Sem formação, funcionários de clínica fechada após denúncia de maus-tratos em MG se passavam por terapeutas, diz polícia

Há suspeita de maus-tratos a pacientes e a animais, cárcere privado, lesão corporal, danos ambientais e abuso sexual.

De acordo com a delegada Priscila Pereira Saltos, essas pessoas serão investigadas também por falsidade ideológica.

Por Cláudia Mourão e Thaís Leocádio, TV Globo e G1 Minas — Belo Horizonte

Polícia Civil faz operação em clínica de recuperação, em Prudente de Morais, na Região Central de Minas Gerais — Foto: Reprodução/Redes sociais

Falsidade ideológica também está entre os crimes investigados pela Polícia Civil na clínica de recuperação de dependentes químicos interditada em Prudente de Morais, na Região Central de Minas Gerais. A delegada Priscila Pereira Saltos, responsável pelas investigações, disse, nesta terça-feira (20), que funcionários sem formação são suspeitos de se passar por terapeutas no local.

Seis pessoas foram presas na Clínica Novo Caminho, nesta segunda-feira (19), e o local foi fechado. Há suspeita de maus-tratos a pacientes e a animais, cárcere privado, lesão corporal, danos ambientais e abuso sexual.

O G1 questionou quantos são esses funcionários que devem responder por falsidade ideológica e se estão entre os presos, e aguarda resposta da polícia.

Segundo a Polícia Civil, os internos têm entre 18 e 80 anos e eram mantidos em quartos com grades, com várias pessoas por "cela". Um idoso de 75 anos, com a saúde debilitada, continuava internado na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) nesta manhã.

Uma das vítimas contou à TV Globo que os próprios internos cuidavam uns dos outros. "Cuidei, tratei e troquei fralda", disse o rapaz de 27 anos.

De volta para casa

Dos cerca de 45 internos da clínica de recuperação de dependentes químicos, 30 já estão com as famílias. De acordo com o secretário municipal de Assistência Social e Trabalho, José de Lima Natal, outras vítimas seguirão para suas cidades ainda na tarde desta terça-feira (20). Há pessoas de lugares como Vitória da Conquista (BA) e Nanuque, no Norte de Minas.

"Já fizemos contato com todos os familiares e estamos providenciando as passagens. Vamos colocar os internos dentro dos ônibus para que sejam recebidos por suas famílias", contou o secretário.

Polícia de MG interdita clínica de recuperação para dependentes químicos

Quatro internos terão que passar mais uma noite na clínica, com autorização da polícia e acompanhados pela secretaria, pois só havia passagens para esta quarta-feira (21).

Ao todo, oito pessoas foram conduzidas para a Delegacia de Polícia Civil de Matozinhos, na Grande BH, nesta segunda-feira (19), mas só seis foram presas em flagrante.

"Entendi que eles não tinham poder de comando para liberar os pacientes, nem mesmo acesso às chaves para tirar as vítimas do cárcere privado. Hoje vamos continuar com as diligências, analisar documentos da clínica e apurar as questões de abuso sexual. Os pacientes indicaram o autor que teria cometido os abusos, mas ele não está entre os seis detidos", disse a delegada.

Um rapaz internado há cinco meses para tentar se livrar do vício do crack disse que a vida, agora, tem um novo sentido:

"Estou indo para Belo Horizonte novamente, pretendo resgatar o meu trabalho, a minha sensação de liberdade, de felicidade. Quero fazer desta a última, né? Isso é um exemplo para eu não querer voltar ao uso de drogas".

Clínica de recuperação de dependentes químicos é interditada em Prudente de Morais

Um homem, identificado como Germano dos Santos, atendeu o telefone celular divulgado pela clínica e disse ao G1 que é um dos proprietários do local. Ele afirmou que está no Mato Grosso e que não pode se manifestar por não saber o que houve em Prudente de Morais.

"Tem muita gente que está lá e que nunca recebeu maus-tratos. Vamos ver até onde vai essa denúncia e quem denunciou. Eu tenho plena certeza de que não tem maus-tratos lá, nem contra gente, nem contra animais", respondeu Germano.

Segundo a delegada, ele também será ouvido pela Polícia Civil.

Internação involuntária

A maior parte dos internos foi levada para lá involuntariamente, até mesmo com uso de força, segundo a investigadora de Polícia Civil Sheiva Duarte.

"Eles eram dopados. Há um 'caçador', uma pessoa que entra em contato com as famílias. Uma equipe ia até lá, pegava essas pessoas usando de violência e trazia para cá. Já foram vários relatos", afirmou.

As famílias pagavam até R$ 1.800 mensais pela internação dos parentes, em contratos de seis meses. O valor podia, inclusive, ser parcelado.

"A sensação é que você está numa cadeia, né? Sendo que você está aqui para se tratar, não para ficar preso. Lugar de bandido é na cadeia. A gente está aqui para se recuperar das drogas, não para ficar psicologicamente machucado", disse um dos internos.

A delegada reforçou que a condução de internos contra a vontade deles é uma prática ilegal. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou, em junho do ano passado, uma lei que autoriza a internação involuntária de dependentes químicos sem a necessidade de autorização judicial. No entanto, isso só vale para internações em unidades de saúde e hospitais gerais.

Irregularidades

A clínica não possuía alvará de funcionamento, nem licença do Ministério da Saúde para funcionar. O Corpo de Bombeiros esteve no local para tomar as providências em relação à segurança e constatou várias irregularidades que colocavam em risco a integridade e a saúde dos internos.

O espaço não possuía extintores, nem projeto de combate a incêndio, e a fiação elétrica ficava exposta, com risco de curto-circuito. Os responsáveis informaram à polícia que o local funcionava desde fevereiro de 2020, mas a suspeita da corporação é que antes disso já havia internos por lá.

A equipe da TV Globo registrou paredes mofadas, fiação exposta, quatro pessoas em um mesmo quarto fechado, todos sem máscara, incluindo um idoso de 74 anos. Os banheiros estavam sujos e a água do chuveiro era gelada.

"O período da gente é muito curto do lado de fora", contou uma das vítimas.

https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2020/10/20/sem-formacao-funcionarios-de-clinica-fechada-apos-denuncia-de-maus-tratos-em-mg-se-passavam-por-terapeutas-diz-policia.ghtml