquista aconteceu em 2015 e, desde então, a auxiliar de professora tem incentivado que pais e responsáveis façam os documentos dos filhos; e também que adultos sem o documento façam o registro, mesmo que tardiamente.

"Na questão financeira, eu não tenho condições, mas eu sempre gosto de falar, para a pessoa não desistir, sempre que eu posso falar, eu falo. Eu moro em periferia e fico sabendo de muitos casos", comentou a jovem sobre o apoio que se orgulha em dar a outras pessoas.

Ana Kelly conseguiu o documento após atuação do Comitê Sub-Registro “Sim, Eu Existo”, iniciativa que nasceu a partir de uma ação de acesso à documentação criada pela Visão Mundial, no bairro Jangurussu, ainda em 2015. Ela, inclusive, foi a primeira beneficiada pelo projeto. O comitê chegou à Ana Kelly através da própria irmã, que conhecia um funcionário do projeto.

“Eu acho que até chorei naquele dia”, declarou Ana Kelly sobre o dia 26 de julho de 2015, quando, no cartório Alencar Araripe, em Fortaleza, ela conquistou tardiamente a sua certidão de nascimento e saiu da estatística de crianças e adolescentes em situação de sub-registro.

Naquele dia, ela ganhou também o direito a se matricular na nova escola, acessar atendimento médico e mais uma série de políticas públicas. Ela relatou que não conseguia acessar diversos equipamentos e serviços públicos por conta da ausência do documento; e que só conseguia estudar porque "a escola deixava".

Kelly tem seis irmãos e todos sempre tiveram certidão. Ela foi a única a conseguir o documento tardiamente, mas demonstra a gratidão por possuí-lo hoje. "Só em ter o documento, comprovando que eu existo é bom demais", disse a auxiliar de professora.

“Antes do registro, é como se eu não tivesse direito a ter as coisas que as outras pessoas tinham”. Ela listou como principais causas para a falta da certidão, a ausência do pai e o diagnóstico de transtorno psicológico da mãe.

‘Sim, Eu Existo’

O programa que surgiu em 2015, atualmente, é uma política pública municipal coordenada pela Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci) e já ajudou mais de 600 pessoas a conseguirem a documentação. O projeto tem o objetivo de erradicar o sub-registro em Fortaleza.

As principais causas do sub-registro listadas pelo próprio IBGE estão associadas a fatores como “pobreza, exclusão social, distância entre o local de ocorrência do nascimento e o cartório, bem como custos incorridos para se efetivar o registro”.

Carmilson Brito, gerente de Território da Visão Mundial para o Ceará e o Rio Grande do Norte, ressalta que o principal problema do sub-registro é a dificuldade de acesso a políticas públicas importantes para estas populações.

“O comitê ‘Sim, Eu Existo’ nasceu dessa experiência localizada, pequena, na periferia, e se transformou em uma política pública estruturada. Hoje, o projeto conta com veículo para transporte das famílias, orçamento, um telefone 0800 para atendimento e apoio dos cartórios do município. Isso é muito importante”, ressalta.

Oito anos depois, Ana Kelly, a primeira beneficiada pelo projeto, colhe os frutos da iniciativa: “Eu agradeço a Deus, primeiramente, e depois a todas essas pessoas que passaram pelo meu caminho. Fez muita diferença na minha vida”.

Carmilson explicou que os casos chegam ao comitê por meio de um 0800. "Ele é divulgado nos cartórios, nas maternidades, nas entidades (igrejas, associação de moradores, etc). A porta de entrada é esse 0800. Alguns casos chegam através dos contatos com lideranças de igrejas, de associação de moradores, onde a gente divulga o comitê e, a partir daí, a gente pede para que as lideranças que vão identificando orientem as pessoas a discar o 0800", comentou o gerente do projeto.

"Quando a família disca, o processo é registrado, é monitorado e a família fica acompanhando como é que se dá todo o processo e o trâmite de conseguir a certidão, porque a partir dessa ligação da família o caso é encaminhado para o comitê", complementou Carmilson.

De acordo com dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Ceará, dos 134.656 nascidos vivos em 2018, 4.941 (3,67%) não foram registrados no mesmo ano nem no primeiro trimestre do ano seguinte. O percentual é o terceiro maior do Nordeste e maior que a taxa nacional: 2,37% dos 2,9 milhões de nascidos vivos.

Como fazer a certidão tardiamente

Quem mora em Fortaleza e precisa fazer o registro tardio de nascimento (1ª via da Certidão de Nascimento), basta ligar gratuitamente para o número 0800 285 0880, escolher a opção número 3 e se cadastrar junto à Prefeitura, que fará os devidos encaminhamentos entre os órgãos competentes para efetivação do registro de nascimento.

Os documentos necessários são:

Via amarela da Declaração de Nascido Vivo (DNV) entregue pela maternidade ou pelo profissional de saúde que assistiu ao parto (parto domiciliar)

Documento de identificação (com foto) dos pais e CPF dos pais.

Se os pais forem casados entre si, levar a Certidão de Casamento (caso não sejam casados, ambos devem estar presentes no momento do registro para que seus nomes constem no assento e na certidão).

Nos casos em que os pais da criança não são casados entre si e o pai não possa estar presente no ato do registro de nascimento, a mãe poderá fazê-lo apenas em seu nome.

A qualquer tempo, o pai poderá comparecer ao cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais (na presença da mãe da criança) e reconhecer a paternidade voluntariamente. Todo este serviço é gratuito.

Em caso de extravio da DNV, é necessário solicitar à maternidade uma cópia do documento anexada a uma declaração da instituição. Quando o parto ocorreu fora da maternidade, deve-se acionar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), que conduzirá a mãe e o bebê a uma maternidade, onde será emitida a DNV.

https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2022/07/28/jovem-que-conseguiu-certidao-de-nascimento-apenas-aos-13-anos-incentiva-pessoas-a-tirar-o-documento-em-fortaleza.ghtml