Próxima etapa do maior estudo do Brasil sobre efeito da Covid no cérebro prevê monitoramento de 5 anos

Com o estudo a longo prazo, será possível observar o mecanismo de ação do vírus

Por Marcello Carvalho, g1 Campinas e Região

Estudo da Unicamp analisou ressonâncias magnéticas de 81 pacientes que tiveram Covid-19 leve e descobriu presença de atrofia no cérebro — Foto: Reprodução/EPTV

Próxima etapa do maior estudo do Brasil sobre efeito da Covid no cérebro prevê monitoramento de 5 anos e programa de reabilitação

Projeto no HC da Unicamp vai oferecer recuperação cognitiva. Tempo do estudo é para monitorar a melhora - ou regressão - do quadro e apontar tratamentos. Pesquisa indicou problemas cerebrais mesmo em casos leves.

A pesquisa coordenada por Unicamp e USP, que indicou a presença de problemas neurológicos mesmo em pacientes que tiveram sintomas leves da Covid-19, terá como foco agora o acompanhamento, por 5 anos, de todas as pessoas que participaram do estudo para entender como será a evolução do quadro e indicar possíveis tratamentos. A informação foi confirmada ao g1 pela professora de neurologia da Faculdade de Medicina da instituição de Campinas (SP) Clarissa Yasuda.

De acordo com a docente, outro projeto elaborado a partir do estudo, que, segundo os pesquisadores, é o maior do Brasil para compreender o mecanismo de infecção do coronavírus no cérebro, é oferecer um processo de reabilitação cognitiva dentro do Laboratório de Neuroimagem do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. A previsão é que o trabalho comece nos próximos meses.

Em Campinas, o estudo foi conduzido pelo Laboratório de Neuroproteômica da Unicamp. Segundo os responsáveis, à época que a pesquisa foi realizada, foram analisadas ressonâncias de 81 pacientes que apresentaram sintomas leves da doença cerca de dois meses antes do exame e que reclamavam de problemas neurológicos. Atualmente, 500 pessoas já passaram pela mesma avaliação e outras 7 mil responderam questionário online.

Segundo Clarissa, o tempo de duração de cinco anos é para que a avaliação da pessoa não se perca. Com o estudo a longo prazo, será possível observar o mecanismo de ação do vírus para desenvolver estratégias de combate às sequelas, além de entender se os danos nos neurônios provocados pela Covid serão corrigidos, ficarão estagnados ou vão, eventualmente, piorar. No entanto, ela faz o alerta para que a pessoa que participou da pesquisa retorne sempre que for chamada para ser reavaliada.

"Ainda não é possível saber se haverá uma regeneração disso ou se isso será um problema crônico. É uma doença nova. Por isso o estudo é por cinco anos. Eu sabia que eu não poderia avaliar o paciente uma vez, a gente precisa refazer os exames pra entender como está o comportamento. Mas para isso a pessoa precisa voltar, precisamos acompanhar, ela tem que vir de novo, se achar que já participou e não precisa mais fazer nada, vai ficar mais difícil, afirmou a pesquisadora.

A professora afirmou que o trabalho já está na fase de chamar as pessoas para nova avaliação, mas poucos pacientes retornaram.

Professora da Unicamp, Clarissa Yasuda é uma das pesquisadoras participantes do estudo sobre Covid-19 no cérebro — Foto: Reprodução/EPTV

Astrócitos, principal alvo da doença no cérebro

A pesquisa revelou que o alvo preferido da doença no cérebro são os astrócitos, células estreladas que dão sustentação aos neurônios. Como efeito de comparação, elas funcionam como bombas de combustível dos neurônios, componentes mais importantes do cérebro.

Os pesquisadores explicam que os neurônios trabalham o tempo todo, inclusive durante o sono. Por isso, precisam de abastecimento constante. Essa é a importância dos astrócitos.

O estudo identificou que o vírus da Covid-19 interfere diretamente nesta fonte de alimentação dos neurônios, o que prejudica o funcionamento deles. O efeito pode ser a morte do neurônio abastecido por um astrócito infectado.

A infecção dos astrócitos pelo coronavírus produz um ambiente tóxico para o neurônio que leva ele à morte. Na prática, isso provoca parte dos problemas neurológicos a longo prazo observados na pesquisa, como perda de memória, falta de concentração, déficit de atenção, raciocínio mais lento e sonolência, mesmo após 60 dias após os pacientes analisados terem contraído a doença.

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A pesquisa

Em comum, os exames apontaram uma atrofia na região frontal do cérebro, fato que surpreendeu os cientistas. Esta região cerebral é responsável pela atenção e pelo raciocínio. "A gente não esperava ver atrofia em um grupo de pacientes que não foi internado e em um período tão curto. Para a gente foi surpresa", disse Clarissa.

A pesquisadora afirmou que os infectados, mesmo com sintomas leves, apresentaram queixas relacionadas a ansiedade, depressão e disfunção cognitiva. Em alguns casos, há relatos de perda de memória e velocidade de processamento cerebral.

"Predomina queixa de fadiga, de sonolência, dor de cabeça, tem sintoma de ansiedade, depressão e disfunção cognitiva. Tem gente que tem queixa de memória, tem que fala problema de atenção, diminui a velocidade de processamento cerebral, tem gente que tem dificuldade de linguagem, de encontrar as palavras", completou.

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