Rede de contatos de empreiteiro preso na Lava Jato alcançava os 3 poderes
Léo Pinheiro trocou mensagens com políticos e membros do governo. Mensagens estão sob investigação e não mostram necessariamente ilícitos.
Imagem reprodução TV G1, em Brasília Vladimir Netto, Filipe Matoso e Lucas Salomão *da TV Globo e do G1, em Brasília Condenado na Operação Lava Jato por envolvimento com o esquema de corrupção que atuou na Petrobras, o ex-presidente da construtora OAS José Aldemário Pinheiro Filho, conhecido como Léo Pinheiro, tinha uma rede de contatos que abrangia integrantes dos três poderes da República – Executivo, Legislativo e Judiciário. As dezenas de mensagens trocadas entre Léo Pinheiro e seus interlocutores – às quais a TV Globo e o G1 tiveram acesso – foram apreendidas pela Polícia Federal em dois aparelhos celulares do ex-dirigente da OAS e fazem parte das investigações da Operação Lava Jato. As mensagens, reunidas em 480 páginas, estão sendo analisadas por policiais federais e procuradores que atuam na Lava Jato e, por si só, não permitem comprovar a prática de atos ilícitos. Ainda não há inquéritos abertos para investigar os interlocutores de Pinheiro nem os citados por ele nos diálogos com outras pessoas. Léo Pinheiro foi condenado pela Justiça Federal, em primeira instância, a 16 anos e 4 meses de prisão acusado de cometer crimes, apontados pela Operação Lava Jato, de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Atualmente, está recorrendo da condenação em liberdade. Entre as centenas de mensagens obtidas pela Polícia Federal após a prisão e apreensão dos celulares de Pinheiro, há contatos diretos do empreiteiro com autoridades e referências a políticos em mensagens trocadas com outras pessoas. A OAS e Léo Pinheiro informaram que não tiveram acesso ao material da Polícia Federal e só se manifestarão nos autos do processo. Legislativo Entre as mensagens, remetidas pela Polícia Federal ao Ministério Público Federal, estão conversas entre Léo Pinheiro e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Nas conversas é mostrado, por exemplo, o peemedebista cobrando do empreiteiro repasses de dinheiro para ele e aliados políticos. Entre 2012 e 2014, os dois tiveram, segundo a PF, 94 encontros, ligações ou algum tipo de contato. Conforme os investigadores, ao longo desse período, houve 35 pedidos, solicitações, cobranças ou agradecimentos por parte do deputado e do empreiteiro – Cunha nega ter recebido “vantagens indevidas”. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), é mencionado algumas vezes em conversas de Léo Pinheiro com assessores e executivos da OAS. Não há, entretanto, registro de conversa direta entre os dois. Há mensagens em que o empreiteiro pede que sejam marcadas reuniões com o senador do PMDB, além de reproduções de reportagens jornalísticas nas quais Renan é mencionado. Em uma das citações a Renan, Pinheiro informa ao diretor jurídico da OAS, Agenor Valadares, que o presidente do Senado estava naquele momento ligando para ele. "Renan está me ligando. Engavetou?", questiona o ex-dirigente. "Sim. Engavetou porém a expectativa é de que só até dezembro. Em dezembro, teria uma reavaliação", responde Valadares. Em outra mensagem, de 13 de novembro de 2013, Léo Pinheiro cita ao diretor-executivo da OAS, Roberto Zardi, uma reunião na qual Renan e o então presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), estavam participando, supostamente fazendo um apelo para alguém tratado como "presidente". "Avisa para ele que Renan e Henrique estão com presidente dai fazendo um apelo". A assessoria de Renan Calheiros informou em nota que ele recebeu o empresario Leo Pinheiro para tratar de "temas estritamente institucionais". "Renan Calheiros reafirma que jamais autorizou ou consentiu que seu nome fosse utilizado por terceiros em qualquer circunstância", diz o texto. Em mensagens trocadas com Pinheiro, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) trata o empreiteiro como "querido" em alguns diálogos. Em 16 de julho de 2014, Ciro Nogueira enviou uma mensagem ao ex-presidente da OAS: "Ciro Nogueira: Tudo bem?; Léo Pinheiro: Tudo. Estou nos EUA, chegando na próxima 4ª. Te procuro. Abs; Ciro Nogueira: OK amigo; Léo Pinheiro: Se for urgente peço ao Varjão para lhe procurar; Ciro Nogueira: Não querido, te espero; Léo Pinheiro: ok. Abs". Quatro dias depois, Pinheiro avisa ao senador que já está de volta ao Brasil: "Léo Pinheiro: Cheguei! 4ª vc vai estar em Bsb? Se estiver que hs podemos falar?; Ciro Nogueira: Estarei sim, vamos tomar café na minha casa?; Léo Pinheiro: Vamos. 8hs ou 8:30?; Ciro Nogueira: O que for melhor para vc, pôs sou do sertão e acordo cedo kk; Leo Pinheiro: Como somos sertanejos as 8hs. Abs; Ciro Nogueira: Kkk abs; Léo Pinheiro: abs." O G1 procurou a assessoria do senador Ciro Nogueira e aguardava resposta até a última atualização desta reportagem. Uma mensagem enviada por um executivo da OAS a Léo Pinheiro cita uma emenda a um projeto apresentada pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR) e que seria de interesse da OAS. O executivo da empreiteira se refere à emenda como "nossa emenda". Jucá também aparece em uma lista de políticos que teriam sido procurados por executivos da OAS para reuniões. O G1 não conseguiu contato com o senador Jucá nem com a assessoria dele. A PF também remeteu ao Ministério Público Federal uma mensagem enviada pelo presidente da OAS, Elmar Varjão, a Léo Pinheiro em novembro de 2012 na qual o senador Humberto Costa (PT-PE) é citado. Não há mensagens diretas entre o empresário e o senador petista. "Leo, o Sen.Humberto me ligou para agradecer nosso apoio na eleicao e pediu que lhe transmitisse o agradecimento. Varjao", escreveu Varjão. No documento, o MPF não tira conclusões sobre a mensagem. À época da mensagem, Humberto Costa havia concorrido à Prefeitura do Recife (PE), mas saiu derrotado das urnas. O G1 procurou a assessoria do senador e aguardava resposta até a última atualização desta reportagem. Em dez mensagens, Leo Pinheiro faz referência a encontros "iminentes" com a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR). A PF identificou uma mensagem de agradecimento da senadora ao empreiteiro e duas de agradecimento do executivo a Gleisi. Por meio da assessoria de imprensa, a senadora Gleisi Hoffmann informou que não teve acesso à mensagem citada e não irá se pronunciar. No relatório, há uma mensagem do secretário do empresário Léo Pinheiro, em junho de 2013, confirmando um encontro com o então ministro de Minas e Energia Edison Lobão para o dia 26 do mesmo mês. Léo Pinheiro, então, avisa a outras pessoas sobre a audiência e cita, em mais de uma mensagem, a Refinaria Premium, no Maranhão, como possível objeto da reunião com Lobão. “Acho que Sergio deveria ir comigo x Premium", diz em uma delas. Reportagens do jornal “O Globo”, em maio de 2014, destacadas pela PF, apontam a não concretização do projeto, que teve gastos de R$ 1,6 bilhão. Foram identificadas quatro citações à refinaria nas trocas de mensagens de Léo Pinheiro com interlocutores. O advogado de Lobão, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, disse que não confirmaria com o senador se realmente houve o encontro com Pinheiro em 2013 "porque é absolutamente natural e normal". "O Léo é um grande empresário brasileiro que tinha excelente contato com todos os políticos de qualquer partido", disse. Em uma mensagem, o diretor da OAS Roberto Zardi diz a Léo Pinheiro que se encontrou com o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) na residência do senador Ciro Nogueira. "Expus a questão jurídica e o nosso bom direito,e as pressões que estamos sofrendo, pelo curto tempo disponível para solução no ano e também pela dificuldade de recursos que o gov está passando,como ele bem sabe", escreveu Zardi. O deputado disse ao G1 que a mensagem que o cita "não diz nada e não trata de nada". O empresário menciona reuniões com políticos marcadas no bar de um hotel de luxo do Rio de Janeiro. Em uma das mensagens que Léo Pinheiro enviou em 22 de junho de 2013 a um número não identificado pela PF, o executivo diz que está aguardando o senador Fernando Bezerra Coêlho (PSB-PE) para um encontro nesse bar. O G1 deixou recado nos celulares dos assessores de Fernando Bezerra Coelho e aguardava resposta até a última atualização desta reportagem. Entre os políticos que teriam se encontrado com Léo Pinheiro no bar, as mensagens mencionam também o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o ex-deputado federal Geddel Vieira Lima (PMDB-BA). Geddel Vieira Lima afirmou que sempre foi amigo de Léo Pinheiro porque ele era empresário. O ex-deputado do PMDB disse ainda que "nunca precisou de intermediário para ter dinheiro de campanha". De acordo com o ex-deputado, Eduardo Cunha é que tem que responder pelas mensagens trocadas com o ex-presidente da OAS na qual ele é citado. Executivo Em outro bloco de conversas, a PF investiga a citação do ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, em mensagens trocadas entre Cunha e Léo Pinheiro. Em uma delas, o deputado questiona o empresário sobre se a “programação” relacionada ao correligionário havia mudado, o que Pinheiro nega – procurado, Henrique Alves ressaltou em nota que as doações da empresa às suas campanhas foram legais e declaradas ao TSE. Além de mensagens de Léo Pinheiro que envolvem os peemedebistas, há outras conversas relacionadas aos ministros Jaques Wagner (Casa Civil) e Edinho Silva (Comunicação Social) – os dois com gabinete no Palácio do Planalto. No caso de Wagner, os investigadores da Operação Lava Jato analisam troca de mensagens do ministro nas quais haveria negociação de apoio financeiro ao candidato do PT à Prefeitura de Salvador em 2012 e um pedido de ajuda ao chefe da Casa Civil para liberar dinheiro do governo federal para a OAS. Na ocasião, Wagner era governador da Bahia. Em nota, ele disse estar “absolutamente tranquilo” em relação às suas atividades políticas e afirmou que está à disposição do Ministério Público. Em relação a Edinho Silva, a PF aponta mensagens nas quais eles conversavam, entre outros pontos, doações para a campanha da presidente Dilma Rousseff em 2014, quando ela concorreu à reeleição – naquele ano, Edinho atuou como tesoureiro de campanha e não era ministro, assim como Léo Pinheiro não era investigado pela Lava Jato. Em nota, o chefe da Comunicação Social disse ter se encontrado diversas vezes com o empresário e ressaltou que as contas de Dilma foram aprovadas pelo Tribunal Superior Eleitoral. Judiciário Nos celulares de Léo Pinheiro, a Polícia Federal identificou o número do celular do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Benedito Gonçalves como um dos interlocutores de mensagens. No dia 10 de novembro de 2014, segundo os registros da Polícia Federal, o ministro enviou uma mensagem para o empresário, o trata como "amigo" e afirma que se encontrará com o vice-presidente Michel Temer, presidente nacional do PMDB, e com o senador Romero Jucá, um dos principais nomes da legenda. "Amigo boa noite tudo bem leu a folha hj. Amanhã estarei com temer e Juca abs", diz o ministro. Em novembro, Benedito Gonçalves era um dos nomes cotados para assumir a vaga de Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal (STF), que acabou ocupada pelo ministro Luiz Edson Fachin. Na data em que a mensagem foi enviada, reportagem do jornal "Folha de S.Paulo" noticiou que os principais nomes do PMDB ameaçavam barrar a indicação da presidente Dilma Rousseff para o STF. Procurado pelo G1 por meio da assessoria de imprensa do STJ, o ministro Benedito Gonçalves ainda não havia sido localizado até a última atualização desta reportagem. Nas mensagens, há também menção a uma possível reunião de Pinheiro com uma pessoa identificada como "GM". No dia 28 de agosto de 2014, um secretário de Léo Pinheiro, chamado Marcos Ramalho, informou a ele sobre o interesse de Edinho Silva, então tesoureiro da campanha presidencial de Dilma Rousseff, em se reunir com o empresário no dia seguinte, 29 de agosto, e pede alguma orientação sobre essa possibilidade. Léo Pinheiro responde: "Verifique quais horários. O melhor seria após GM". A mensagem do secretário lista as reuniões que Pinheiro teria no dia, uma delas, às 16h, com “Dr. Guido”. Na época, o ministro da Fazenda era Guido Mantega, cujas iniciais são GM. A reunião seguinte seria às 18h30. Nas trocas de mensagens seguintes, Léo Pinheiro autoriza reunião com Edinho Silva às 17h30. O relatório da PF, no entanto, diz que a sigla “GM” refere-se ao ministro do STF Gilmar Mendes, devido a mensagens trocadas posteriormente entre Léo Pinheiro e outro interlocutor, Antonio Carlos Mata Pires, no qual este último recomenda a leitura de um artigo de Elio Gaspari, publicado em 5 de novembro de 2014, com críticas ao ministro. “Boa porrada no GM”, respondeu Léo Pinheiro nessa segunda troca de mensagens. O gabinete de Gilmar Mendes afirmou que o ministro não conhece nem nunca teve contato pessoal com Léo Pinheiro e que não houve reunião com o empresário em 29 de agosto de 2014. 'Brahma' Em uma das mensagens de Léo Pinheiro, de junho de 2013, o empreiteiro descreve uma reunião com a participação de "Brahma". Segundo investigadores da Lava Jato, “Brahma” é uma referência ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, à época, já havia deixado a Presidência da República. "Foi bom o almoço, ele participou na sexta de uma reunião com brahma, junto com outros, e disse que o cara estava muito puto. Sobrou pra ela, para os mensaleiros e para o partido. A reunião de hoje já é fruto disso. Vem uma série de ações. Nosso amigo assumiu as regras”, escreveu o empresário. Por meio da assessoria, o Instituto Lula informou que não comentará “vazamentos ilegais, seletivos e parciais que não contribuem para a investigação e sim para a espetacularização de processos que correm em sigilo de Justiça.” 'Francenildo' Em um outro bloco de mensagens, trocadas entre Léo Pinheiro e César Mata Pires, fundador da OAS, e Dilson Paiva, diretor administrativo da construtora, o empresário condenado na Lava Jato se compara a "Francenildo". Segundo a PF, é uma referência ao ex-caseiro Francenildo dos Santos Costa, pivô da demissão, em 2006, do então ministro da Fazenda do governo Lula Antonio Palocci. À época, relata a PF, ele ficou conhecido pelo depoimento no "escândalo" que "trouxe à tona situação" que envolvia Palocci. "Convicto q peco ao homem de palavra, Qdo prometeu-me que tudo seria resolvido, Continuarei minha busca de audiencia c/ alguem de dialogo, Seja: O Presidente/Cesar Borges/Lula/Renan ou ACM.Jr, ate outubro serei o Francenildo da OAS", escreveu Léo Pinheiro na mensagem. * Colaboraram Laís Alegretti, Nathalia Passarinho, Renan Ramalho, Fabiano Costa, do G1; Murilo Salviano e Marina Simpson, da GloboNews; e Camila Bomfim, da TV Globo
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