Covid-19: mortes de gestantes e puérperas mais que triplicaram em 2021
1.455 gestantes e puérperas tiveram óbitos por coronavírus registrados de 1º de janeiro a 20 de outubro deste ano. No ano passado, foram 460.
Grávidas são grupo de risco para a Covid. Na foto, a diretora da maternidade do Hospital Federal dos Servidores do Estado, Carolina Mocarzel, examina uma grávida com Covid em um quarto isolado dentro da maternidade. Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Pelo menos 1.455 das mães tiveram óbitos pelo vírus registrados até 20 de outubro, contra 460 em 2020, segundo Observatório Obstétrico Brasileiro
Melissa Duarte
BRASÍLIA - O número de mortes maternas por Covid mais que triplicou em 2021. Dados do Observatório Obstétrico Brasileiro (OOBr), mantido pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), mostram que pelo menos 1.455 gestantes e puérperas tiveram óbitos por coronavírus registrados de 1º de janeiro a 20 de outubro deste ano. No ano passado, foram 460. Nessa esteira, a taxa de mortalidade materna disparou de 6,7% em 2020 para 12,6% neste ano.
Esse salto expõe os maiores perigos pelos quais essas mulheres passam na gestação ou após o parto, tanto que o Ministério da Saúde as incluiu como grupo de risco para o coronavírus no ano passado. A falta de acesso à saúde, a superlotação dos hospitais, a disseminação da variante Delta e a escassez de testes podem ter agravado o cenário.
— Quando a gente compara os dados com a população geral, o aumento foi muito maior. Em 2021, a gente tem predominantemente a Delta, então pode, realmente, haver uma situação em que as gestantes possam ter sido mais propensas a ter complicações do que a população geral — explica a professora de Medicina da USP e uma das criadoras do OOBr, Rossana Pulcineli Vieira Francisco.
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Os números também mostram que uma em cada cinco gestantes e puérperas não foi internada em UTIs. Além disso, uma em cada três não teve intubação orotraqueal. A médica pondera, contudo, que não é possível saber se havia leitos disponíveis ou se faltou acesso a esses serviços.
Desigualdade social
Nas estatísticas do OOBr deste ano, a taxa de mortalidade materna entre negras salta aos olhos: ficou em 17,2%, com 94 óbitos em 548 casos. Em seguida, vêm as indígenas, com 14,9%: foram 7 mortes em 47 infectadas. Depois, é a vez das pardas (13,5%), com 662 vidas perdidas em 4.917 diagnósticos.
Esses três grupos estão acima da média para o ano, que contabiliza 11.508 contaminações entre grávidas e puérperas, chegando a uma taxa de mortalidade materna de 12,6%. Já em 2020, essa taxa, contudo, era quase a metade, quando 6,7% dos casos terminaram em óbito.
Com 43 mortes, as negras também tiveram a maior taxa de mortalidade materna no ano passado, que representou 12,1% em meio a 356 casos confirmados. Já entre as mulheres amarelas — descendentes de japoneses, chineses, taiwaneses e coreanos, entre outros —, o valor foi de 9,8%, com seis mortes em 61 infectadas. O número cai para 7,3% em relação às pardas, que registraram 237 óbitos em 3.233 diagnósticos.
Dados como esses mostram que a Covid-19 impacta grupos sociais e étnicos de forma diferente. O motivo: desigualdade socioeconômica.
— É algo que pode ser relacionado ao acesso aos serviços de saúde, à vacina, a morar mais longe de hospitais... A população mais vulnerável também sofreu mais risco de óbito por Covid — afirma Rossana.
Em 2021, a maior parte dos óbitos maternos se concentra entre as puérperas: de 2.027 infectadas, 461 (22,7%) morreram. O dado segue a tendência do ano anterior, quando 167 mulheres morreram no período pós-parto (12,3%) entre as 1.359 que haviam sido diagnosticadas. Entre as possíveis razões apontadas pela docente da USP estão a fragilidade do organismo após o parto e o foco voltado para a saúde do bebê, o que pode levar à demora em procurar atendimento.
Subnotificação
Os números do OOBr foram extraídos do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe), gerido pelo Ministério da Saúde. Dentro dele, pesquisadores do observatório filtraram dados que se referiam exclusivamente a grávidas e mulheres no pós-parto, de 10 a 55 anos, período que contempla a idade fértil.
A partir disso, O GLOBO considerou apenas mortes de casos confirmados de Covid-19, diagnosticados por testes de PCR, antígeno, sorologia e outro (tomografia do pulmão).
As doenças são listadas a partir da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 10). Dentro dela, segundo o Ministério da Saúde, o óbito por Covid-19 pode se estar nas categorias B34.2 (Infecção por coronavírus de localização não especificada), U07.1 (Covid-19, vírus identificado) ou U07.2 (Covid-19, vírus não identificado).
Ainda de acordo com a pasta, a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) — que pode incluir casos de Covid-19, contribuindo para a subnotificação — pode ser identificada pelo próprio nome com o código U04.9 ou como J98, que se refere a outros transtornos respiratórios.
A subnotificação também passa por casos diagnosticados de Covid-19 que demoram a entrar no Sivep-Gripe. Sgeundo o painel do OOBr, São Paulo, que leva 8,64 dias, em média, para notificar uma contaminação em grávidas e puérperas já chegou a gastar 459 dias — isto é, um ano, três meses e quatro dias — para isso. O estado não está sozinho nas estatísticas: Acre e Alagoas, por exemplo, já alcançaram um tempo máximo de 453 e 445 dias, respectivamente, para informar um caso positivo.
— Existe uma preocupação muito grande de que exista subnotificação, especialmente por conta de fichas que não estão finalizadas. Outra coisa que chama muita atenção é que, se a gente marcar os casos não especificados, nos quais não se chegou ao diagnóstico, tem praticamente os registros de 2020 — diz Rossana. — Pode haver ainda aumento do número de casos, por revisão de algum critério, por algum exame que não tenha saído...
Cuidados
Para reduzir a mortalidade materna, a Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras lançou em abril um manifesto com ações como campanhas para informar os riscos da doença, afastamento das gestantes do trabalho presencial, distribuição de máscaras PFF2 e ampla testagem nas maternidades. No entanto, só uma das estratégias foi plenamente atendida: a inclusão de grávidas como grupo prioritário para tomar a vacina. Ainda assim, a medida foi insuficiente.
— Mesmo tendo sido incluídas como prioridades, o número de gestantes vacinadas é extremamente baixo. Teve muita informação errada para as gestantes, que podem ter ficado com medo de se vacinar — pondera Rossana.
Procurado pelo GLOBO, o Ministério da Saúde não detalhou medidas para redução da mortalidade materna, mas cita ações como Estratégia Zero Morte Materna por Hemorragia em 11 estados e repasse de R$ 264,5 milhões para “reorganização do processo de trabalho e qualificação do cuidado e assistência nos estabelecimentos de saúde”.
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