Cem artesãs do Trairi lançam coleção de roupas em renda de bilro

Entre as peças desenvolvidas nesse período, estão kimonos, vestidos, blusas e camisetas

Escrito por Roberta Souza

Os trabalhos serão disponibilizados neste domingo (4), por meio das redes sociais do Projeto Olê Rendeiras

A Mestra Raimundinha, 70 anos, é uma referência entre as rendeiras do Trairi

Foto: Jamille Queiroz

Maria Ivone Moreira Braga aprendeu a fazer renda de bilro como a maioria das cearenses que acompanham a mãe nesse ofício artesanal: só olhando. Dona Liduina não tinha muita paciência para explicar a técnica, mas a filha, com apenas seis anos, já sabia o que estava fazendo: tramando o próprio futuro. Hoje, aos 30, ela integra o grupo de mais de 100 artesãs da região do Trairi que lançará uma coleção de roupas em parceria com o Projeto Olê Rendeiras. Neste domingo (4), serão apresentados virtualmente os 12 modelos criados e algumas das suas variações de cores, que podem chegar a 40. Haverá, ainda, uma live a partir das 14 horas. 

“Até me emociono por ver as peças dando certo, porque foi um desafio muito grande”, relata Ivone, engajada nessa produção há um ano. Em setembro de 2019, ela teve o primeiro contato com Celina Hissa, diretora criativa da Catarina Mina. A marca fortalezense foi convidada pela empresa de energias renováveis QAIR a desenvolver um trabalho com as mulheres do Trairi, onde tinha acabado de se fixar. Assim nasceu a parceria.

 “Nossa ideia é pensar design das peças, mas não parar por aí! Pensamos estratégias de branding, identidade visual, naming, metodologias de trabalho em grupo, táticas de venda e tudo que possa ser importante para que as mulheres e artesãs daquela região se estabeleçam como um grupo forte, que seus produtos sejam fonte de renda e tenham redes ativas de comercialização”, contextualiza Celina. O projeto contempla, atualmente, nove comunidades e pretende abraçar 14. 

As trocas semanais, ao longo desses 12 meses, permitiram um aprendizado mútuo. “Primeiro foi preciso aprender sobre a renda de bilro, aprender a “picotar” o papelão, fazer os desenhos para que pudéssemos criar junto com elas. Nesse processo de troca, descobrimos novos pontos, novas ideias. Muita coisa funcionou, muita coisa não. Criação é isso: teste”, descreve Celina Hissa.

Coleção

Entre as peças desenvolvidas nesse período, estão kimonos, vestidos, blusas e camisetas. O tempo dedicado a cada uma varia de acordo com o tamanho. No caso do kimono, por exemplo, cada modelo tem 16 tiras trabalhadas no ponto traça. A rendeira pode levar até 22h para concluir uma tira grande e 10h para uma mais curta, totalizando 256h de dedicação manual.

“Fazer a renda é um trabalho físico, mental, espiritual, emocional e intelectual”, defende a Mestra da Cultura Raimundinha, 70 anos, uma das referências para as rendeiras do Trairi, por sua longa trajetória dedicada a esse ofício. Ela recebeu o título de Mestra pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, em 2011, e foi contemplada, em 2016, com o diploma de Notório Saber pela Universidade Estadual do Ceará.

No Projeto Olê Rendeiras, colaborou com alguns modelos iniciais, além de ministrar oficinas para as envolvidas. Ivone foi uma das que recebeu a formação. “A Mestra Raimundinha ensina a tirar os bilros com perfeição, não é todo mundo que sabe”, analisa.

Neste primeiro momento de lançamento da coleção, que ficará disponível no site da Catarina Mina, as vendas acontecerão sob encomenda, e o prazo médio de entrega será de 45 dias. A estratégia permite que o tempo de trabalho das rendeiras seja respeitado, combinando o prazo com a complexidade do fazer. Além disso, garante que a matéria-prima seja calculada, sem a necessidade de custos para manter um estoque. 

De acordo com Celina Hissa, 60% do valor de cada peça será para a artesã e linhas, os outros 40% são designados a logística de envio, impostos, despesas com cartões de crédito e demais valores que cobrem a operação do e-shop.

Outra novidade do projeto é um canal de conexão e venda, na qual o consumidor terá acesso não só ao nome da artesã que fez sua peça, mas de onde ela é, por meio de um QR code que irá direcioná-lo a uma foto e uma mini biografia da rendeira. “É uma iniciativa que visa a transparência e uma cadeia de moda cada vez mais sustentável”, opina Celina. O objetivo principal é que essas mulheres sigam com independência e autonomia.

Nesse cenário, a satisfação maior de rendeiras como Ivone é ver alguém usando uma roupa desenvolvida por ela. “Eu quero que minhas peças cheguem lá em Paris e digam: ‘essa foi a Ivone quem fez’. É muito bom pra gente saber que nosso trabalho hoje tá sendo valorizado, que as pessoas reconheçam um trabalho feito à mão, bem detalhado”, conclui, na expectativa pelo retorno da coleção.

Serviço

Lançamento da coleção Olê Rendeiras. Neste domingo, 4/10, nas redes sociais @olerendeiras, @catarinamina, @qairbrasil e no site: www.catarinamina.com. Haverá, ainda, uma live, a partir das 14 horas, com a participação da rendeira Maria Ivone Braga, direto de Trairi, por meio do Instagram da Catarina Mina + Olê rendeiras.  

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