GRANDE FORTALEZA: 26 adolescentes são assassinados nos primeiros 15 dias de julho

 

O corpo franzino caído de bruços, em uma travessa na Vila São Paulina, bairro Boa Vista, parecia o de uma criança. No entanto, o cadáver era do adolescente Antônio Gilberto Júnior, 15 anos, morto a tiros. A Polícia acredita que o assassinato tenha ligação com o tráfico de drogas, pois o local onde ele foi morto é conhecido como ponto de vendas de entorpecentes. Já Francisco Leandro da Silva, 17 anos, foi assassinado com vários tiros na cabeça. Ele caiu sobre a rede armada na sala da própria casa, no Parque São Miguel, em Messejana. O autor do crime é desconhecido pela Polícia.

Tanto Antônio Gilberto quanto Francisco Leandro estão entre os 26 adolescentes assassinados somente nos primeiros quinze dias deste mês de julho, na Grande Fortaleza, o que representa quase duas mortes por dia. Quatro deles, sequer, foram identificados, pois não portavam documentos. Esses dados fazem parte de um levantamento realizado pelo Diário do Nordeste.

De acordo com o levantamento, não há uma centralização desses assassinatos em Fortaleza. Para se ter uma ideia, as 25 mortes ocorreram em 22 bairros diferentes. Em apenas três bairros, ocorreram mais de um homicídio. A Granja Lisboa registrou três mortes; a Aerolândia duas; e o Jangurussu outras duas. Isso comprova a disseminação da violência entre crianças e adolescentes na Capital. Na maioria dos casos, o motivo das mortes apontado pela Polícia é um possível envolvimento com o tráfico de drogas.

Para o titular da Secretaria Municipal de Direitos Humanos (SDH), Demitri Cruz, o cenário onde hora o adolescente é vítima e outra hora é agressor está inserido em um contexto social bem amplo. Segundo ele, o envolvimento com o tráfico de drogas está relacionado diretamente com o momento que vivemos no Brasil: o da indústria do consumo. "Atualmente, há no País um bombardeio de desejos e frustrações a partir do consumo. Isso gera as crianças e adolescentes para esses espaços de violência. O tráfico de drogas está inserido nesses espaços", ressalta ele.

Para amenizar as mortes, conforme Demitri é preciso ir até a raiz do problema e intervir de forma articulada no tráfico e nas redes organizadas. "Acho que se faz necessário a integração de políticas sociais com a repressão. Essa intervenção precisa ser territorializada com a participação da comunidade. Temos alguns resultados positivos no ´Território da Paz´ no bairro Bom Jardim".

Proteção


Ainda de acordo com o secretário, para remediar ou evitar que mais mortes aconteçam, será implantado no Ceará, até o fim do ano, por intermédio do governo federal, o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM). "O programa funciona como remédio para situações emergências", avalia Demitri Cruz.

Como publicado no último dia 2 de abril no Diário do Nordeste, instituições cearenses que lidam com defesa, proteção e atendimento a crianças e adolescentes não têm para onde enviar jovens ameaçados de morte.

A assistente social e pesquisadora do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC) Mara Carneiro partilha da mesma opinião do secretário e acredita que a violência está ligada diretamente à construção de uma sociedade baseada no consumo, que, consequentemente, gera jovens com características individualistas e violentas.

Exceções

Em contrapartida, a pesquisadora ressalta que não se pode atrelar todos os crimes ao tráfico de drogas. Muitos, segundo ela, também tem relação com vinganças e dívidas.

Além disso, ela destaca que, mesmo se os crimes tiverem ligação com o tráfico, a vida dessas crianças e adolescentes não pode ser banalizada. "A sociedade não deve achar natural que a criança ou o adolescente foi morto pelo envolvimento com drogas", acredita.

Para Mara Carneiro, a violência é gerada pela desvalorização da vida humana e pela ausência dos direitos essenciais para essas crianças e jovens. Diante desse cenário, conforme a pesquisadora, o Estado está tirando a possibilidade desses meninos e meninas de sonhar.

"Eles perdem a capacidade de sonhar, pois o seu contexto social não permite que isto aconteça. Muitas vezes, o único espaço que conseguem enxergar é o crime. E o utilizam com uma forma de autoafirmação", finaliza a assistente social.

Educar ainda é a melhor prevenção


O número de jovens e adolescentes assassinados, muitos deles relacionados ao tráfico de drogas, assusta e leva a pensar se uma solução para situação, de fato, é possível. Para o assistente social especializado em Dependência Química e coordenador do Centro de Recuperação Mão Amiga (CREMA), Luiz Carlos Favaron, o problema maior decorre da falta de um sistema de educação mais eficiente.

Toda droga, segundo diz, leva ao consumo compulsivo e à obsessão, e o crack, por sua vez, ataca o sistema nervoso central do usuário, abalando áreas da ética e da afetividade. Em virtude disso, de acordo com ele, o dependente químico se torna capaz de fazer uma porção de atos quando está em crise, como o ato de vender coisas, por exemplo. "Muitos na sua fissura não têm como arcar com a dívida e lançam mão de objetos da própria casa", diz.

Para o coordenador, o adolescente nessa situação acaba estando sujeito aos riscos que gera a economia da droga. Aliado a esse fato, explica ele, está a posição dos traficantes, que agem sem o menor respeito e preocupação pela vida humana. "Já fazem algo terrível, que é a venda. Matar, para eles, é o de menos", afirma.

Por essa questão é que se faz necessário, de acordo com Favaron, um trabalho educativo mais presente, com a participação da família e da escola, com mais diálogo e ocupando esses menores de alguma maneira, assim como também mais oportunidades de emprego e capacitação para esses jovens.

Equipamentos

Como agravante à situação, o assistente social destaca que as políticas de atenção aos usuários de droga não atingem os adolescentes de forma satisfatória no quesito tratamento, uma vez que faltam vagas nos centros de recuperação e locais com equipamentos adequados no atendimento e recuperação desses jovens, conforme prega o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Em relação a isso, o especialista considera que há omissão do Município e do Estado no sentido de encarar o problema da droga com a devida seriedade. "Estamos, hoje, sem um conselho municipal sobre drogas e sem receber recursos do fundo nacional sobre drogas. Isso já poderia proporcionar mais liberdade para as entidades em fazerem um programa preventivo mais eficaz", exemplifica.

KARLA CAMILA/RENATO BEZERRA
REPÓRTER/ESPECIAL PARA CIDADE