Comissão da Verdade enviará grupo para analisar depoimento de Dilma

Comissão também vai analisar documentos de outras pessoas em Minas.

Letícia MacedoDo G1, em São Paulo

A Comissão da Verdade enviará um grupo de pesquisadores ao Conselho de Direitos Humanos de Minas (Conedh-MG) para acessar o arquivo com o depoimento que a presidente Dilma Rousseff concedeu, em 2001, sobre as sessões de tortura as quais foi submetida na época da ditadura em Minas Gerais, estado onde começou sua militância política. O grupo deve chegar a Belo Horizonte entre esta segunda (18) e terça-feira (19) e também deve analsiar relatos de outras pessoas.

O relato da presidente, divulgado pelos jornais “O Estado de Minas” e “Correio Braziliense”, era pouco conhecido até mesmo por militantes do Partido dos Trabalhadores. Dilma evita falar sobre os castigos que recebeu durante atividade política.

De acordo com a historiadora Heloísa Starling, que é assessora da comissão, o objetivo é ter acesso ao arquivo tão pouco conhecido.

“A Comissão vai mandar um grupo de pesquisadores para Belo Horizonte para se inteirar do depoimento, analisar a natureza dos documentos e também ter acesso a relatos de outras pessoas”, disse ao G1, durante uma reunião da Comissão da Verdade, na sede da presidência, em São Paulo, na manhã desta segunda.

Socos e choques
No depoimento dado à comissão mineira, a presidente, que na época era secretária de Minas e Energia no Rio Grande do Sul e filiada ao PDT, contou que levou vários socos no maxilar durante as sessões de tortura em Juiz de Fora no início dos anos 70. Os militares queriam saber detalhes do funcionamento do Comando de Libertação Nacional (Colina), grupo no qual Dilma militava.

"Minha arcada girou para o lado, me causando problemas até hoje, problemas no osso do suporte do dente. Me deram um soco e o dente se deslocou e apodreceu. [...] Só mais tarde, quando voltei para São Paulo, o Albernaz (capitão Alberto Albernaz, do DOI-Codi de São Paulo) completou o serviço com um soco, arrancando o dente", contou Dilma no depoimento.

Àquela epoca, Dilma era conhecida como Estela - ela teve ainda outros codinomes, como Vanda e Luíza. Ela narrou ainda que policiais tinham interesse em saber qual seria o contato dela com Ângelo Pezzuti, dirigente do Colina. "Eu comecei a ser procurada em Minas nos dias seguintes à prisão de Ângelo Pezzuti. Eu morava no Edifício Solar, com meu marido, Cláudio Galeno de Magalhães Linhares, e numa noite, no fim de dezembro de 1968, o apartamento foi cercado e conseguimos fugir, na madrugada. O porteiro disse aos policiais do Dops de Minas que não estávamos em casa. Fugimos pela garagem que dá para a rua do fundo, a Rua Goiás."

"Fui interrogada dentro da Operação Bandeirantes (Oban) por policiais mineiros que interrogavam sobre processo na auditoria de Juiz de Fora e estavam muito interessados em saber meus contatos com Ângelo Pezzuti, que, segundo eles, já preso, mantinha comigo um conjunto de contatos para que eu viabilizasse sua fuga. Eu não tinha a menor ideia do que se tratava, pois tinha saído de BH no início de 69 e isso era no início de 70. Desconhecia as tentativas de fuga de Pezzuti, mas eles supuseram que se tratava de uma mentira. Talvez uma das coisas mais difíceis de você ser no interrogatório é inocente. Você não sabe nem do que se trata", declarou a presidente ao conselho, de acordo com os jornais.

Dilma relatou ainda sessões de tortura com choque. "Não se distinguia se era dia ou noite. O interrogatório começava. Geralmente, o básico era choque."

"Se o interrogatório é de longa duração, com interrogador ‘experiente’, ele te bota no pau de arara alguns momentos e depois leva para o choque, uma dor que não deixa rastro, só te mina. Muitas vezes também usava palmatória; usava em mim muita palmatória. Em São Paulo usaram pouco esse ‘método’. No fim, quando estava para ir embora, começou uma rotina. No início, não tinha hora. Era de dia e de noite. Emagreci muito, pois não me alimentava direito", relatou.

Em outro momento, ela relata que sofreu hemorragia por conta da tortura. "Quando eu tinha hemorragia, na primeira vez foi na Oban (…) foi uma hemorragia de útero. Me deram uma injeção e disseram para não bater naquele dia. Em Minas, quando comecei a ter hemorragia, chamaram alguém que me deu comprimido e depois injeção. Mas me davam choque elétrico e depois paravam. Acho que tem registros disso no final da minha prisão, pois fiz um tratamento no Hospital das Clínicas."

Solidão e tortura psicológica
De acordo com os documentos publicados pelos jornais, a presidente relatou momentos de solidão em que temia a morte.

"O estresse é feroz, inimaginável. Descobri, pela primeira vez, que estava sozinha. Encarei a morte e a solidão. Lembro-me do medo quando minha pele tremeu. Tem um lado que marca a gente pelo resto da vida", disse.

"Tinha muito esquema de tortura psicológica, ameaças. Eles interrogavam assim: ‘Me dá o contato da organização com a polícia?’ Eles queriam o concreto. ‘Você fica aqui pensando, daqui a pouco eu volto e vamos começar uma sessão de tortura.’ A pior coisa é esperar por tortura."

Sequelas
“Acho que nenhum de nós consegue explicar a sequela: a gente sempre vai ser diferente. No caso específico da época, acho que ajudou o fato de sermos mais novos; agora, ser mais novo tem uma desvantagem: o impacto é muito grande. Mesmo que a gente consiga suportar a vida melhor quando se é jovem, fisicamente, a médio prazo, o efeito na gente é maior por sermos mais jovens. Quando se tem 20 anos o efeito é mais profundo, no entanto, é mais fácil aguentar no imediato.”

"As marcas da tortura sou eu. Fazem parte de mim", relatou a presidente.

Bilhetes
Na edição desta segunda, os jornais trouxeram ainda a informação de que bilhetes endereçados a Dilma e interceptados pelos militares foram os responsáveis por novas sessões de tortura em Minas.

Os militares acreditavam que Estela (Dilma) teria organizado, no fim de 1969, um plano para dar fuga a Ângelo Pezzuti. Por conta de 22 bilhetes encaminhados para Dilma, ela teria voltado a ser torturada.