Fósseis extraídos ilegalmente no Ceará revelam espécies que viveram há 110 milhões de anos

O grupo de pesquisa afirmou que o animal viveu há 120 milhões de anos, durante o período cretáceo

Ubirajara jubatus foi identificado fora do Brasil possivelmente após comércio ilegal do fóssil; entidades brasileiras e MPF tentam repatriá-lo.

Por Cadu Freitas, G1 CE

Fósseis extraídos ilegalmente do Ceará são vendidos por até US$ 150 mil cada no exterior

Em razão do tráfico nacional e internacional de fósseis que ocorre no sul do Ceará, diversos exemplares são retirados do seu local de origem. A região é uma das três mais ricas do mundo na quantidade dessas peças. A mais recente, foi descoberta em dezembro de 2020, quando uma pesquisa europeia chamou de Ubirajara jubatus um fóssil encontrado na região cearense.

Ele seria o primeiro dinossauro não aviário descrito em toda a América Latina. A divulgação foi alvo de críticas de cientistas brasileiros, que tentam repatriar o exemplar de um museu na Alemanha, com a ajuda do Ministério Público Federal (MPF).

O Ceará tem o maior sítio paleontológico do Brasil; devido a falhas na fiscalização da região e de uma legislação que data de 1942, o comércio ilegal de fósseis ocorre à luz do dia. Especialistas apontam que diversos exemplares já foram retirados da região e só foram descobertos após divulgações científicas ou vendas em leilões fora do país.

O grupo de pesquisa que descreveu o U. jubatus afirmou que o animal viveu há 120 milhões de anos, durante o período cretáceo. Ele tinha o tamanho de uma galinha, duas patas, e o corpo era coberto por fios. Havia ainda duas estruturas rígidas, em formato de V, feitas de queratina em cada lado de seus ombros.

O Ubirajara jubatus após análises do seu fóssil publicado em estudo europeu — Foto: Reprodução/Bob Nicholls paleocreations.com 2020

Foi possível descobrir essas informações porque a Chapada do Araripe tem uma característica peculiar, conforme explica o pesquisador e diretor do Laboratório de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri (Urca), Álamo Saraiva.

“A gente está dentro de uma excepcionalidade. Há mais ou menos 120, 110 milhões de anos, tudo que morria ficava preservado. É como se tivesse parado o tempo aqui. Pode-se fazer análise do conteúdo estomacal dos animais mortos e montar uma cadeia alimentar. Aqui é como se fosse uma janela aberta para o passado”, informa o cientista, que trabalha com paleontologia há 21 anos.

Caminho da repatriação

Segundo Álamo, a Bacia do Araripe está entre as três mais importantes do mundo, junto a de países como China e Alemanha. É neste país que se encontra o fóssil Ubirajara jubatus extraído no Ceará, mais precisamente no Museu de História Natural de Karlsruhe. Após a descoberta, a Sociedade Brasileira de Paleontologia (SBP) entrou em contato com os editores da revista Cretaceous Research, que publicou o artigo sobre o exemplar, e o texto foi retirado até tudo ser resolvido.

O grupo de cientistas que assinou o artigo, o qual não possui nenhum brasileiro em seu corpo técnico (como determina uma portaria do Ministério da Ciência e Tecnologia, de 1990), argumenta que o antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM, hoje Agência Nacional de Mineração, ANM), deu autorização para a retirada da peça em 1995. Apesar de todo o imbróglio, o museu alemão aceitou repatriar o fóssil com a certeza de que ele volte para a região da Chapada do Araripe.

O que mais foi descoberto

Apesar de uma quantidade incontável de materiais fossilíferos ter saído do Ceará em direção a outros estados e países, uma série de exemplares descobertos na região continua guardada no Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, no município de Santana do Cariri. O local é vinculado à Urca e foi inaugurado em 1988 pelo prefeito da cidade, o qual hoje dá nome ao equipamento cultural.

De acordo com o diretor do museu, Allysson Pontes, há cerca de 10 mil peças no acervo da unidade, entre pterossauros, plantas, besouros, aracnídeos, caranguejos, entre outros.

Veja algumas das descobertas realizadas com fósseis da Bacia do Araripe:

Aratasaurus museunacionali

O Aratasaurus museunacionali é um dinossauro que viveu entre 115 e 110 milhões de anos atrás, a mais antiga espécie já identificada no Ceará. O membro posterior direito dele foi recuperado na Mina Pedra Branca, que fica entre as cidades de Nova Olinda e Santana do Cariri. O animal não tem relação com outros dinossauros encontrados na região, mas é parente do Zuolong sallei, um celurossauro chinês encontrado em rochas com 160 milhões de anos, no noroeste da China.

Incogemina nubila

Em outubro de 2020, uma pesquisa de mestrado apontou a existência de um inseto que viveu há aproximadamente 115 milhões de anos no Ceará. A Incogemina Nubila foi o segundo fóssil adulto da família Oligoneuriidae a ser encontrado no mundo. A peça foi encontrada na cidade de Nova Olinda.

Santanaraptor placidus

Um dos fósseis mais raros encontrados na região da Bacia Sedimentar do Araripe, o Santanaraptor placidus é um possível ancestral do Tiranossauro rex e viveu na região sul do Ceará há cerca de 110 milhões de anos. O fóssil foi encontrado em 1991 e media 1,6 metro, com possibilidade de chegar a 2,5 metros. O holótipo (peça única) do dinossauro cearense estava sob posse do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), quando houve um incêndio de grandes proporções que destruiu o equipamento, em setembro de 2018. A peça estava em uma sala anexa e não foi avariada.

Angarutama limai

Dinossauro encontrado na região da Bacia do Araripe em 1996, descrito a partir da parte anterior de um crânio. Ele viveu há cerca de 110 milhões de anos e era um animal carnívoro, caracterizado por uma grande vela nas costas. Eles possuíam crânio muito longo e dentição parecida com a dos crocodilomorfos modernos. Paleontólogos acreditam que eles viviam muito tempo dentro d'água a procura de alimentos, mas também podiam se alimentar de pterossauros.

https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/04/04/fosseis-extraidos-ilegalmente-no-ceara-revelam-especies-que-viveram-ha-110-milhoes-de-anos.ghtml