Câncer: por que a comunicação entre médico e paciente é fundamental

Tema foi destaque do II Congresso Luso-Brasileiro de Psico-oncologia, que reuniu especialistas dos dois países

O médico oncologista Ricardo Caponero: “tenho que conhecer a biografia do paciente e respeitar sua autonomia” — Foto: Divulgação

Rio de Janeiro

Um dos destaques do II Congresso Luso-Brasileiro de Psico-oncologia, realizado virtualmente nos dias 23 e 24, foi a comunicação entre médico e paciente. Coube ao oncologista Ricardo Caponero, do Hospital Oswaldo Cruz, dar a dimensão da sua relevância numa doença tão associada a más notícias. Em sua palestra, salientou como a formação médica é falha neste aspecto, a ponto de a Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco em inglês) ter lançado documento com as diretrizes para orientar os profissionais.

“A comunicação se dá desde o primeiro contato e é um processo contínuo, e não pontual. É preciso estabelecer uma semântica comum: avaliar o que o paciente sabe, perguntar o que ele quer saber, determinar o volume de informação para aquele momento. Falar não causa dano, o que causa é a forma”.

Ele recomendou a utilização da plataforma Vital Talks, que ensina como abordar questões relacionadas com doenças graves, como ferramenta para melhorar as habilidades dos profissionais. Na sua opinião, um dos problemas mais comuns é focar apenas a doença: “tenho que conhecer a biografia do paciente e respeitar sua autonomia”.

Caponero compartilhou dados de pesquisas para embasar sua apresentação. Uma delas descrevia como o momento do diagnóstico deflagra uma crise traumática e, embora a pessoa possa parecer tranquila, por dentro está vivendo um terremoto e às vezes nem sequer registra o que está sendo dito. “Três meses após o diagnóstico, 100% admitiram ter sofrido um choque profundo, 50% disseram ter recebido pouca ou nenhuma informação e 17% negaram que a conversa tivesse ocorrido”, relatou, acrescentando que cabe ao médico trabalhar para a redução do estresse do paciente: “ansiedade e depressão concorrem para um desfecho desfavorável”.

A psiquiatra Susana Almeida, professora da Faculdade de Medicina do Porto, afirmou que as várias fases da doença oncológica – pré-diagnóstico, diagnóstico, tratamento inicial, pós-tratamento, recorrências, doença progressiva, fase terminal – implicam tarefas e desafios diferentes que demandam a atenção do profissional de saúde:

“O sofrimento em geral melhora quando o doente entra numa fase ativa do tratamento e sente que recupera algum controle sobre a situação. A sociedade também tende a exigir que o paciente mantenha uma atitude positiva, expectativa que pode gerar culpa ou vergonha”.

Ela ressaltou que, quando o tratamento inicial termina, as pessoas se tornam hiper-vigilantes em relação a eventuais sinais de recidiva: “é importante normalizar essa ansiedade e entender que ela não é patológica. O indivíduo vinha lidando com uma ameaça concreta, é impossível fazer um ‘reset’ de uma hora para a outra”.

A advogada Luciana Dadalto, doutora em ciências da saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG e uma referência em testamento vital, defendeu a criação de uma lei voltada para os direitos do paciente: “temos que nos basear nas leis existentes, como a Constituição e até o Código de Defesa do Consumidor”. Criticou o que chamou de “conspiração do silêncio" numa sociedade que se nega a falar sobre a finitude humana. “Quando surge a pergunta: ‘e se o tratamento curativo não der certo?’, a resposta normalmente é que essa conversa não é para agora. Na verdade, temos que desabilitar a ‘máquina’ que ‘apita’ quando uma pessoa entra num hospital e que a despe da sua identidade e autonomia”, enfatizou.

A psicóloga Fabiana Caron, presidente da Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia — Foto: Acervo pessoal

O evento foi organizado pela Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia (SBPO) e Fabiana Caron, presidente da entidade, lamenta que o Conselho Federal de Psicologia não reconheça a especialidade da psico-oncologia: “assim como os médicos passam por uma residência para conseguir a especialização na área, o mesmo deveria ocorrer para os psicólogos. Sem uma formação adequada, é maior a dificuldade para tecer a rede de cuidados de que o paciente precisa”. Ela ainda alerta para a necessidade de que os psiquiatras tenham uma visão mais profunda da psico-oncologia, uma vez que protocolos como a quimioterapia interagem com psicotrópicos.

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