Polícia Federal fecha acesso público a seus documentos

A partir de agora, todo documento registrado por um policial federal no SEI é de acesso restrito ou sigiloso.

Por Malu Gaspar

Policiais Federais durante operação: a partir da agora, todo documento é sigiloso | Foto: Aloisio Mauricio/Agência Fotoarena/Agência O Globo

A Polícia Federal fechou a partir desta terça-feira, dia 20, o acesso público a todos os documentos da corporação cadastrados no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do governo federal. O SEI é o sistema utilizado por todos órgãos públicos para o registro e o envio de documentos oficiais. 

No caso da PF, são arquivados desde atos administrativos, como ofícios, portarias, promoções, remoções, compras ou licitações, até a abertura de inquérito e peças de investigação. 

Normalmente, todo servidor tem acesso ao sistema para consultas e registros. Dependendo do setor ou do ministério, até mesmo cidadãos que não trabalham para o governo podem consultar o sistema. O Ministério da Economia permite acesso a quase todos os seus registros, assim como o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional, o Iphan. Na PF, o acesso público era dado aos servidores. 

Ao dar entrada em um documento no SEI, o servidor tem a opção de escolher se ele deve ser público, de acesso restrito ou sigiloso. Em regra, segundo a lei de acesso à informação, a publicidade dos documentos oficiais é "preceito geral". O sigilo deve ser a exceção.  

O que a nova regra estabelece é o contrário: a partir de agora, todo documento registrado por um policial federal no SEI é de acesso restrito ou sigiloso. Para garantir que a regra seja cumprida, a opção de registro público foi simplesmente excluída das redes de computadores da PF. 

Se quiser transformá-lo em público, o policial deve abrir um processo no sistema e enviar um pedido com justificativa de motivos "para análise e deliberação" à comissão nacional do SEI.

O comunicado sobre a mudança de status dos documentos foi enviado via circular para todos os diretores e superintendentes da PF e para o corregedor-geral. Quem assina é o perito criminal Rodrigo CIT Ramos Lopes, que se identifica como presidente da Comissão Nacional do SEI-PF. 

O motivo, segundo a circular, é a "necessidade de compartimentação de informações sensíveis inerentes a diferentes áreas da Polícia Federal, assim como a possibilidade de lançamentos equivocados por servidores no momento do cadastro". 

Questionada a respeito, a direção da PF enviou nota afirmando que "não se trata de imposição de caráter sigiloso ou reservado aos documentos, mas apenas de restrição de documentos preparatórios até a devida publicação ou decisão final", quando passam a ser tratados de acordo com a sua classificação legal (públicos, sigilosos ou reservados)". 

A direção da PF enviou também enviou uma lista de tipos de documentos que continuam públicos, como licitações e aditivos de contrato. Mas outros tipos, como remoções, promoções ou mudanças de atribuição de delegados, que eram públicos , agora são de acesso restrito. 

A nova regra para o registro de documentos está sendo implementada num momento delicado para a Polícia Federal. 

Desde a posse de Paulo Maiurino como diretor-geral, delegados vivem em crise permanente com o comando, com a demissão de investigadores de casos que prejudicam aliados de Jair Bolsonaro e ordens internas que indicam direcionamento das atividades da polícia para atender o interesse do governo. 

Foi assim com as exonerações dos delegados Alexandre Saraiva e Franco Perazzoni dos cargos que ocupavam, depois que eles conduziram os inquéritos que denunciaram um esquema de favorecimento ilícito de madeiras clandestinas por funcionários do Ibama e pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Há duas semanas, foi a vez de o chefe da divisão de Meio Ambiente da PF, Rubens Lopes, ser afastado do cargo. 

Outro episódio que provocou mal-estar entre delegados e a direção ocorreu em meados de junho, quando a direção de Combate ao crime organizado enviou uma ordem a todas as superintendências  para fornecerem todas denúncias de fraudes recebidas pela corporação desde a implantação da urna eletrônica, em 1996. 

A comunicação foi disparada via SEI, duas horas depois de uma entrevista em que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, desafiou o presidente Jair Bolsonaro a apresentar provas de fraudes no uso da urna eletrônica nas eleições de 2018.

Em sua ordem às superintendências, a direção disse que visava atender a um pedido da comissão especial do voto impresso na Câmara dos Deputado. O requerimento para que as informações fossem pedidas à PF, porém, só foi aprovado na comissão especial à tarde, quando a consulta aos superintendentes já tinha sido feita.

Para o diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão, mesmo tratando de documentos sensíveis, a circular da PF "perverte radicalmente o que estabelecem a Lei de Acesso à Informação, a Constituição Federal e as boas práticas internacionais".

Segundo ele, a portaria é "ainda mais preocupante por se inserir em um contexto geral de retrocesso na transparência pública e de autoritarismo crescente no Brasil, inclusive com riscos de abusos por parte de órgãos de inteligência. É fundamental que os órgãos policiais estejam sob controles institucionais adequados e prestem contas à sociedade – e pra isso a transparência é imprescindível". 

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