Varíola dos macacos: único fabricante de vacina diz que países atrasados na compra podem ficar com poucas doses

Laboratório tem fila e países que já imunizam, como EUA e Alemanha, fizeram pedido há cerca de nove semanas

Por Mariana Rosário — São Paulo

Profissional de saúde prepara dose de vacina contra varíola dos macacos na Holanda AFP

Caso queira ter uma boa quantidade de vacinas contra a varíola dos macacos, a monkeypox, disponível ainda este ano, o Brasil terá que se mexer mais rapidamente. Rolf Sass Sorensen, vice-presidente das relações com investidores da única desenvolvedora de um imunizante específico para doença, a Bavarian Nordic, da Dinamarca, afirmou ao GLOBO que os países que compraram a vacina avançaram nas tratativas há nove semanas. O governo brasileiro não tem doses garantidas por enquanto.

Parte dos compradores, inclusive, já recebeu as vacinas e realiza aplicações. Caso dos Estados Unidos, cujas filas de jovens buscando a imunização fizeram fila nos postos de aplicação em Nova York na última semana.

Além dos EUA, o imunizante também é autorizado na União Europeia e no Canadá, embora sejam necessários mais estudos sobre sua eficácia. Trata-se de um antígeno estudado nos últimos 20 anos, explicou o executivo, e seu desenvolvimento mirou, sobretudo, a África, região em que a varíola dos macacos se faz endêmica. Além de figurar, é claro, como um trunfo para eventuais surtos que poderiam ocorrer na Europa.

Sorensen afirma que os primeiros países interessados em comprar a vacina começaram a se mexer diante da alta de casos na Europa e alguns já garantiram cotas para os próximos anos. Os primeiros a negociar, evidentemente, serão os primeiros a receber doses. Por ano, a empresa é capaz de produzir 30 milhões de unidades da vacina, com posologia de duas doses.

— Há países que reagiram de maneira mais lenta e não estão na frente nessa fila de distribuição. Temos clientes na Ásia, Europa e até na América do Sul, mas muitos não nos autorizam a falar sobre essas compras — diz.

Em relação às nações que chegaram depois, há expectativa de que, sim, recebam doses ainda neste ano, mas em quantidades reduzidas.

— Para os países que chegarem depois, como por exemplo (pode ser o caso do) Brasil, vamos poder oferecer ainda neste ano um pequeno quantitativo para aplacar situações emergenciais e depois garantir que recebam, em primeiro lugar, até o segundo trimestre do ano que vem — afirmou Sorensen.

É importante dizer que, apesar de ser a primeira vacina específica para varíola símia em uso, não se trata da única alternativa disponível. Há um imunizante— criado para varíola comum, a humana — desenvolvida pela farmacêutica Sanofi Pasteur, também em uso nos EUA para conter o atual surto. O imunizante apresenta importantes indicativos iniciais de que pode gerar proteção também contra o vírus monkeypox.

Brasil negocia

O Ministério da Saúde, por sua vez, informou que negocia a compra de doses. Em nota, afirmou que “articula com a Organização Mundial da Saúde (OMS) as tratativas para aquisição da vacina monkeypox. A OMS coordena junto ao fabricante, de forma global, ampliar o acesso ao imunizante nos países com casos confirmados da doença”.

Compras ou desenvolvimento de imunizante contra a varíola dos macacos também são assuntos tratados pelo Instituto Butantan, em São Paulo, que há algumas semanas semanas criou um comitê dedicado à doença. A instituição é parte da Secretaria Extraordinária de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde, comandada pelo infectologista David Uip. O médico, inclusive, acredita que – diante da demanda global — será difícil que o Brasil consiga realizar uma ampla vacinação contra monkeypox ainda este ano.

Outros especialistas em desenvolvimento de fármacos afirmaram ao GLOBO que tampouco é provável que uma nova vacina brasileira seja viável em poucos meses, dada a complexidade do desenvolvimento de um imunizante. Vale dizer que, até este momento, nenhum desenvolvedor de vacina contra monkeypox fez pedidos à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável por regular medicamentos no país.

Vacinação no mundo

De acordo com levantamento da consultoria internacional Airfinity, a Alemanha, os Estados Unidos, a União Europeia e o Reino Unido já encomendaram doses à empresa dinamarquesa e receberam parte das vacinas. A Dinamarca, é claro, também integra a lista de compradores.

Nenhuma dessas nações, contudo, adquiriu doses suficientes para vacinar toda a população. Não se trata, exatamente, de um sinal de escassez. A orientação da OMS neste momento, conforme informou o Ministério da Saúde brasileiro, é vacinar os contactantes de pessoas infectadas e também profissionais de saúde.

Marcos Boulos, médico infectologista da Faculdade de Medicina da USP, explica que a vacinação de bloqueio, essa que mira em contactantes de pessoas com doenças infecciosas, é uma estratégia comum para barrar a disseminação de diversas outras doenças, a exemplo do sarampo.

— É uma estratégia que impede que as pessoas que estão com o vírus encubado infectem outras pessoas desprotegidas — diz.

Além desses grupos, os EUA e a Alemanha, por exemplo, também vacinam os chamados HSM (homens que fazem sexo com outros homens), que por enquanto tem sido o grupo com mais contaminados. Qualquer pessoa com múltiplos parceiros, no entanto, tem risco aumentado.

Os especialistas defendem uma ação coordenada nacional para identificação, testagem e isolamento residencial dos casos, até que seja possível acessar a vacina. Até agora, são 864 diagnósticos confirmados de varíola dos macacos no país e mais 454 suspeitos. Não há, contudo, qualquer morte oficial relacionada à doença no Brasil.

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