A era das epidemias pode estar só no início, diz virologista
70% das epidemias e pandemias são zoonoses, ou seja, vírus transmitidos por animais, diz virologista
Há cerca de um ano, o mundo luta contra o SARS-CoV-2 que, até agora, vem vencendo a batalha apesar da chegada de vacinas eficazes para combatê-lo
(Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)
A Covid-19 mostrou o despreparo das autoridades mundiais para gerenciar pandemias e a necessidade de uma coordenação global para enfrentar esse tipo de ameaça. Há cerca de um ano, o mundo luta contra o SARS-CoV-2 que, até agora, vem vencendo a batalha apesar da chegada de vacinas eficazes para combatê-lo.
Protecionismo, medidas diferentes entre nações, estratégias diversas de distribuição das imunizações e outras dificuldades mostram que vencer uma epidemia é uma questão mais política e econômica do que de saúde pública. Como enfrentar essa situação e, principalmente, como enxergar uma luz no fim do túnel diante do contexto atual?
A RFI Brasil conversou com exclusividade com o virologista Christian Brechot, professor de Medicina da Universidade da Flórida, ex-diretor do Inserm (Instituto Nacional francês de Saúde e Pesquisa Médica) e do Instituto Pasteur.
Segundo ele, é preciso entender que 70% das epidemias e pandemias são zoonoses, ou seja, vírus transmitidos por animais. O papel do homem na transformação da natureza, diz, tem influência direta no aparecimento da Covid-19 e de outras doenças.
“Infelizmente, a evolução dos últimos 30 anos favoreceu essa transmissão, por conta da urbanização, do desmatamento, da migração humana e do aquecimento global. Então é provável, não certo, porque é difícil de prever, mas é provável que tenhamos outras epidemias do tipo”, diz.
Ele explica que há pelo menos quatro cepas de coronavírus observadas em morcegos com potencial de transmissão para o homem nos próximos anos. Dos sete coronavírus que contaminam humanos, quatro são benignos e provocam resfriados comuns. Os outros são o SARS-Cov-1, o MERS e agora o novo SAR-Cov-2.
O virologista lembra que pelo menos cinco deles apareceram nos últimos 20 anos. “Temos a impressão de que houve uma aceleração da transmissão de animais para humanos, que é favorecida pela modificação do ecossistema pelo homem”, reitera.
A transformação da natureza, desta forma, torna mais fácil a emergência de novas epidemias e o mundo se viu despreparado diante da chegada do SARS-Cov-2. Mas também houve progresso na gestão de epidemias, a exemplo do HIV, do SARS-Cov-1 e do Ebola em 2014 e 2015, lembra o pesquisador. “Houve verdadeiros progressos feitos em termos de redes e estruturas, para responder a essas epidemias com regulamentos internacionais”, analisa.
Ele cita, por exemplo, a criação, em 2016, da CEPI (The Coalition for Epidemic Preparedness Innovations). Trata-se de uma aliança para financiar e coordenar vacinas para prevenir e controlar doenças que se tornam epidêmicas. A ideia é preparar estoques com antecedência e poder reagir rapidamente em caso de epidemia.
Por que então a Covid-19 se propagou dessa maneira? “Penso que o controle de uma pandemia passa pela vacina, por novos tratamentos, mas também pela capacidade de usar melhor os progresso tecnológicos que foram feitos na área diagnóstica”, diz o cientista francês.
Mais reatividade
Para ele, para preparar as futuras pandemias, os governos precisam ser globalmente mais reativos e incluir na luta contra a crise sanitária, simultaneamente, profissionais de todos os setores: econômicos, da saúde, cientistas e industriais. O controle da situação, diz, passa principalmente pela capacidade de diagnóstico. “Isso permite manter uma vida econômica, apesar da pandemia.”
A rapidez no diagnóstico associada a medidas de proteção, como o uso da máscara, permite a gestão da crise. Hoje isso é possível, lembra, graças à chegada ao mercado de testes de saliva com resultados rápidos. “Concretamente, se nos restaurantes, lojas e empresas forem implantados testes rápidos, que podem ser feitos com frequência, isso muda tudo, à espera de uma vacina e utilizando tratamentos eficazes.”
O cientista francês considera o swab, o longo cotonete usado atualmente para coletar uma amostra no nariz, ultrapassado. De acordo com ele, as novas técnicas permitirão que as pessoas possam viver mais normalmente nesses períodos, respeitando algumas regras. No contexto atual, Brechot também chama a atenção para a necessidade de acelerar a campanha de vacinação. “O que é essencial, atualmente, é uma vacinação em massa e rápida.”
Ele elogia a parceria entre o instituto brasileiro Butantan e o chinês Sinopharm para produzir a vacina CoronaVac, barata e que se conserva mais facilmente. “Isso abre grandes possibilidades para um certo número de países e continentes, como a África, a América do Sul, o sudeste da Ásia ou talvez a Europa.” O importante, ressalta, é que as vacinas funcionam – e isso, em meio a tanto pessimismo, já é grande notícia.
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