Ouro, pedrarias e glitter: venda de bíblias de luxo faz empreendedoras faturarem até R$ 100 mil por mês
Modelos incrementados podem atingir valores extraordinários, dependendo do material utilizado e do esforço manual necessário
Thatianne Rodrigues começou o empreendimento após customizar a própria bíblia para economizar — Foto: Thatianne Rodrigues/ Arquivo Pessoal
O livro sagrado é o maior best-seller da história, com mais de 3,9 bilhões de exemplares vendidos no mundo. O g1 conversou com duas empreendedoras que encontraram um novo mercado: de quem quer um toque de luxo e exclusividade por meio da personalização.
Por Rafaela Zem, g1 13/04/2025
Empreendedoras faturam com personalização de Bíblias
Cantoneiras folheadas a ouro, pedrarias e glitter✨. A pastora e influenciadora digital Mariana Boettger tem 29 modelos diferentes da Bíblia Sagrada, com cores e decorações feitas para combinar com as roupas que usa nos cultos e conferências⛪.
"Uma bíblia para cada look. Se vou a uma conferência que dura três dias, por exemplo, levo três bíblias para combinar com minhas roupas. E não sou só eu: meu esposo e meus filhos também."
A pastora garante que as combinações passam longe da superficialidade. "Combinar é a cereja do bolo, mas o propósito é despertar o interesse das pessoas pelo livro sagrado. É uma porta de entrada para atrair a leitura".
Ela conta que a bíblia do dia é a última etapa do visual antes de ir à igreja. A combinação começa no closet, a partir das roupas e acessórios escolhidos, como bolsas e joias. A seleção é sempre feita com muito rigor.
"Quando descobrem que é uma bíblia, falam: 'Que incrível! Quero uma para mim'. É uma forma de inspirar e tirar aquela visão de que a mulher crente é aquela que só usa o cabelo até o quadril, não se arruma, não pode ter bons hábitos e não pode investir nela".
Mariana Boettger usa sua coleção de bíblias para fazer combinações — Foto: Mariana Boettger/ Arquivo Pessoal
A coleção de 29 bíblias de Mariana Boettger — Foto: Mariana Boettger/ Arquivo Pessoal
Empresárias customizam bíblias com Cantoneiras folheadas a ouro, pedrarias e glitter — Foto: Made in God/ Divulgação
Bíblia bolsa é um dos modelos mais confeccionados por Thatianne Rodrigues. — Foto: Bíblia de Luxo/ Thatianne Rodrigues
E, em alguns casos, o investimento é bem alto. Mariana, por exemplo, já pagou mais de R$ 2,5 mil em uma coleção de cinco bíblias que possuem textos no formato original — grego e aramaico.
🪙 Não é à toa que as bíblias decoradas, que dão um toque extra de luxo e exclusividade, se tornaram a principal fonte de renda para algumas famílias, que chegam a faturar mais de R$ 100 mil em um mês.
Modelos incrementados podem atingir valores extraordinários, dependendo do material utilizado e do esforço manual necessário. As customizações podem custar quase R$ 1 mil.
Há bíblias com valor histórico significativo. Em um leilão, a bíblia mais antiga e completa que existe no planeta foi arrematada por US$ 38 milhões (cerca de R$ 281,5 milhões). Escrita em hebraico, estima-se que ela tenha sido criada há cerca de 1.100 anos.
As bíblias personalizadas estão em outra categoria, em que há apenas o ganho estético ou um incremento ao conteúdo. Exemplos disso são as bíblias de estudo, que incluem notas explicativas, referências cruzadas, dicionários e até infográficos, tornando-as ferramentas valiosas para quem busca um entendimento mais profundo dos textos sagrados.
Stephanie Kichler é uma das pioneiras desse mercado, e mantém um e-commerce de bíblias de luxo personalizadas há mais de 10 anos. O investimento inicial foi zero — todos os pedidos são feitos sob encomenda —, e hoje ela vende bíblias para mais de 120 países, como Nova Zelândia e Japão
"Uma vez recebemos um único pedido de 200 bíblias só para o Japão, mas são vendas mais pontuais. Não são malotes gigantes e frequentes."
Por mês, Stephanie vende mais de 200 modelos, que custam de R$ 140 a R$ 700, mas que podem alcançar valores ainda maiores dependendo dos adereços escolhidos pelos clientes. Segundo ela, os modelos campeões são as bíblias com capas de couro e glitter
Thatianne Rodrigues também viu sua vida mudar com a personalização de bíblias. O negócio começou depois que ela customizou a própria bíblia para economizar.
A ideia chamou a atenção de outros fiéis da igreja que ela frequentava e hoje ela vende mais de 100 modelos por mês. Os preços variam entre R$ 100 e R$ 500, com os modelos com pedrarias e as bíblias bolsa, que têm alça, sendo as mais requisitadas pelas clientes.
Apesar de serem evangélicas, as duas empreendedoras também trabalham com modelos de outras denominações religiosas, como bíblias católicas e ortodoxas.
📖 O mercado das bíblias
➡️ A bíblia é um compilado de textos sagrados, divididos em livros de Gênesis a Apocalipse. Os católicos consideram 73 livros, os protestantes (evangélicos) 66, a Igreja Ortodoxa 78, e os judeus apenas 39, da parte conhecida pelos cristãos como Antigo Testamento.
O "livro sagrado" é o maior best-seller da história. Segundo estimativas da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB), mais de 3,9 bilhões de exemplares já foram vendidos ao redor do mundo.
O último Relatório de Distribuição de Escrituras, com ano base de 2022, mostrou que o Brasil lidera o ranking de consumidores:
• Brasil: 3,2 milhões;
• Índia: 2,6 milhões;
• China: 1,9 milhões;
• Nigéria: 1,4 milhões;
• EUA: 1 milhão.
A expectativa das empreendedoras é que, com a personalização e transformação desse instrumento religioso, seja como acessório ou presente, as vendas impulsionem ainda mais.
A bíblia, em sua forma original, é de domínio público. Isso significa que qualquer pessoa pode traduzi-la e até adicionar reflexões para vendê-la, mas há algumas restrições.
• 📌 A tradução precisa manter o sentido original, mas pode ser adaptada para a linguagem contemporânea e usada por diferentes públicos.
A SBB, que é a maior distribuidora do país, faz bíblias em várias versões que tornam o livro mais atraente e acessível para os leitores. No catálogo, há bíblias em braile e até em tupi-guarani.
Além disso, alguns livros vêm com reflexões direcionadas para públicos específicos, como mulheres, jovens e detentos.
Apesar de a estética não ser o foco da SBB, o próprio diretor da distribuidora, Erni Sei-bert, afirma: "A personalização pode tornar esse item sagrado mais atraente, eliminando obstáculos e incentivando a leitura. Esse é o objetivo".
💣 As polêmicas
Stephanie e Thatianne não precisam de autorização para vender bíblias, pois a personalização que elas fazem é apenas estética. Mas isso não as livra de comentários bastante negativos sobre seus trabalhos.
As duas empreendedoras dependem da internet para as vendas, o que demanda forte presença nas redes sociais. Por lá, chegam críticas sobre o excesso de brilho e à transformação do livro sagrado em um produto.
💭 Mas a prática de personalizar bíblias é errada? Para o diretor da Sociedade Bíblica, não, já que o objetivo primordial é levar a leitura do texto sagrado às pessoas.
Seibert, da SBB, acredita que é incorreto dizer que existe um "mercado de bíblias” e minimizar esse item sagrado como um produto comercial. No entanto, ele pontua que "algumas pessoas agregam valor e lucram com isso" — caso de Thatianne e Stephanie.
"A capa da bíblia, historicamente, não tem valor nenhum. O valor está no conteúdo, mas a capa mostra o valor que eu dou para a bíblia", diz ele.
Sobre as polêmicas que envolvem o tema, Thatianne afirma: "As críticas não me afetam. Inclusive, há quem diga: ‘se o ladrão roubar achando que é uma bolsa, pelo menos vai ser evangelizado’".
Já Stephanie defende que a personalização é mais do que apenas um negócio lucrativo: "Somos um ministério que foi levantado para alcançar as pessoas que poderiam não ter interesse em ler as bíblias tradicionais, mas que se sentiram motivadas por meio das nossas capas."
✨ Como surgiu a personalização
Tanto Stephanie quanto Thatianne oferecem um serviço personalizado, bordando nomes e outras palavras nas capas das bíblias, além de combinar diferentes materiais e cores🧵. Para elas, esse é um dos motivos pelo qual as bíblias personalizadas têm feito tanto sucesso.
"Há uma passagem que diz que Deus nos chama pelo nome. Ver o seu nome ali na capa, desperta o desejo de abrir e ler", explica Stephanie sobre a ideia de bordar nomes nas capas.
A empresária de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, começou o negócio religioso em um dos cômodos da sua casa. Hoje, com o crescimento da loja, ela decidiu se mudar e dedicar a casa exclusivamente à produção de bíblias.
A "Made in God", nome do empreendimento, emprega 10 pessoas. Para atender às centenas de pedidos que chegam de todo o mundo, Stephanie também precisou investir em infraestrutura, como máquinas de corte a laser👨🔧, e investir em um pequeno estoque.
Cada bíblia demora cerca de 15 dias para ser confeccionada. A tarefa que mais exige tempo, segundo ela, é a restauração de bíblias antigas: "São pessoas que têm um carinho especial por aquele objeto, que pode ter pertencido a um ente querido. Dá até para colocar foto."
Já Thatianne, empresária de Fortaleza, ainda concilia a moradia com os negócios. Ela separou dois cômodos da casa para a confecção das bíblias, sendo que um deles é dedicado à recepção de clientes.
A empresária vende cerca de 100 bíblias por mês, tudo feito por encomenda, mas seu desejo é expandir ainda mais. "Meu sonho é abrir uma loja física, mas antes de tudo, passar de MEI para ME e contratar mais pessoas para atender um número maior de clientes."
A customização das bíblias surgiu de forma natural para ambas. Nenhuma das duas havia planejado abrir seus empreendimentos, que hoje rendem lucros acima dos seis dígitos.
O pai de Stephanie era sapateiro e, após se converter à denominação evangélica, decidiu usar suas habilidades para decorar uma bíblia e presentear a pastora da igreja. Isso chamou a atenção da comunidade e a família começou a receber encomendas.
O verdadeiro impulso nos negócios veio quando ele postou um vídeo entregando uma bíblia personalizada para Ana Paula Valadão, uma das principais vozes da música evangélica. O vídeo viralizou, e as encomendas dispararam.
"Eu não sabia como fazer, sem capital de giro e sem recursos, porque já vínhamos de uma empresa que quebrou. A gente vendia uma bíblia, comprava os insumos para fazer outra e repassava", conta a empreendedora.
"Os primeiros modelos de bíblias eram mais simples, feitos à base de glitter e pedraria. Hoje, elas estão mais bem trabalhadas e até incluem peças folheadas a ouro" completa.
Stephanie também vende marcadores, estojos para bíblias e acessórios que completam o momento devocional, além de itens de decoração com significados religiosos.
Já Thatianne, dona do empreendimento "Bíblia de Luxo", se tornou artesã e empresária acidentalmente após customizar sua própria bíblia para economizar.
"Fiz o orçamento em outro lugar, mas o valor era alto para mim. Comprei o material necessário e fiz a minha. Quando usei na igreja, foi um sucesso. Todo mundo queria uma."
"Investimento zero, apenas fé e coragem. Eu tinha um cartão de crédito, comprava a bíblia e o material, customizava e repassava para o cliente. Assim era o capital de giro", lembra.
https://g1.globo.com/empreendedorismo/noticia/2025/04/13/ouro-pedrarias-e-glitter-venda-de-biblias-de-luxo-faz-empreendedoras-faturarem.ghtml
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