'Não me vejo mais na PM', diz policial que foi presa ao se recusar fazer hora extra por precisar amamentar o filho em São Luís

Policial afirma que teme por novas retaliações.

Por g1 MA — São Luís

A soldada da Polícia Militar, Tatiane Alves, afirmou que deve pedir exoneração do cargo em breve. — Foto: Reprodução/g1

Policial que foi presa em São Luís diz que deve pedir exoneração do cargo

Em entrevista ao g1, a soldada Tatiane Alves, de 32 anos, revelou que deve pedir exoneração do cargo. Ela afirma que já foi vítima de outros casos de assédio moral e sexual dentro da corporação e se sente injustiçada.

Quase 20 dias após ter sido presa ao ter se recusado a fazer hora extra para amamentar o filho, a soldada da Polícia Militar do Maranhão (PM-MA), Tatiane Alves, de 32 anos, revelou em entrevista exclusiva ao g1, que deve pedir exoneração do cargo.

A soldada explicou que após o fim do tratamento psicológico no qual ela tem sido submetida desde o episódio, ela deve pedir para sair da corporação onde trabalha há quase oito anos. Ela afirma que teme por novas retaliações.

"Considero a Polícia Militar muito importante para a sociedade, mas o militarismo eu acho muito defasado, que não precisa ser modelo. Eu não me vejo mais na PM, porque eu não aceito mais algumas situações, então sei que vou sofrer ainda mais retaliação ali. Eu prefiro pedir exoneração e procurar outro meio de trabalho. E vou fazer isso após o fim do meu tratamento", revelou.

Tatiane Alves afirma que esta não foi a primeira vez que foi vítima de casos de assédio moral e até sexual dentro da PM. A soldada chegou a desenvolver problemas com ansiedade e depressão, e por conta disso, chegou a ficar um ano afastada do trabalho em tratamento.

Ao g1, a soldada que é natural de Imperatriz, cidade localizada no sul do Maranhão, explicou que a mudança para São Luís, foi uma forma de evitar novos casos e recomeçar a vida com a família.

"Eu já passei por problemas psicológicos devido ao assédio sexual que sofri ano passado na instituição, então fiquei praticamente um ano afastada em tratamento contra ansiedade e depressão. Então, solicitei a transferência para São Luís, pensando que fosse diferente. Mas chegando aqui, com menos de dois meses, aconteceu isso", explicou.

'Virei acusada'

O caso da soldada Tatiane Alves virou alvo de um Inquérito Policial Militar, que apura uma conduta ilegal dela ao se recusar permanecer no posto de trabalho. A Promotoria de Justiça Militar, que responde em casos de prisão, também abriu um inquérito para investigar o caso.

A soldada diz que se sentiu injustiçada e afirma, que por muitas vezes, os direitos dos policiais militares são negados diante aos superiores.

"Mesmo sendo vítima dessa situação, eu fui colocada como acusada. Então, de acordo com o Código Penal, a minha conduta seria ilegal (...) Eu me senti injustiçada, mas não é primeira vez que esse tipo de situação acontece comigo. Eu achei necessário mostrar para a sociedade como é dentro dos portões da instituição, infelizmente a gente é muito oprimido e nossos direitos são negados em várias situações", disse.

Ambiente tóxico

O relato da soldada Tatiane Alves se juntou aos tantos outros que revelam casos de assédio, opressão e humilhação dentro da Polícia Militar do Maranhão. Ao g1, ela afirma que não esperava que o caso tivesse tanta repercussão, mas espera que a partir disso, algo possa ser feito para evitar que casos como o dela se repitam.

"Eu esperava que isso fosse resolvido administrativamente, mas tomou uma proporção tão grande, que me assustou. Mas a população não entende como é a Polícia Militar, só quem está lá dentro sabe o quanto a gente é oprimido, é humilhado e a gente não tem o amparo legal para o assédio moral. Infelizmente não tem um órgão responsável por essas denúncias. Quando a gente denuncia, é a Corregedoria da Polícia Militar que é formada por oficiais. E a maioria dos assediadores, são oficiais, que acabam escondendo a situação", disse.

De acordo com Tatiane, mesmo com a repercussão do caso, muitos colegas de corporação prestaram apoio a situação.

"Recebi muito apoio, não só das policiais femininas, que sofrem assédio sexual desde o curso de formação, onde muitos já tem um pensamento machista de que a gente entra na corporação para servir de objeto. Mas os homens também sofrem assédio moral e muitos entraram em contato comigo. Muitos falaram sobre a perseguição velada, onde muitos usam o próprio sistema militar para nos punir por algum questionamento, já que não podemos questionar nada na PM", afirmou.

O que aconteceu

Policial é presa por se recusar a passar do horário de trabalho para amamentar o filho

A soldada da Polícia Militar, Tatiane Alves, de 32 anos, foi presa no último dia 5 de setembro após se recusar a fazer hora extra por precisar amamentar o filho, de dois anos. O caso aconteceu enquanto ela realizava um patrulhamento policial no Centro Histórico de São Luís (veja o relato dela acima).

Após cumprir as seis horas de trabalho em pé e sem pausa para alimentação, ela recebeu uma ordem do tenente Mário Sérgio Oliveira Brito para continuar trabalhando, mesmo após o turno completo. O filho e o marido já estavam no local esperando ela para ir pra casa, quando ela recebeu a voz de prisão. após ter questionado o tenente sobre a situação.

"Quando eu fui questionar a respeito do policiamento, do horário, eu não quis me ouvir. Ele só disse que se eu não cumprisse a ordem determinada por ele, eu seria presa. Eu pedi para o meu marido filmar porque eu saberia que de lá eu não sairia se não fosse presa. E aí, infelizmente, ele me deu voz de prisão", disse.

Tatiane Alves foi conduzida ao Comando Geral da Polícia Militar, em São Luís, onde ficou presa por 24 horas. Durante o período, ela contou com o apoio do diretor do presídio, que autorizou que ela pudesse amamentar o filho por dois períodos durante o dia, enquanto estivesse presa.

"Fiquei isolada completamente, sem acesso a ninguém, somente com os policiais que levavam minha alimentação. O diretor do Presídio, foi uma pessoa extremamente compreensível com a minha situação, ele entrou em contato com meu esposo, para que ele pudesse ao menos no início da manhã e da noite, levar meu filho para ser amamentado", disse.

Procurado pelo g1, a Polícia Militar do Maranhão (PM-MA) ainda não se manifestou sobre as acusações.

https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2021/09/24/nao-me-vejo-mais-na-pm-diz-policial-que-foi-presa-ao-se-recusar-fazer-hora-extra-por-precisar-amamentar-o-filho-em-sao-luis.ghtml