Dono do tradicional restaurante Caravelle é lenda viva aos 90 anos, veja

A casa espelha o espírito camarada do dono desde a década de 1960

Oscar Vitor de Holanda fundou a casa no bairro Vila União nos anos 1960 e recepciona os clientes todos os dias.

Escrito por Diego Barbosa 24 de Outubro de 2025 

Atenção, vereadores de Fortaleza: o homem segue vivíssimo. Não divulguem o contrário, por favor. Aos 90 anos, completos no último 27 de setembro, Oscar Vitor de Holanda faz história por fundar e continuar à frente do restaurante Caravelle, um dos mais emblemáticos da Capital.

A casa espelha o espírito camarada do dono desde a década de 1960, quando abriu as portas no Vila União e cravou personalidade única no bairro.

Chapéu marrom e óculos escuros, à la Patativa do Assaré, seu Oscar está na casa de domingo a domingo, em sintonia com o funcionamento do negócio. Não só gosta de estar presente como faria falta se não estivesse. Prova disso são as centenas de clientes que, faça chuva ou faça sol, lotam o espaço e sempre cumprimentam o carismático senhor.

“Aqui tem muita fartura, muita amizade. É uma casa abençoada”, vibra, voz bastante firme. Ele conta e o observador mais básico testemunha: uma das marcas do local é o clima familiar, capaz de congregar diferentes públicos e idades à mesa para saborear pratos que entraram para o paladar fortalezense – do churrasco ao filé passando pela clássica parmegiana, uma das pérolas mais cobiçadas do cardápio. 

Segundo o patriarca, esse DNA capaz de congregar sabor e camaradagem acompanha o restaurante desde o começo, e espelha a própria trajetória do proprietário. Natural do distrito de Furnas, em Aracoiaba – distante 73 quilômetros da Capital – seu Oscar veio para Fortaleza “rapazinho muito novo”, no fim da década de 1940.

Aqui, longe “do mato, da brenha e da caatinga”, comprava ovos e vendia fumo, a fim de manter o próprio sustento. Mediante intenso trabalho e dedicação, com o tempo comprou um terreno na esquina da Avenida Luciano Carneiro, e ali abriu um bar. 

“Era muito prestigiado. Tinha frequência boa, muita gente vinha”. Lembra das cadeiras de plástico e da lona improvisada à época, em contraste com a realidade de agora. O panorama atual da casa, por sinal, deve-se muito à própria organização territorial de Fortaleza, tendo em vista que o antigo aeroporto da Capital ficava próximo ao restaurante.

A posição quase estratégica do empreendimento favorecia que, ao buscar ou deixar parentes e amigos nas viagens, pessoas passassem na casa para comer. Resultado: pouco a pouco, a clientela não apenas aumentou, como também fidelizou o espaço como um dos preferidos.

E assim o Caravelle – nome em alusão ao avião comercial a jato francês, o primeiro do mundo projetado para voos de curto e médio alcance – cresceu e apareceu.

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Tão logo o negócio tornou-se ponto de encontro, seu Oscar mudou também: viu a necessidade de o empreendimento refletir o alcance que tomava. Foi como promoveu transformações estruturais e culturais no recinto e imprimiu nele a própria assinatura.

Um investimento importante para se consolidar no mercado é a programação cultural do restaurante. Durante alguns anos, o Caravelle promoveu generosa temporada de shows, com a presença de artistas do calibre de Agnaldo Timóteo, Moacyr Franco, Vanusa e José Augusto.

“Tenho muito orgulho disso porque foi resultado de um trabalho feito de dia e de noite”, comemora seu Oscar, que seguiu atrelado à cultura, embora de outro modo.

Agora, artistas da própria terra se apresentam no estabelecimento nas noites de quinta, sexta e sábado, e um piano de média cauda, posicionado em lugar privilegiado no ambiente, é tocado durante os almoços de sábado e domingo, para fascínio geral do público.

“Se fosse pra começar tudo de novo, eu ainda queria. Lembro do começo, quando criei um churrasquinho misto, e era gostoso. Pegava filé, leitão, linguiça, e colocava no palito com uma rodela de cebola e um pimentão. Saía demais. Fico feliz em saber que, de algo tão pequeno, conseguimos construir isso ao lado de nossos amigos”.

1 - Legenda: Seu Oscar Vitor de Holanda vai todos os dias ao Caravelle, onde fica disponível para conversar. Foto: Thiago Gadelha.

2 - Legenda: Desde o começo, seu Oscar de Holanda quis que o Caravelle fosse um restaurante familiar. Foto: Thiago Gadelha.

3 - Legenda: Self-service do Caravelle é um dos pontos altos da casa. Foto: Thiago Gadelha.

4 - Legenda: Piano de média causa do Caravelle é tocado aos sábados e domingos durante o almoço. Foto: Thiago Gadelha.

Com o tempo, o salão encompridou, o serviço de self-service também, e além do restaurante em si, há ainda a pizzaria e a lanchonete do Caravelle, tudo funcionando no mesmo endereço.

“Foi muito difícil e, quem não me conhece, quando eu começar a contar a história, vai dizer ‘ô véi mentiroso do diabo’. Mas deu certo, estamos aqui”, gargalha.

O segredo para chegar aos 90 anos

Tão esperto quanto lúcido – cuja prole de 11 filhos multiplicou em 10 netos e três bisnetos –  seu Oscar é direto quanto ao segredo para chegar aos 90 anos: “Não morrer”, ri. 

“Na verdade, nem sei. Minha mulher dizia que eu era de ferro porque fui alcoólatra e fumava três carteiras de cigarro por dia. Deixei de fumar e beber por causa dela. Faz mais de 30 anos. Sinto que tenho uma grande resistência orgânica”.

Quando assim fala, mostra dois broches nos quais guarda tesouros: em um, a fotografia do rosto da esposa, dona Irismar, falecida em janeiro do ano passado; em outro, o casal lado a lado. Deve ser para nunca esquecer que do amor vem e para ele sempre irá. 

“Não tenho doença nenhuma. Tive um probleminha renal, mas parece que está curado. Quando vou ao médico e ele vê meus exames, diz, ‘ah quem me dera, chegar aos 90 com essa saúde’. Me sinto muito vivo”. Tão vivo que um dos sonhos é, de fato, chegar ao centenário.

E, claro, cada vez mais desfrutar do merecido descanso e conforto após tempos e tempos de entrega e luta ao legado que construiu. O Caravelle, resplandecente sob o sol, a lua e o bem-querer de toda uma cidade e além. “Sou um homem muito feliz”.

Serviço

Restaurante Caravelle

Endereço: Avenida Luciano Carneiro, 1936 - Vila União. Funcionamento: diariamente, de 11h30 às 14h30; de quinta a domingo, até às 23h. 

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