Médica que examinou menina de 2 anos morta com sinais de tortura diz que abusos eram antigos: 'Não começou ontem'

Quando me viram de jaleco começaram a gritar falando que ela não estava respirando

Ana Claudia Regert: tristeza e indignação pelo que viu no corpo da menina de 2 anos — Foto: TV Globo 

Por Mariana Bispo, TV Globo

Durante atendimento, Ana Cláudia Regert viu sinais de espancamento, fingiu que continuava atendendo a criança e correu até a delegacia para denunciar pai e madrasta de Quenia Gabriela.

Uma personagem foi fundamental para a descoberta do que acontecia com a menina Quenia Gabriela Oliveira Matos de Lima, de 2 anos, que deu entrada na Clínica da Família Hans Jurgen Fernando Dohmann, em Guaratiba, morta e com sinais de tortura: a médica Ana Cláudia Regert.

Foi ela que identificou que não se tratava de um atendimento qualquer e que a criança já estava morta quando deu entrada na unidade de saúde.

“Quando me viram de jaleco começaram a gritar falando que ela não estava respirando. Retirei a criança e fui para parte interna da unidade para avaliar. Ela já estava desfalecida, em estado cadavérico, mostrando que a meu ver, já tinha bastante tempo que tinha acontecido, não minutos, como eles tinham relatado”, diz sobre o pai e a madrasta de Quenia, Marcos Vinícius Lino e Patrícia André Ribeiro.

1 - Quenia Gabriela Oliveira Matos de Lima — Foto: Reprodução

2 - Marcos e Patrícia, pai e madrasta de Quênia — Foto: Reprodução

3 - Ana Claudia Regert se emociona ao lembrar do atendimento a Quenia — Foto: TV Globo

4 - Laudo da menina de 2 anos — Foto: Reprodução

1 - Quenia Gabriela Oliveira Matos de Lima — Foto: Reprodução

A médica conta que ainda tentou reanimar a criança, sem sucesso, e que nesse momento se deu conta do que aconteceu com Quenia.

“Quando a gente colocou na maca e despiu para iniciar as manobras, era evidente que eram lesões que não tinham acontecido só ontem. Eram coisas que já vinham acontecendo há bastante tempo. Tinha lesões por queimadura, provavelmente de cigarro, no umbigo, área genital tinha alteração, tinha fissura anal, muitos hematomas no corpo de uma criança de 2 anos e 4 meses”, lembra emocionada.

Médica foi correndo à delegacia

Após esse momento, Ana Claudia foi correndo até a delegacia do bairro, a 43ª DP, que fica a 500 metros da clínica da família.

“Fui correndo até lá para poder conseguir suporte e evitar a evasão da unidade”, diz sobre os pais da criança.

O pai da menina Marcos Vinicius Lino e a madrasta Patrícia André Ribeiro, com quem a criança morava desde os três meses, foram presos em flagrante ainda na unidade de saúde. Eles são suspeitos de tortura-la até a morte.

“Eles quiseram prestar depoimento disseram que nunca bateram na criança, que aquelas feridas era que a criança brincava e caía”, contou a delegada Márcia Julião.

Morte por meio cruel

Segundo o laudo médico, Quenia Gabriela tinha 59 lesões por todo o corpo, principalmente no rosto e no abdômen, além de sinais de abuso sexual. Os hematomas alguns novos outros antigos revelaram uma rotina de agressão física e maus tratos vivida dentro de casa.

“Parecia irreal. Eu queria acreditar que tinha acontecido outra coisa. Mas pelo relato da madrasta ficou nítido que era impossível. Era impossível a criança ter almoçado, ficado tonta, ter uma crise convulsiva e cair no chão”, diz sobre a justificativa apresentada por Patrícia Ribeiro para o estado da enteada.

Madrasta não esboçou reação por morte

A médica conta ainda que outro momento irreal aconteceu quando ela declarou óbito da menina.

“Quando declaramos o óbito, ela (madrasta) teve uma reação ainda mais surpreendente de não ter atitude nenhuma. Começou a amamentar o filho dela de 3 meses, como se fosse uma coisa completamente indiferente. Chocante, muito chocante”, relata Ana Claudia.

Pai e madrasta negaram os maus-tratos, disseram se tratar de um “erro”, mas vão responder por homicídio duplamente qualificado e tortura.

A médica Ana Claudia Regert se diz abalada com a situação e reflete sobre o tempo de sofrimento que Quenia Gabriela pode ter vivido.

“É duro. A imagem é muito forte na minha cabeça (emocionada). Queria ter minimizado a dor. Meu maior questionamento não é sobre o que ela passou. Não começou ontem. Ela está com essa criança desde 3 meses de idade. Ela (Quenia) está com 2 anos e 4 meses”, lamenta.

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/03/11/medica-que-examinou-menina-de-2-anos-morta-com-sinais-de-tortura-diz-que-abusos-eram-antigos-nao-comecou-ontem.ghtml