Menina de 9 anos vítima de abuso sexual

Três famílias de Rio Preto foram à polícia para registrar indignação e esperança por Justiça. Elas dizem que apenas esses dois sentimentos sobram quando se descobre um caso de abuso sexual infantil, que tem como agressor uma pessoa de dentro da família. Na segunda-feira, em menos de cinco horas, três violências desse tipo foram registradas. As vítimas são duas meninas de cinco anos e uma menina de dois que, encaminhadas ao Hospital de Base de Rio Preto, tiveram o estupro confirmado por médicos. 

“As pessoas acham que dentro de casa nunca vai acontecer. Que esse tipo de coisa só acontece com a vizinha, com o amigo. E daí, a gente descobre. E não é nada fácil de acreditar. A gente só espera que alguma coisa seja feita”. O desabafo é do padastro de uma menina de cinco anos, abusada pelo tio. 

Ele não gosta do título “padastro”. “Ela é minha filha e agora eu vou protege-la de todo jeito e de quem for”. Os pais da menina são separados e ela vive com a mãe e com o pai-padastro. Na última semana, como está de férias, passou cinco dias na casa do pai biológico. Voltou com os órgãos genitais avermelhados e contou que o tio, irmão do pai, teria abusado dela. A menina contou ainda que não teria sido a primeira vez que ela sofreu a violência. 

“Ela estava diferente. Não apresentava comportamento de criança. Na escola, queria brincar de namorar, queria beijar na boca das outras crianças, passar maquiagem. Nós conversamos com o pai dela, mas não imaginávamos isso”, relata o padastro, confirmando o que diz a psicóloga Janaina Simão, coordenadora do setor de proteção social especial da Secretaria de Assistência Social. 

“Quando a criança apresenta mudanças de comportamento que não têm uma razão aparente, os pais devem investigar. Cada criança tem um jeitinho de ser e, se ela muda esse comportamento de alguma forma, é sinal de alerta”, orienta a especialista. Com a outra criança de cinco anos vítima da violência sexual também foi assim. Em boletim de ocorrência, o pai relata que é separado da mãe da menina e que, no final de semana, quando foi buscá-la para passear, o avô percebeu que a criança estava triste e decidiu perguntar o por quê. Como resposta, o inesperado. 

A criança contou que um tio da família da mãe também teria abusado dela. A família expressa o desnorteio. “Nós ficamos muito assustados. É uma situação inédita, que está abalando toda a família”, desabafou a avó paterna da criança, que preferiu não falar mais nada sobre o assunto. “Nós só queremos o melhor desfecho para tudo isso. É só isso que esperamos”, afirmou ela, esperançosa. 

No terceiro caso de abuso registrado, a vítima foi uma criança de dois anos. O agressor é o “âvô postiço”, homem que era casado com avó da pequena, com quem a criança mora. “Eu estou sem dormir, sem comer e não tenho com quem dividir tudo isso. Sou só eu e ela. É muito constrangedor”, relatou a avó da criança. 

De acordo com o boletim de ocorrência, o “avô” teria levado a pequena para passear no sábado, das 15h às 21h. Quando voltou, a criança chorou e no outro dia, ao sentar-se, queixou-se de dores. “A gente só quer que tudo se resolva. Queria esquecer tudo”, disse a avó, já ciente de que fatos assim não se esquece. “Não tem jeito, né? É muito difícil!” A psicóloga Janaina Simão confirma mais uma vez. “A criança não esquece essa violência. Faz marcas graves, que precisam ser tratadas. Não passa, fica para a vítima e para a família”. 

A solução para problema de tamanha gravidade, ela diz, só vem com denúncia e punição. “As famílias precisam entender que isso é crime e precisam denunciar sob a primeira suspeita. Além disso, o agressor precisa ser punido pela Justiça para não criar a ideia de impunidade e de que ele pode repetir o ato”. Punição que, ela lamenta, dificilmente vem. “Durante o inquérito, o agressor fica temeroso, mas depois isso acaba porque o número de agressores que ficam presos ainda é pequeno perto do número de casos que a gente atende.” 

Para quem acompanha casos assim, essa é uma realidade difícil de entender. “Lá na delegacia nos falaram que dificilmente ele vai ser preso porque faltam provas. Já que a Justiça é só a divina mesmo, nós vamos ter que proteger a nossa filha sozinhos”, nas palavras do “pai-padastro”. A delegada Dálice Ceron, titular da Delegacia de Defesa da Mulher, afirmou que inquéritos serão abertos para investigar os três casos registrados. “Todo tipo de denúncia é investigada por nós”, afirmou. 

110 casos apenas neste ano 

Somente nos seis primeiros meses deste ano, 110 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes foram atendidos pelo Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância (Crami), em Rio Preto. A assistente social Simone Graciano, coordenadora do setor de violência sexual do Crami, afirma que, de acordo com estatísticas anteriores, na maior parte dos casos, os agressores são pessoas da família, muito próximas das crianças. 

Mais de 64% dos 248 casos registrados em 2012 com autoria conhecida tem como agressores pais, padastros, tios entre outros familiares. “É muito difícil olhar para dentro, no meio intrafamiliar, e perceber o que está acontecendo. Os pais sempre orientam a criança a se proteger de quem está fora, mas é preciso entender que ninguém é 100% confiável”, disse. 

O fato de o agressor ser um familiar dificulta que se descubra a violência e também que os pais saibam como lidar com ela. “É muito complicado porque o abusador não dá sinais e é difícil você olhar para um parente e pensar: ‘Será que ele é o abusador sexual?’”, explica a psicóloga Janaina, que complementa. “Muitas vezes, a família tenta dar o jeitinho dela porque nós temos essa cultura dos segredos familiares. Mas é preciso que se assimile que a criança não é propriedade para você escolher se quer denunciar ou não. Ela é um ser de direitos”. 

A falta de provas, Janaina continua, é que faz com que a impunidade dos abusadores sexuais seja grande, e é o que precisa mudar. “Nós temos que fazer uma discussão séria para entender como podemos melhorar. Séra que um perito não ajudaria na construção dessas provas? Porque o juiz alega que não há provas que comprovem o abuso?”, questiona Janaina. Ela é enfática quanto ao tempo certo de denunciar. “Tem que procurar ajuda sob a primeira suspeita. Não precisa esperar a confirmação”.

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