Valente, Brasil se agiganta, derruba a Rússia e avança às semifinais no vôlei
Seleção deixa para trás os altos e baixos da primeira fase, salva seis match points e se vinga de Gamova para manter vivo o sonho do bicampeonato
Por Rodrigo AlvesDireto de Londres
A estrada é assim mesmo, cheia de solavancos. No caminho que leva ao ouro olímpico, não dá para exigir asfalto liso ou tapete vermelho. E a seleção feminina de vôlei sente isso na pele em Londres. Quatro anos antes, foi ao topo em Pequim e mudou seu status no cenário mundial, mas a glória passada não vem carimbada na credencial desta vez. Tudo zerado, assim como as trombadas da primeira fase também zeram na virada para as quartas de final. E o mundo viu outro Brasil nesta terça-feira. Vibrante, buscando cada ponto. E vencendo. Diante de uma gigante Rússia, com metros e mais metros de braços longos, a equipe verde-amarela caiu no primeiro set, ficou atrás de novo no terceiro, mas se mostrou enorme. Agigantou-se e ganhou de forma dramática no tie-break (24/26, 25/22, 19/25, 25/22 e um inacreditável 21/19), vingou a derrota na decisão do Mundial de 2010 e engatou a sexta marcha. Próxima parada: semifinais, a dois passos do bicampeonato olímpico.
Com 27 pontos de Sheilla e 24 de Thaisa, o Brasil superou o trio de "ovas" do outro lado da rede. Shashkova fez 28, enquanto Gamova e Goncharova anotaram 25 cada. Pode ter sido o último ato da gigante Gamova, que deve se aposentar após a eliminação em Londres. No ato final, deu Brasil, para quebrar qualquer tabu pendente. Após duas derrotas para as russas em finais de Mundiais (2006 e 2010) e na semifinal de Atenas 2004, a chave virou.
- No Brasil, sempre colocam esse estigma, de que a gente nunca consegue ganhar da Rússia. Acabou. Foi importante a presença dos torcedores, o jeito como eles se comportaram. A gente precisava de um pouco mais de tranquilidade, e deu tudo certo - afirmou o técnico José Roberto Guimarães, que festejou a vitória heroica com um peixinho na quadra e saiu da quadra visivelmente emocionado.
O desafio que vale vaga na final está marcado para quinta-feira, às 15h30m (de Brasília), contra o Japão, que eliminou a China em jogo igualmente dramático no tie-break.
Gigantes superadas
Fora da quadra, na área das lanchonetes, Gamova está representada numa estátua gigante. Com 2,02m, ela personifica a diferença de altura entre as duas equipes. Na média, a seleção russa que iniciou o jogo era 5cm mais alta do que a do Brasil (1,89m contra 1,84m). Mas Zé Roberto tinha alertado sobre o perigo de outra "baixinha": Goncharova, de 1,94m. Foi justamente ela que puxou o ataque russo no início do jogo. Na primeira pausa técnica, a ponteira já tinha três pontos, e seu país vencia por 8/6. Mas era um outro Brasil em quadra, mais disposto, mais atento, gritando a cada lance. Com duas defesas difíceis de Fabi, uma pancadaça de Garay e um ataque das rivais para fora, o placar virou para 10/8.
Quando Garay atacou para fora, as brasileiras foram ao desespero reclamando de um toque. Fabi pulava feito louca na frente do juiz, que admitiu: a bola tinha batido na trança de uma russa. O espírito era esse: nenhum ponto para o outro lado sairia de graça. E na segunda parada, era o Brasil que vencia. No sufoco: 16/15.
Como Rússia é Rússia, a vantagem trocou de lado outra vez, e, quando chegou a 21/19, Zé tirou Dani Lins para colocar Fernandinha. Deu certo, e veio a virada. Mas o placar era uma gangorra, e, no desentendimento entre Fernandinha e Thaisa, a bola sequer passou da rede, dando às europeias o primeiro set point. Dani Lins voltou na hora e achou Jaqueline para explorar o bloqueio e evitar o pior. Sheilla, que tanto tinha falado das "ovas" na véspera, viu Shashkova acertar e, na sequência, cortou para fora: Rússia 26/24, 1 a 0 no jogo.
Sem baixar a cabeça, o Brasil manteve a vibração no início da segunda parcial. Na parada técnica, respirava com certo conforto: 8/5. E o alívio virou domínio em seguida, quando o placar pulou para 13/7. Com dois bloqueios implacáveis, foi a 16/9, maior vantagem de uma das equipes até então. Não foi fácil segurar a pressão, mas funcionou. Teve até lance em que a bola quicou na cabeça de uma distraída Gamova, àquela altura com "apenas" sete pontos. Assim o Brasil chegou ao famoso 24/19, placar que assombrou a seleção em Atenas, quando não conseguiu fechar o jogo contra as próprias russas nas semis. O fantasma deu uma piscada para o Brasil, e as rivais cortaram três pontos. Mas Thaisa virou e espantou o susto: 25/22, tudo igual na partida.
O terceiro set começou com um rali, e Jaqueline usou bem o bloqueio para colocar o Brasil à frente. O ritmo continuou bom, e quando Thaisa bloqueou para fazer 3/0, Fabi se pendurou nela para festejar. Na parada técnica, o placar era de 8/6, mas Zé Roberto não estava satisfeito: "Tem que ter paciência", pedia às meninas. Ele estava certo, porque a paciência não veio, e a Rússia virou para 13/11. Nem o pedido de tempo em seguida adiantou. A diferença chegou a três pontos na segunda parada: 16/13. Dali em diante, só deu elas. Com uma superioridade impressionante, o time de vermelho se impôs e, com um bloqueio duplo no fim, fechou o set em 25/19.
'O campeão voltou'
Veio o quarto set, e logo de cara um 3/0 para a Rússia. Quando fez o primeiro ponto, o Brasil vibrou, mas o risco de dizer adeus ao sonho do bicampeonato já dava as caras na Arena de Vôlei londrina. A vantagem chegou a 6/2 e obrigou Zé Roberto a parar o jogo. A torcida, que andava tímida, apoiou na tentativa de reação. E deu certo. O placar se equilibrou e, numa cortada furiosa de Thaisa, veio a virada para 9/8. Na segunda parada técnica, as brasileiras lideravam por dois. A diferença chegou a 19/16, evaporou em seguida, e voltou a ser de três. Thaisa ainda desperdiçou um saque na rede quanto teve o primeiro set point, mas o bloqueio de Fabiana e Garay fechou a tampa: 25/22. Àquela altura, a torcida no ginásio enchia os pulmões para gritar "O campeão voltou".
Mantendo a confiança lá no alto, o Brasil abriu o tie-break fazendo 2/0. As russas sentiram o golpe e chegaram a trombar na quadra, num erro bobo que jogou o placar para 4/2. Ainda era cedo para festejar, mas Zé Roberto puxava os gritos à beira da quadra, e a vantagem se arrastava magra, sofrida. Com Garay voando na ponta, um refresco: 10/7. Pouco depois, Garay acertou a pancada de novo, e a bola foi muito dentro, mas a arbitragem deu fora, para desespero do técnico brasileiro, que invadiu a quadra para reclamar. A tensão tirou o Brasil dos trilhos. O placar chegou a ficar igualado em 13/13, e a Rússia teve seis match points. As guerreiras de amarelo derrubaram um por um. E viraram. E festejaram. E fecharam um tie-break apertado, sofrido, dramático: 21/19. Festa na quadra, com direito a Zé Roberto dando peixinho no chão.
Se a estrada parecia meio torta, de repente se endireitou. E desde que a seleção chegou a Londres, o sonho do bicampeonato olímpico nunca esteve tão vivo.
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