Depoimentos de militares a PF, põem Bolsonaro no centro da trama golpista

Os relatos afetam também a estratégia de defesa do ex-presidente. Bolsonaro

Depoimentos à PF: veja o que militares dizem sobre participação de Bolsonaro em trama golpista

Ex-comandante do Exército, Freire Gomes afirmou que Bolsonaro apresentou minuta de decreto com objetivos golpistas. Brigadeiro Baptista Jr., da Aeronáutica, disse que Freire Gomes alertou que prenderia Bolsonaro.

Por Daniela Lima, Márcio Falcão, Camila Bomfim, g1 — Brasília

Freire Gomes diz à PF que Bolsonaro participou de negociações que poderiam levar a um golpe de estado

O Supremo Tribunal Federal (STF) retirou nesta sexta-feira (15) o sigilo dos depoimentos de militares e políticos à Polícia Federal sobre uma tentativa de golpe de Estado.

A investigação, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, ouviu, por exemplo, o ex-presidente Jair Bolsonaro, ex-ministros de seu governo e ex-comandantes militares.

Os depoimentos agora revelados colocam Bolsonaro no centro da trama golpista. O presidente não só sabia das minutas para impedir a posse de Lula como as discutiu com os chefes das Forças Armadas.

A PF afirma que Bolsonaro e seus aliados próximos planejaram um golpe de Estado para mantê-lo no poder e impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ganhou as eleições em outubro de 2022.

Os relatos afetam também a estratégia de defesa do ex-presidente. Bolsonaro, inicialmente, dizia que não tinha conhecimento das minutas. Depois, passou a dizer que a decretação de estado de defesa no TSE para sustar a eleição (como previa o documento), é permitido pela Constituição. No entanto, os relatos dos militares mostram que não havia motivo legal para esse estado de defesa, e que a única intenção era mesmo o golpe de Estado.

Ao declarar estado de defesa no TSE, Bolsonaro buscava intervenção no tribunal e revisão do resultado eleitoral, que já havia sido considerado legítimo por autoridades nacionais e internacionais.

"Não tive conhecimento [da minuta de golpe]. Não existe golpe com respaldo jurídico. Golpe é pé na porta e arma na cara, meu Deus do céu. Golpe tem que depor alguém", disse Bolsonaro em junho de 2023.

"Nunca chegou a mim nenhum documento de minuta de golpe, nem nunca assinei nada relacionado a isso. Até porque ninguém dá 'golpe' com papel", declarou Bolsonaro em fevereiro de 2024.

Veja abaixo o que disseram militares nos depoimentos dados à PF sobre a participação de Bolsonaro na trama golpista:

Ex-comandante do Exército diz à PF que Bolsonaro apresentou minuta de decreto golpista

O general Freire Gomes era comandante do Exército no segundo semestre de 2022, quando Bolsonaro perdeu as eleições para Lula e quando a trama golpista ganhou força no núcleo do governo. O general falou na condição de testemunha, e não de investigado.

De acordo com as investigações da PF, Freire Gomes participou de uma reunião com o ex-presidente e demais comandantes militares na qual Bolsonaro tratou sobre uma minuta de decreto golpista. A minuta previa instaurar um estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e "apurar a conformidade e legalidade do processo eleitoral" de 2022.

Em seu depoimento, Freire Gomes confirmou a reunião e a minuta.

"Na referida reunião, possivelmente Filipe Martins [então assessor de Bolsonaro] leu o referido conteúdo aos presentes e depois se retirou do local, ficando apenas os militares, o então ministro da Justiça [Anderson Torres] e o então Presidente da República, Jair Bolsonaro", relatou Freire Gomes.

O ex-comandante afirmou à PF que Bolsonaro descreveu o documento como "em estudo" e disse que depois "reportaria a evolução aos comandantes".

Freire Gomes afirmou no depoimento que uma nova reunião foi realizada uma semana depois, também no Palácio da Alvorada. E uma nova versão do texto foi apresentada – esta, semelhante à do documento encontrado na casa de Torres, também alvo da operação.

Aos investigadores, o ex-comandante disse que "em outra reunião no Palácio da Alvorada, em data em que não se recorda, o então presidente Jair Bolsonaro apresentou uma versão do documento com a decretação do estado de defesa e a criação da comissão de regularidade eleitoral para 'apurar a conformidade e legalidade do processo eleitoral'."

Nesta reunião, segundo o ex-comandante, estavam presentes ele, o ex-presidente Bolsonaro, o ex-comandante da Marinha, almirante Garnier, o ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Baptista Junior e o ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira.

À PF, Baptista Jr. afirmou que, se não fosse a recusa de Freire Gomes, o golpe provavelmente teria ocorrido.

"Indagado se o posicionamento do general Freire Gomes foi determinante para que uma minuta do decreto que viabilizasse um golpe de Estado não fosse adiante respondeu que sim; que caso o comandante tivesse anuído, possivelmente a tentativa de Golpe de Estado teria se consumado", afirma o registro do depoimento

As investigações também mostraram que aliados próximos de Bolsonaro, em trocas de mensagens, xingavam Freire Gomes por ele não estar aderindo ao movimento golpista. O também general e ex-vice na chapa eleitoral de Bolsonaro, Braga Netto, em conversa com outro militar, chama Freire Gomes de "cagão".

Brigadeiro Baptista Jr.

Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército — Foto: GloboNews/Reprodução  

Ex-comandante da Força Aérea Brasileira, tenente brigadeiro do ar Carlos Baptista Junior — Foto: CECOMSAER/Divulgação

O brigadeiro Baptista Jr. comandava a Aeronáutica no período. Em seu depoimento, ele diz que Freire Gomes afirmou a Bolsonaro, em reunião com os comandantes das Forças Armadas, que teria que prender o ex-presidente se ele tentasse consumar o plano golpista. O almirante também falou na condição de testemunha.

O documento da PF que registra a fala de Baptista Jr. diz o seguinte:

"Em uma das reuniões dos comandantes das Forças com o então presidente após o segundo turno das eleições, depois de o presidente da República, Jair Bolsonaro, aventar a hipótese de atentar contra o regime democrático, por meio de institutos previstos na Constituição (GLO [Garantia da Lei e da Ordem], ou estado de defesa, ou estado de sítio), o então comandante do Exército, general Freire Gomes, afirmou que caso tentasse tal ato teria que prender o presidente da República", relatou o brigadeiro.

A partir de novembro de 2022, o ex-comandante da Aeronáutica afirma que participou de diversas reuniões com o então presidente e integrantes da cúpula das Forças Armadas. E, de acordo com o depoimento, nesses encontros, Bolsonaro apresentou documentos com teor golpista aos militares.

Segundo Baptista Jr., nas reuniões, o ex-presidente "apresentava a hipótese de utilização da Garantia da Lei e da Ordem – GLO e outros institutos jurídicos mais complexos, como a decretação do Estado de Defesa, para solucionar uma possível 'crise institucional'".

Almirante Almir Garnier

Por outro lado, o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, ficou calado em seu depoimento à PF.

O ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), Mauro Cid, citou o almirante em sua delação premiada.

Segundo Cid, Garnier seria simpático a um golpe de Estado e teria dito a Bolsonaro “que sua tropa estaria pronta para aderir a um chamamento do então presidente”.

Baptista Jr., da Aeronáutica, afirmou que Garnier colocou tropas à disposição de Bolsonaro.

https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/03/15/depoimentos-a-pf-veja-o-que-militares-dizem-sobre-participacao-de-bolsonaro-em-trama-golpista.ghtml