Novas imagens do James Webb mostram pontos nunca antes vistos do universo
O lançamento do James Webb representa uma conquista significativa para a Humanidade na astronomia
Por Ana Rosa Alves
Nebulosa Carina, fotografada pelo Telescópio James Webb Telescópio James Webb/Nasa
Como uma máquina do tempo capaz de fotografar 13 bilhões de anos atrás, telescópio vai ajudar a responder questões-chave sobre o cosmos
A Nasa divulgou nesta terça-feira as primeiras imagens do Observatório James Webb, após uma prévia na segunda, inaugurando uma nova era da exploração especial. A expectativa é que o telescópio, o maior e mais caro já produzido, permita a observação de pontos nunca antes vistos do universo, ajudando a Humanidade a responder questões-chave para o estudo do cosmos e a origem das coisas.
As imagens são um aperitivo do que o Webb, que orbita o Sol a 1,5 milhão de quilômetros da Terra, deve mostrar nos próximos anos. Já sinalizam, contudo, a importância do projeto encabeçado pela Nasa, em conjunto com as agências espaciais canadense e europeia: são uma janela para o passado do universo e para o futuro da ciência.
O Webb é como uma máquina do tempo para que a Humanidade veja as primeiras galáxias formadas logo após o Big Bang, há 14 bilhões de anos. Isso é possível porque a luz viaja a cerca de 300 mil quilômetros por segundo — as distâncias no espaço são tão grandes, contudo, que a luminosidade dos objetos mais distantes que o Webb conseguirá fotografar terá viajado cerca de 13 bilhões de anos-luz. Ou seja, serão fotografias de algo que ocorreu há 13 bilhões de anos.
— O lançamento do James Webb representa uma conquista significativa para a Humanidade e a abertura de uma nova era na astronomia — disse ao GLOBO Jaziel Goulart Coelho, professor do Núcleo de Astrofísica e Cosmologia da Universidade Federal do Espírito Santo. — O telescópio permitirá abordar questões fundamentais sobre a natureza do universo e o ciclo cósmico de estrelas, planetas e a vida.
Nesta terça-feira foram divulgados quatro objetos: o exoplaneta Wasp-96 b, as nebulosas do Anel Sul e Carina e o Quinteto de Stephan.
A primeira imagem a ser divulgada foi a do exoplaneta Wasp-96 b, que orbita uma estrela como o Sol, completando uma volta a cada 3,4 dias. Descoberto em 2014, ele tem diâmetro maior que o de Júpiter, mas menos da metade de sua massa, e temperaturas maiores que 540ºC. Fica a cerca de 1.150 anos-luz da Terra, na constelação de Fênix.
Nebulosa do Anel Sul, Quinteto de Stephan: Saiba o que mostram as imagens do telescópio James Webb
O telescópio captou sinais distintos de vapor d'água, além de evidência de nuvens, na atmosfera do planeta gasoso. E, se a maneira como as imagens foram apresentadas para o público não foi tão visualmente deslumbrante, o gráfico sobre a composição atmosférica traz informações importantes para a comunidade científica, ávida por mais detalhes sobre a atmosfera dos exoplanetas.
— As imagens, claro, têm esse apelo por serem muito bonitas, mas a parte científica está de fato na análise dos dados, no entendimento da densidade, da composição química, na ionização e nas características do que estamos observando — disse Catarina Aydar, astrofísica da Universidade de São Paulo.
O observatório pôde revelar a existência das moléculas específicas baseando-se em pequenas alterações na luminosidade das cores, a análise mais detalhada já feita deste tipo e algo que será importante na busca por outros planetas possivelmente compatíveis com a vida humana. O Telescópio Hubble, antecessor do Webb, já analisou uma série de exoplanetas, mas os detalhes e a nitidez do novo telescópio são sem precedentes.
A segunda imagem divulgada foi da Nebulosa do Anel Sul, a 2,5 mil anos-luz da Terra, que inclui uma nuvem de gás emitida há milhares de anos, em todas as direções, por uma estrela em vias de morrer. No centro, vê-se uma anã branca, os remanescentes do astro.
A imagem, segundo a Nasa, irá "transformar nossa compreensão de como as estrelas se desenvolvem e influenciam seus ambientes" e ajudará a descobrir mais detalhes sobre nebulosas — nuvens de gás e poeira emitidas por estrelas que morrem. Entender isso, quais moléculas são essas e como se distribuem será um avanço para a ciência.
Como nebulosas existem por dezenas de milhares de anos, observá-las é "como ver um filme em velocidade extremamente lenta", de acordo com a agência especial americana. Cada estrela ejeta os materiais, que circulam pela região e, eventualmente, podem viajar por bilhões de anos e serem incorporados por outros planetas ou estrelas.
Quinteto de Stephan
Em seguida, foi a vez da do Quinteto de Stephan, um grupo de cinco galáxias na constelação de Pégaso batizado em homenagem ao astrônomo francês Edouard Stephan. É a maior imagem tirada pelo telescópio, cobrindo o equivalente a um quinto do diâmetro da Lua e composta por mais de mil arquivos separados.
Bastante conhecido, o quinteto é, em parte, uma ilusão, já que nem todas as galáxias estão juntas: quatro delas estão a cerca de 290 milhões de anos-luz da Terra, enquanto a quinta, a NGC 7320, está a cerca de 40 anos-luz. Ambas distâncias ainda são relativamente próximas do nosso planeta, considerando que há galáxias a bilhões de anos-luz da Via Láctea, mas seu estudo é essencial para que se descubra mais sobre as estruturas e sua formação.
A imagem traz novos detalhes de como as interações de galáxias, uma área sobre a qual ainda se sabe relativamente pouco, podem ter moldado a evolução nos primeiros anos do universo. Duas das galáxias estão em via de se fundir, mostra também a foto, simultaneamente a agrupamentos de milhões de jovens estrelas e regiões de explosões que indicam o nascimento de novos astros.
— Elas [as galáxias] estão em uma interação próxima, uma espécie de dança cósmica guiada pela força gravitacional — disse Giovanna Giardino, astrônoma na Agência Espacial Europeia, ao apresentar a imagem.
Nebulosa Carina
Por último, foram divulgadas imagens da Nebulosa Carina, que é simultaneamente um berçário e cemitério para várias das estrelas da Via Láctea. A foto não mostra montanhas ou vales pontuados por estrelas brilhantes, mas sim a borda de uma região chamada NGC 3324 na nebulosa.
Trata-se de uma área gasosa, e os picos fotografados têm, em média, uma altura de 7 anos-luz. A foto mostra também, pela primeira vez, áreas até invisíveis do nascimento de novas estrelas, segundo a Nasa.
Sua captura só foi possível porque o Webb vê em frequências infravermelhas, que dribla a poeira estelar. Como explica Goulart Coelho, as galáxias que o Webb alcança se afastam rapidamente de nós devido à expansão do universo, o que torna o comprimento de onda de sua luz mais longo e invisível aos olhos humanos.
— Essas estrelas estão essencialmente escondidas aos nossos olhos, não importa o que tentemos fazer — disse ele. — O Webb observa o universo nesta região do espectro eletromagnético.
A região fotografada, a cerca de 7,6 mil anos-luz da Terra, surgiu a partir da intensa radiação ultravioleta e dos ventos estrelares de estrelas enormes, jovens e quentes que ficam acima da área mostrada pela imagem. Sua observação mostra detalhes do processo de formação das estrelas.
— Nós humanos de fato estamos muito conectados com o universo (...). Somos feitos das mesmas coisas que este cenário — disse Amber Straughn, cientista do Webb que apresentou a imagem durante o evento da Nasa.
Smacs 0723
A imagem inaugural do Webb havia sido mostrada na segunda, em um evento especial na Casa Branca, com a presença do presidente Joe Biden. Ela mostrava o aglomerado de galáxias Smacs 0723, a cerca de 4,6 bilhões de anos-luz de distância.
A imagem revela um pedaço do céu visível do Hemisfério Sul na Terra e frequentemente fotografado pelo Hubble e por outros telescópios em busca do passado profundo. Os astrônomos usam esse aglomerado de galáxias como uma espécie de telescópio cósmico: o enorme campo gravitacional do aglomerado atua como uma lente, distorcendo e ampliando a luz de galáxias localizadas atrás dele que, de outra forma, seriam muito fracas e distantes para serem vistas.
A capacidade de ver no espectro infravermelho é uma das grandes diferenças entre o Webb e o Hubble, que opera majoritariamente no espectro visível ao olho humano e um pouco no ultravioleta. Logo, por mais que olhem para lugares similares, o novo instrumento verá coisas novas e sem o empecilho da poeira cósmica que esconde os astros.
— As imagens de hoje permitem uma definição de algo inédito (...). Se você compara com o Hubble, que eram as imagens em mais alta definição que nós tínhamos, elas parecem até humildes perto das do James Webb — disse Aydar.
O poder do novo telescópio fica claro por sua infraestrutura: o espelho coletor de luz, que forma a icônica estrutura que lembra uma colmeia, será composta por 18 partes hexagonais e terá 6,5 metros, o triplo do tamanho e cem vezes a sensibilidade do Hubble. O escudo solar tem 21 metros de altura e 14 metros de comprimento — dimensões similares a de uma quadra de tênis.
25 anos de preparativos
O telescópio, que levou 25 anos da concepção ao lançamento e custou cerca de US$ 10 bilhões, deixou a Terra no Natal do ano passado, de uma base na Guiana Francesa. Foi a bordo do foguete Ariane 5, dobrado como um origami, e aberto gradualmente a caminho do lugar onde orbitaria, em um processo que levou quase um mês.
Ele é batizado em homenagem a James Webb, o gerente da Nasa durante os anos das missões Apolo, que levaram o homem à Lua em 1969. Há críticas, contudo, há homenagem, já que Webb é acusado de ter sido uma figura central na caça às bruxas contra gays e lésbicas que trabalhavam para o governo americano e suas agências no meio do século XX.
O Webb é um das missões mais complexas já produzidas pela Nasa, e foi um desafio de engenharia do início ao fim: inicialmente concebido em 1996, a previsão era que o telescópio custasse cerca de US$ 500 milhões e levasse uma década para ficar pronto. Quando o desenho ficou pronto, contudo, ficou claro que não custaria menos de US$ 1 bilhão, e que 10 anos não seriam suficientes e que a tecnologia disponível à época não era suficiente.
Ao longo dos anos, o cheque foi aumentando conforme a data prevista de lançamento era adiada. Em 2011, quando mais de US$ 5 bilhões já haviam sido gastos, o Congresso americano ameaçou cancelar o projeto, que seguiu em frente com a promessa de pôr o telescópio no céu em 2018, com um teto de US$ 8 bilhões.
Outra expectativa com o Webb diz respeito a busca por novos exoplanetas que tenham atmosferas que possam permitir a vida humana. E, além disso, buscar indícios de vida fora do sistema solar por meio de uma técnica conhecida como espectroscopia, que identifica diferentes elementos e moléculas por meio da forma como absorvem luz.
Um dos alvos é a estrela Trappist-1, na constelação do Aquário, com sete planetas ao seu redor, um sistema visto como candidato a abrigar vida. A ideia é analisar a atmosfera de alguns desses astros e entender sua real condição de habitabilidade.
https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2022/07/webb.ghtml?utm_source=globo.com&utm_medium=oglobo
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