Influenciadores presos suspeitos de deformar pacientes diluíam medicamentos para aplicar em clientes e aumentar lucro, diz polícia
Mais de 60 pessoas denunciaram o casal à Polícia Civil, que investiga o caso.
Karine Gouveia e Paulo César, casal investigado pela Polícia Civil, Goiás — Foto: Reprodução/Redes Sociais
Por Bárbara Ferreira, g1 Goiás - 19/01/2025
Produtos adulterados e cirurgias até seis vezes mais baratas que o valor de mercado aumentavam a margem de lucro da clínica. Mais de 60 pessoas denunciaram o casal à Polícia Civil, que investiga o caso.
Os influenciadores Karine Gouveia e Paulo César Dias, presos suspeitos de deformar pacientes em clínica de estética em Goiânia, diluíam medicamentos para conseguir aplicar em mais clientes e aumentar a margem lucro. A informação foi confirmada pelo superintendente da Polícia Científica de Goiás, Ricardo Matos, durante entrevista ao Fantástico. Mais de 60 pessoas já denunciaram o estabelecimento.
“Eles vinham produzindo, adulterando, diluindo esses medicamentos para aplicação nos pacientes”, afirmou ao Fantástico.
A Polícia Civil divulgou que a clínica cobrava até seis vezes menos que o valor de mercado. Em depoimento à polícia, um dentista, que era um dos responsáveis técnicos pelo local e que realizava alguns do procedimentos, afirmou que a clínica cobrava R$ 5 mil para uma cirurgia de nariz. No mercado, um cirurgião-plástico cobra uma média de R$ 30 mil pelo procedimento, informou a polícia.
Ele ainda afirmou que aprendeu os procedimentos na prática, desde que começou a trabalhar no local e já ter realizado até oito procedimentos num único dia. Segundo a PC, o dentista relatou que o baixo custo dos procedimentos gerava uma alta demanda por atendimento. “Ele revelou que havia agendamentos com intervalos menores que uma hora, totalmente insuficientes para procedimentos cirúrgicos”, diz texto enviado pelo delegado Daniel Oliveira.
O casal, dono da clínica, foi preso no dia 18 de dezembro em uma operação policial que investiga a realização de procedimentos estéticos e cirúrgicos que causaram danos físicos e psicológicos a pacientes (veja nota da defesa no fim do texto). Na última sexta-feira (17), os dois tiveram a prisão prorrogada por 30 dias pela Justiça de Goiás.
Na última nota enviada ao g1, a defesa do casal, representada pelos advogados Romero Ferraz Filho, Tito Souza do Amaral e Caio Victor Lopes, disse que discorda da decisão e que vai recorrer. Eles afirmam que ainda que não há motivos para a prorrogação e que os dois "podem responder às acusações em liberdade sem qualquer prejuízo para o processo".
Ao longo da investigação, eles ainda disseram que o casal "nunca teve a intenção de praticar qualquer crime" (veja o posicionamento completo ao fim da reportagem). O g1 solicitou nova nota para a defesa, questionando sobre a adulteração de medicamentos, mas não obteve resposta até a última atualização deste texto.
'Sentia tirar a cartilagem:' Paciente relata erros e sequelas após procedimento estético em clínica investigada por deformar clientes
Relatos de pacientes
Pacientes da clínica de Goiânia relataram erros e sequelas que sofreram após realizar procedimentos estéticos no local. Em entrevista ao Fantástico, o empresário Marcelo Santos deu detalhes sobre a realização do procedimento: “Fizeram raspagem e eu sentindo, acordado. Senti tirar pele, senti tirar cartilagem, senti raspar o osso”.
O empresário contou ao Fantástico que fez um procedimento para reduzir o tamanho do nariz. No entanto, a cirurgia não deu certo e ele chegou a fazer um segundo procedimento na mesma clínica para corrigir o erro. Além dos danos estéticos, o empresário disse que precisa de outros tratamentos de saúde para superar o trauma: “Eu não consigo dormir direito. Tive problemas mais fortes, depressão, ansiedade”.
“Hoje, para eu fazer minha cirurgia de correção, vai custar em torno de R$ 60 mil. Eu não tenho condições”, afirmou Marcelo.
A psicóloga Vânia Ribeiro também passou por procedimentos que não deram certo na Clínica Karine Gouveia. Ela investiu quase R$ 20 mil em uma harmonização facial, que incluía intervenções nas pálpebras inferiores, no "bigode chinês" (linhas de expressão que ficam entre o nariz e boca), nos lábios e no ângulo da mandíbula.
No entanto, ao invés de aplicarem ácido hialurônico conforme combinado com a psicóloga, ela recebeu óleo industrial no rosto. Exames realizados pela Polícia Científica de Goiás comprovaram a verdadeira composição do produto.
“Eu fiquei muito desesperada. Eu furei minhas pálpebras inferiores e apertei bastante para ver se o produto saía”, contou a psicóloga.
Uma outra paciente da clínica, que não quis se identificar, relatou ao Fantástico que pagou cerca de R$ 4,5 mil para realizar uma lipo de papada, e agora precisa conviver com cicatrizes e dor. “Quando eu olho no espelho, eu levo um choque. Movimentar o pescoço de um lado para o outro, repuxa. Para mim, abaixar, dói. Então, é doloroso até hoje”, afirmou a mulher.
Imagens mostram lesões de paciente que fez lipo de papada, em Goiânia, Goiás — Foto: Reprodução/TV Anhanguera
Esquerda - vítima de procedimento feito em clínica da influenciados | Direita - Karine Gouveira e Paulo César — Foto: Reprodução/Redes Sociais
Imagens mostram momento em que Karine Gouveia é presa e itens são apreendidos na casa dela, em Goiânia, Goiás — Foto: Reprodução/TV Anhanguera
Vítimas de necrose após procedimentos estéticos em clínica da empresária Karine Gouveia, em Goiânia, Goiás — Foto: Divulgação/Polícia Civil
Imagens mostram ferimentos em vítimas de procedimentos, Goiás — Foto: Reprodução/TV Anhanguera
Investigação
O delegado Daniel Oliveira afirmou que a investigação teve início em abril de 2024 após a primeira denúncia de uma paciente. Mais de 60 pessoas já procuraram a polícia para relatar sequelas e erros cometidos na Clínica Karine Gouveia. Há casos graves, como uma vítima que precisou ser entubada após sofrer a necrose no nariz; imagens são fortes (veja abaixo).
"Há vítimas que estão na fila do SUS para reparar os erros desses procedimentos. Além dessas lesões, que elas sofriam, a gente identificou que a presença de substâncias como PMMA e silicone, em procedimentos que só poderiam ser realizados por médicos cirurgiões plásticos", afirmou o delegado.
O casal é investigado pelos crimes de organização criminosa, lesão corporal gravíssima e estelionato. Os envolvidos tiveram as contas bancárias, bens e valores bloqueados. No total, são R$ 2,5 milhões apreendidos e um helicóptero avaliado em R$ 8 milhões. Karine Gouveia e o marido Paulo Cesar Dias Gonçalves foram presos no dia 14 de dezembro de 2024 e seguem detidos.
A dona da clínica não tem formação na área da saúde e o marido cuidava da parte administrativa do negócio. A polícia informou que a clínica atraía clientes com preços abaixo do mercado, por meio de um forte trabalho nas redes sociais, que contava até com a colaboração de famosos.
“Eu vi a repercussão que tinha clínica, as postagens, a quantidade de famosos, a quantidade de seguidores, a quantidade de pessoas elogiando... O valor foi interessante, mas o fundamental foi a extrema credibilidade que as postagens dela passavam", afirmou o empresário Marcelo Santos.
Procedimentos estéticos
A polícia informou que os procedimentos eram realizados sem condições adequadas. Os profissionais não tinham habilitação necessária para o manejo das substâncias usadas, e as instalações da clínica apresentavam problemas, como falta de esterilização e uso de bisturis cegos, mostrou a investigação.
As duas unidades da clínica em Goiânia e Anápolis foram fechadas pela Vigilância Sanitária em dezembro de 2024. Daniel Oliveira disse que os fiscais documentaram pelo menos 18 irregularidades durante as inspeções. A unidade de Anápolis sequer possuía alvará de licença sanitária e projeto arquitetônico aprovado pelo órgão sanitário competente para funcionar, apontou a PC.
Nota da defesa de Karine e Paulo César:
"Os advogados dos investigados Karine Gouveia e Paulo César, Romero Ferraz Filho, Tito Souza do Amaral e Caio Victor Lopes Tito, respectivamente, informam:
• Karine Gouveia e Paulo César nunca tiveram a intenção de praticar qualquer crime. Quanto ao número crescente de pessoas que têm se manifestado, os investigados respeitam profundamente, mas é necessário analisar cada caso individualmente. Por exemplo, há pessoas que não seguiram as recomendações pós-procedimento, portanto, as consequências disso não se devem ao procedimento em si. Por isso, é essencial entender cada caso de forma isolada. A defesa alerta para a importância de se realizar perícias em cada caso, o que ainda não foi feito, com a participação de todas as partes envolvidas, incluindo os conselhos responsáveis, para garantir que todas as questões técnicas sejam devidamente validadas.
• Sobre os procedimentos estéticos realizados na clínica, todos os pacientes sempre foram tratados com profundo respeito e cuidado. A defesa e os investigados acreditam que todos os fatos serão devidamente esclarecidos, inclusive - mas não se limitando - aos procedimentos realizados em 2017, que só agora estão vindo a público. É necessário compreender o que ocorreu nesse intervalo de tempo. Esse entendimento é tanto um direito quanto um dever dos empresários, diante dos 8 anos de atuação no mercado e dos mais de 30 mil procedimentos realizados. Vale ressaltar ainda que os empresários investiram milhões na construção da clínica, que conta com uma estrutura de 300 metros quadrados e uma equipe de 30 funcionários. A clínica sempre tratou com seriedade as questões de insatisfação dos pacientes, buscando resolvê-las com respeito e urgência.
• Sobre a clínica de Goiânia e o alvará de funcionamento da clínica de Anápolis, em razão das prisões e das apreensões de documentos, a defesa não tem condições de fazer qualquer afirmação quanto aos alvarás, dada a dificuldade de confirmação das informações. Mas ressalta que todas essas questões administrativas serão regularizadas, como sempre são, ao seu tempo e ordem, conforme determinado pela vigilância.
• Sobre a formação da Karine, a defesa esclarece que ela é empresária e nunca disse ser biomédica, assim como jamais executou qualquer procedimento na clínica. Esse áudio divulgado pela autoridade policial, violando o processo que corre em sigilo de Justiça, não condiz com a voz de Karine, o que qualquer perícia pode comprovar, se for verídico e íntegro.
• A defesa manifesta ainda que o que está acontecendo com a Karine e o Paulo César, para além de ser uma prisão absolutamente ilegal, a acusação da execração e condenação pública contra pessoas ainda em fase de investigação, sem ainda qualquer comprovação de culpa, para constranger o Poder Judiciário a enfrentar a ilegalidade, tal qual aconteceu com a Escola Base de São Paulo, quando uma denúncia de um suposto abuso sexual mudaria para sempre os rumos dos donos da escola, a partir da condenação pública por depoimentos sem fundamentação e comprovação.
• O uso irresponsável da forca da autoridade policial em um processo que corre em segredo de justiça, tem instigado e inflamado tal conduta por parte da sociedade com a divulgação de possíveis indícios, mas todas eles, sem qualquer perícia comprovada. Os casos dos quais a defesa tem conhecimento aconteceram em 2017, no início da operação de clínica, há 8 anos. E injusto tirar o direito de defesa de qualquer cidadão. É um absurdo que haja uma condenação, antes mesmo de haver uma investigação que precisa de todos os fatos periciados e comprovados.
• Sobre a prorrogação da prisão preventiva, os advogados dos empresários Karine Gouveia e Paulo Cesar Dias Gonçalves, Dr. Romero Ferraz, Dr. Tito Amaral e dr. Caio Tito, respectivamente, discordam absolutamente, e irão recorrer. A defesa esclarece que não há qualquer motivação para a manutenção da prisão, uma vez que não há demonstração da sua necessidade para as investigações e que ambos podem responder às acusações em liberdade sem qualquer prejuízo para o processo. Importante lembrar que o casal possui um filho de 7 anos que está afastado dos pais há um mês. Inclusive, o STF reconhece que esse tipo de prisão, para constranger investigados e pressioná-los a renunciar aos seus direitos constitucionais, é inconstitucional."
https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2025/01/19/influenciadores-presos-suspeitos-de-deformar-pacientes-diluiam-medicamentos-para-aplicar-em-clientes-e-aumentar-lucro-diz-policia.ghtml
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