Metade dos pacientes hospitalizados com Covid-19 desenvolve complicações, aponta estudo

Os pesquisadores destacam que as complicações podem causar impactos importantes de curto e longo prazo para os pacientes

Raphaela Ramos

Em foto tirada em março de 2021, enfermeira atende paciente com Covid-19 em UTI do Hopital Delafontaine em Saint-Denis, subúrbio de Paris Foto: THOMAS SAMSON / AFP

Após análise feita com 70 mil pessoas, cientistas britânicos ressaltam que episódios foram altos mesmo em pessoas jovens e sem comorbidade e estão associados à redução da capacidade de cuidar de si mesmo após a alta

RIO — Metade dos pacientes hospitalizados com Covid-19 desenvolve pelo menos uma complicação durante a internação e as mais comuns são as renais, respiratórias e sistêmicas. É o que mostra um novo estudo observacional com mais de 70 mil pessoas no Reino Unido, o mais abrangente sobre o tema. A pesquisa foi publicada na revista científica Lancet.

Segundo os autores, complicações cardiovasculares, neurológicas, gastrointestinais ou hepáticas também foram relatadas nos casos analisados, entre 17 de janeiro e 4 de agosto de 2020. Este é o primeiro estudo a avaliar sistematicamente uma série de complicações hospitalares, suas associações com idade, sexo e etnia, e os resultados para os pacientes.

Homens e pessoas com mais de 60 anos apresentaram mais risco, mas o estudo encontrou “altas taxas de complicações” em todas as faixas etárias, incluindo adultos jovens e pacientes sem problemas de saúde pré-existentes. Entre pessoas com 19 a 29 anos, 27% apresentaram pelo menos uma complicação e o índice foi de 37% entre 30 e 39 anos.

Os pesquisadores destacam que as complicações podem causar impactos importantes de curto e longo prazo para os pacientes, e, consequentemente, os serviços de saúde. O  serviço de saúde pública do Reino Unido foi uma das inspirações para o SUS brasileiro.

Os cientistas pontuam que essas complicações são diferentes dos sintomas da chamada Covid-19 longa, especialmente em pessoas com a doença que não foram hospitalizadas.

O estudo analisou casos de pessoas com 19 anos ou mais, internadas com infecção confirmada ou alta suspeita de Covid-19. O período foi anterior ao do início da campanha de vacinação contra a doença nas ilhas britânicas e do surgimento de novas variantes do coronavírus que se espalharam, depois, por diversos países.

Os autores avaliam que as descobertas seguem relevantes para “dissipar as sugestões de que a Covid-19 não apresenta risco para adultos jovens saudáveis, muitos dos quais permanecem não vacinados”.

“O estudo contradiz narrativas de que a Covid-19 é perigosa apenas para pessoas com comorbidades existentes e idosos. Dissipar e contribuir para o debate científico em torno de tais narrativas tornou-se cada vez mais importante”, afirma o investigador chefe e coautor sênior do estudo, Calum Semple, da Universidade de Liverpool.

Semple destaca que a gravidade da doença na admissão hospitalar é um alerta importante para eventuais complicações mesmo em adultos mais jovens. Portanto, é vital “uma estratégia de prevenção primária, ou seja, a vacinação”. 

As complicações mais comuns encontradas foram a lesão renal aguda, a provável síndrome do desconforto respiratório agudo, a lesão hepática, a anemia e a arritmia cardíaca.

Enfermeiros e estudantes de Medicina coletaram os dados dos pacientes em cerca de 300 hospitais no Reino Unido. As complicações foram avaliadas em vários momentos até a alta ou 28 dias após a hospitalização. Quase um em cada três participantes (32%) do estudo morreu. A maioria dos pacientes analisados (74%) era branca e as taxas de complicações foram mais altas entre pessoas negras.

Impactos a longo prazo

O estudo também investigou a capacidade dos pacientes de cuidarem de si mesmos quando recebem alta do hospital.  Os pesquisadores observaram que as complicações agudas estão associadas à capacidade reduzida de autocuidado após a alta.

“Aqueles com complicações apresentaram saúde pior na alta hospitalar e alguns terão consequências a longo prazo”, diz o coautor sênior Ewen Harrison, da Universidade de Edimburgo.

Após a hospitalização, 27% dos pacientes eram menos capazes de cuidar de si próprios do que antes da Covid-19. O problema foi mais comum entre pessoas com idade avançada, em homens e em pessoas que receberam cuidados intensivos.

As complicações neurológicas também foram associadas ao maior impacto na aptidão para autocuidado. Entre os jovens de 19 a 29 anos, 13% eram incapazes de cuidar de si mesmos após a alta hospitalar. Entre 30 e 39 anos, a taxa foi de 17%.

As complicações provavelmente causarão uma pressão substancial nos serviços de saúde e assistência social, alertam os autores, e afirmam que serão necessários investimentos para apoiar aqueles que sobrevivem à Covid-19.

Isso inclui o fornecimento adequado de profissionais e equipamentos, como, por exemplo, disponibilidade de clínicas de acompanhamento para aqueles que sofreram complicações no hospital, como lesão renal aguda ou infecção do trato respiratório.

“Pessoas que apresentam complicações geralmente precisam de cuidados especializados e ajuda extra para se recuperar de sua admissão hospitalar inicial. Nosso estudo mostra que é importante considerar não apenas a morte por Covid-19, mas também outras complicações. Isso deve fornecer aos formuladores de políticas dados para ajudá-los a tomar decisões sobre como lidar com a pandemia e planejar o futuro”, ressalta o coautor Thomas Drake, da Universidade de Edimburgo.

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