Elas são jovens, sem filhos e laqueadas

Jovens sem filhos contam como realizaram o sonho da esterilização voluntária

Por Bruna Liu, redação Marie Claire — São Paulo

Jovens optam pela laqueadura por não quererem ser mães — Foto: Reprodução/ Instagram

Elas são jovens, sem filhos e laqueadas: 'Não dormia direito quando minha menstruação atrasava'

Depois que a lei que facilita a laqueadura entrou em vigor, deixou de ser necessário o consentimento do cônjuge para a realização da cirurgia. A Marie Claire, jovens sem filhos contam como realizaram o sonho da esterilização voluntária: 'Completamente feliz e realizada do jeito que levo minha vida'

“Não tenho esse viés materno”, é o que afirma Mariany Santana. A jovem de 23 anos tem a certeza de não querer ser mãe desde que começou a ter noção da maternidade, aos 11 anos. Mesmo sem iniciar sua vida sexual, estava certa de que não queria engravidar jamais. Então, quando a lei que facilita a laqueadura entrou em vigor neste ano, ela não pensou duas vezes e passou pelo procedimento, que impede de forma definitiva que a mulher tenha filhos.

“Eu já estava acompanhando o processo de transição da lei e a partir do momento que foi aprovada, comecei a procurar um médico que fizesse cirurgia em mulheres sem filhos”, explicou a blogueira em entrevista com Marie Claire.

A Lei 14.443/2022 passou a valer em março de 2023, garantindo que as mulheres realizassem o procedimento contraceptivo a partir dos 21 anos. Antes, só era permitido aos 25. Além disso, deixou de ser necessário o consentimento do cônjuge para a realização da cirurgia.

Uma semana depois da lei vigorar, Mariany marcou uma consulta em uma clínica particular e, no mês de maio, realizou sua cirurgia. “Na noite anterior, eu não conseguia dormir de tanta felicidade, é muita emoção”.

A piauiense pediu para o profissional “tirar todas as trompas, as mostrasse a ela e que colocasse Implanon (chip anticoncepcional) como uma garantia a mais para não gestar nunca”. “Consigo lembrar exatamente o que eu senti quando o médico me mostrou as trompas. Fiquei tão feliz que comecei a chorar e é uma memória muito gostosa para mim porque me dá paz na maior tranquilidade no coração, sabe?”

Sua ideia era entrar em um relacionamento só depois de ter realizado a laqueadura, porque tem vontade de casar. “Estava disposta a esperar até os 25 anos de acordo com a antiga lei. Aconteceu que eu comecei a namorar antes, mas logo em seguida a lei mudou e tudo veio a calhar. Ainda sou virgem e já sou laqueada. Então quando começar minha vida sexual estarei muito mais tranquila”.

“Hoje estou muito realizada, as pessoas falam muito sobre arrependimento por conta da idade, mas eu acredito que isso não existe quando você faz uma coisa com total convicção”.

A carioca Aline Siqueira, por sua vez, decidiu realizar a laqueadura quando começou a ter uma vida sexual ativa. “Pensei ‘eu preciso me prevenir, se precaver porque a última coisa que eu quero é ser mãe. Eu já sabia que não era só um pensamento de uma jovem de 16 anos que obviamente não estava pronta para ter filhos, era uma decisão pra vida”.

“Foi realmente algo natural, nunca imaginei ser mãe, tendo uma rotina como uma. O mundo tem mais de 7 bilhões de pessoas, já estamos com uma super população e já é nítido o quanto isso é ruim para o meio ambiente entre tantas outras coisas”, diz ela.

Sua cirurgia aconteceu em junho deste ano, aos 26 anos, em uma clínica particular. “O processo foi muito rápido, eu entrei em contato com a clínica, conversei com a pessoa responsável pelas cirurgias de laqueadura, ela só me perguntou se eu estava certa disso por ser uma cirurgia sem reversão. Eu dei certeza e foi tudo muito rápido, só demorou alguns dias porque eu entrei de férias para me recuperar”.

+ 5 pontos que mostram a urgência de descriminalizar o aborto no Brasil

Aline contou com o apoio da irmã, que esteve ao seu lado “em todos os momentos”: “Ela ficou assustada quando conversei sobre, por ser algo irreversível, mas entendeu”. Seu esposo também foi a favor na decisão, porém o casal conversou bastante até entrarem no consenso de que seria a melhor escolha.

Apesar disso, a jovem chegou a receber comentários como “você nunca vai conhecer o amor verdadeiro” vindo de terceiros. “As pessoas são tão desinformadas que chegaram a perguntar se eu operei clandestinamente. Ouvi comentários dizendo que eu ‘sou muito nova, vou me arrepender disso’”.

“As críticas nunca me abalam, de verdade. Porque essa é uma decisão 100% minha, ninguém vai sentir o que eu sentiria se eu descobrisse uma gravidez, essa criança seria uma responsabilidade totalmente minha e não de quem está criticando. Eu me sinto uma pessoa completamente feliz e realizada do jeito que sou e do jeito que levo minha vida.”

Laqueadura no SUS

De 2019 a 2022, foram realizados 324.272 procedimentos de laqueadura no SUS, segundo dados levantados pelo Ministério da Saúde. No caso de mulheres sem filhos ou com o status não informado, o número de laqueaduras praticamente dobrou nos últimos quatro anos: em 2019, foram 653 cirurgias. Em 2022, o número saltou para 1.241.

Esse é o caso de Franciele Diniz, que desde a adolescência já estava decidida a não ser mãe. A maranhense, no entanto, acabou engravidando de um ex-namorado quando tinha 18 anos. “Tive um aborto espontâneo, e eu nem sabia que estava grávida, meu corpo não demonstrou alteração nenhuma”, explicou ela.

“Sempre tive muita paranoia quando tinha uma relação sexual, às vezes ficava sem comer e não dormia direito quando minha menstruação atrasava. Eu odiava usar anticoncepcional e sei que a longo prazo os efeitos são irreversíveis para o corpo da mulher. Minha mãe não queria que eu fizesse a laqueadura, dizia que só a camisinha resolvia, mas eu nunca achei o suficiente por não ser 100% eficaz”.

+ Jovem que viralizou ao fazer laqueadura com 22 anos celebra decisão: 'Viva a liberdade de escolha'

Aos 26 anos, Franciele foi atrás da sua tão sonhada laqueadura, que aconteceu no fim do mês passado pelo SUS. “Vim na maternidade mais próxima daqui de casa. Tive que assinar um termo e autenticar no cartório. A médica não me questionou tanto como normalmente acontece, mas muitos ficaram surpresos porque sou tão nova e quero fazer laqueadura definitiva”.

Quanto às críticas de seu próprio pai, ela diz que não liga. “Estou com esses planos a tanto tempo que ninguém iria tirar ou fazer eu mudar de ideia. Tenho medo de criança, talvez seja o trauma que eu passei. Eu senti nojo do meu corpo, eu me sentia suja, eu sentia náuseas quando alguém chegava perto de mim, e isso foi por meses...foi um pós trauma horrível.”

Como é feita a laqueadura?

Considerado pela classe médica como um procedimento cirúrgico simples, a laqueadura é realizada pelo ginecologista e dura cerca de 40 minutos a 1 hora. A cirurgia de esterilização consiste em cortar, amarrar ou colocar um anel nas trompas de Falópio ou tubas uterinas. A cisão impede que o esperma chegue até o óvulo e ocorra a fecundação, prevenindo a gravidez de forma permanente.

De acordo com o especialista em ginecologia Agnaldo Viana, o procedimento pode ser realizado de duas formas: pela videolaparoscopia ou laparoscopia, em que são feitos pequenos furos na região abdominal e é minimamente invasivo, ou por um corte abdominal na região onde se faz a cesárea, em cima do púbis. Em ambos os procedimentos, o médico terá acesso às tubas uterinas. As recomendações para o pós cirúrgico são semelhantes a de outros procedimentos, incluindo repouso, alimentação saudável e evitar relações sexuais.

Existem casos de gravidez após realização da laqueadura, mas são raros. A taxa de falha é de cinco em cada 1.000 mulheres.

https://revistamarieclaire.globo.com/retratos/noticia/2023/10/elas-sao-jovens-sem-filhos-e-laqueadas-nao-dormia-direito-quando-minha-menstruacao-atrasava.ghtml