Doação de órgãos no Ceará cai 70% durante pandemia de Covid-19

No Ceará, 12 pessoas morreram na fila de espera por um fígado durante a pandemia

Imagem ilustração crédito g1

Por Redação

O Estado foi o mais afetado pela diminuição no Brasil, seguido por Pernambuco, com queda de 58,3%, e o Rio de Janeiro, com menos 40%. No Ceará, 12 pessoas morreram na fila de espera por um fígado durante a pandemia

Morando no Ceará há três meses, Régia Lúcia de Araújo, 39, veio do Rio Grande do Norte para fazer um transplante de fígado. A paciente espera receber um novo órgão há dois anos devido a uma cirrose criptogênica. Mesmo sendo a primeira na fila de transplantes, Régia não sabe quando deve fazer o procedimento, já que o número de doadores baixou abruptamente durante a pandemia.

De acordo com dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), o Ceará registrou uma queda de 71,1% de doadores no período de 1º de março até 18 de abril de 2020, se comparado com o igual período de 2019. O Estado foi o mais afetado pela diminuição no Brasil, seguido por Pernambuco, com queda de 58,3%, e o Rio de Janeiro, com menos 40%. A quantidade de transplantes realizados caiu 20% em todo o território nacional.

O isolamento social, a falta de UTIs disponíveis e a impossibilidade de utilizar órgãos de doadores infectados pelo coronavírus são alguns dos motivos que podem explicar a queda. Segundo o médico José Huygens Garcia, presidente da ABTO e chefe do Serviço de Transplante Hepático do Hospital Universitário Walter Cantídio, locais que recebem pacientes com Covid-19 não podem realizar transplantes devido ao alto risco de contaminação. Além disso, todos os doadores devem ser testados. No entanto, como o resultado demora pelo menos 12 horas para ser liberado, a negação das famílias tem aumentado.

A coordenadora da Central de Transplantes do Ceará, Eliana Barbosa, reconhece a multiplicidade de fatores para a baixa nas doações. Ela acrescenta que a queda nos sinistros de trânsito também contribuiu para o índice negativo. "O isolamento social diminuiu os acidentes com Traumatismos Cranioencefálicos (TCEs), graças a Deus, mas ao mesmo tempo, fez cair o número de notificações para novos doadores", explica. Para Huygens, a consequência da queda no número de doadores deve ser sentida na taxa de mortalidade dos pacientes ativos na fila de transplante. Ele informa que, no período da pandemia, 12 pessoas que esperavam transplante de fígado no Ceará vieram a óbito.

Mesmo registrando possíveis doadores, alguns deles acabam sendo descartados por testarem positivo para o coronavírus. A ABTO não recomenda a utilização dos órgãos neste caso por não existir literatura médica suficiente para apontar os riscos para o receptor. "A gente acha que neste mês de maio vai ter uma redução maior ainda. As chances de queda são maiores porque o problema se agravou".

Enquanto a situação não é resolvida, Régia realiza tratamento para a cirrose e aguarda sua vez de ser contemplada. "Fico muito ansiosa, fico agitada. Tem momentos que dá desespero, mas aí eu repenso tudo direitinho. Tem que esperar a vontade de Deus. Os médicos falam que pode ser a qualquer dia, qualquer hora". A paciente mora em uma pousada com a mãe em Fortaleza. Devido à sua condição debilitada, não pode trabalhar e sobrevive de um auxílio. Com a demora, as despesas aumentam a angústia da espera.

Unidades de saúde

Com as mudanças no panorama, transplantes de rins feitos no Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e no Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) foram suspensos, segundo Huygens. Já no Hospital de Messejana, centro de referência em transplante de coração no Estado, não houve nenhum procedimento do tipo em abril. De acordo com o coordenador da Unidade de Transplante e Insuficiência Cardíaca, João David de Souza Neto, não foi possível manter a média de 2,5 transplantes por mês atingida em 2019 devido à pandemia.

"Ninguém se preparou para isso porque a velocidade do vírus foi muito maior", explica. Ele afirma que hospitais ao redor do mundo passam pela mesma dificuldade. Para não deixar os pacientes desassistidos, a equipe do hospital tem se organizado para contatar os recém-transplantados e os que estão na fila de espera. Profissionais pedem que eles se mantenham em casa, já que fazem parte do grupo de risco.

Apesar da queda nas doações, Eliana Barbosa, alega que a Central de Transplantes está tentando manter as cirurgias ativas. Precisou reajustar o cronograma e definir critérios de priorização para os pacientes com necessidades emergenciais. "Os de córneas estão suspensos por portarias ministeriais. Já os renais, por decisão local dos dois maiores centros, o Hospital das Clínicas e o Hospital Geral de Fortaleza, também foram, com exceção das urgências. De fígado, nós estamos tendo, mas coração e pulmão não tivemos nenhum transplante no momento", descreve.

Há ainda casos em que os receptores dos órgãos optam por não passar pelo procedimento. "Alguns não querem receber o órgão, preferem deixar para depois, por causa do coronavírus", diz a médica.

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