Cade abre processo para investigar 21 empresas por cartel na Petrobras

Além das companhias, conselho irá apurar envolvimento de 59 pessoas. Segundo órgão, grupo de construtoras atuou em contratos de R$ 35 bilhões.

Vladimir Netto e Mariana OliveiraDa TV Globo, em Brasília O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, abriu nesta terça-feira (22) um processo administrativo para apurar se 21 empresas e 59 pessoas – executivos e funcionários das companhias –, se uniram para a prática de cartel na Petrobras. Segundo o Cade, a soma dos contratos nos quais há evidência da atuação do chamado "clube das empreiteiras" é de R$ 35 bilhões. A legislação brasileira sobre cartéis define a prática como os casos nos quais empresas concorrentes ajustam preços, oferta, divisão de mercados e de outras variáveis relevantes numa disputa de mercado. No caso de licitações públicas, as empresas que prestam o serviço ou oferecem o produto podem aumentar preços, reduzir as ofertas e diminuir incentivos à inovação, por exemplo, causando prejuízos aos órgãos públicos contratantes. Entenda os diferentes tipos de delações premiadas No documento que confirma a instauração do processo, com 221 páginas, técnicos do Cade apontam "existência de indícios robustos de infração à ordem econômica" e afirmam que há elementos que apontam o cartel em pelo menos sete licitações da Petrobras, além de outras "potencialmente afetadas". Entre essas obras estão a Refinaria do Nordeste (Rnest, também conhecida como Abreu e Lima) e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Serão alvos do processo a Setal Óleo e Gás, que firmou acordo de leniência no Cade em março e deu início às investigações no órgão; a Camargo Corrêa, que assinou um Termo de Compromisso de Cessação (TCC), tipo de acordo para colaborar e que reduz as punições; e mais 19 empresas: Alusa Engenharia, Carioca Christiani Nielsen Engenharia, Andrade Gutierrez, Norberto Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Engevix, Galvão Engenharia, GDK, Iesa, Jaraguá Equipamentos, Mendes Júnior, MPE Montagens e Projetos, Promom Engenharia, Schahin, Skanska, Techint, Tomé Engenharia e UTC. Entre as pessoas que serão alvos do processo no Cade estão delatores da Lava Jato, como Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC, e Eduardo Leite, ex-vice-presidente da Camargo Corrêa. Em seu acordo com o Cade, a Camargo Corrêa admitiu participação no cartel para licitações da Petrobras. A empresa concordou em pagar mais de R$ 104 milhões. No Cade, só uma empresa pode fazer acordo de leniência: a primeira que procura o órgão para revelar o esquema de corrupção em troca de benefícios. No caso da Petrobras, a Setal é a companhia que ficará livre de punição, ganhando imunidade, se, ao final do julgamento, o conselho entender que, de fato, houve colaboração para elucidar as irregularidades. Há fortes indícios de que teriam celebrado ajustes com a finalidade de fixar preços, dividir mercado e ajustar condições, vantagens ou abstenção em licitações públicas conduzidas pela Petrobras" Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) A Camargo Corrêa, que fez um acordo para parar com a prática de cartel, pagou R$ 140 milhões de multa ao órgão. No decorrer do processo no Cade, outras empresas podem firmar acordo como fez a Camargo para reduzir as eventuais punições. Executivos de algumas das empreiteiras que são alvo de investigação no Cade já fizeram acordo de delação premiada na Justiça para assumir crimes praticados e devolver parte dos recursos desviados. Entre esses delatores estão funcionários e ex-funcionários da UTC e da Camargo Correa. Por outro lado, executivos da Odebrecht e da Queiroz Galvão negam a existência de cartel e dizem não ter envolvimento em fraudes na Petrobras. Para autorizar a abertura das investigações, o Cade se baseou em provas coletadas na Operação Lava Jato em processos em curso na Justiça Federal do Paraná, além de documentos apresentados pela Setal e pela Camargo, que fizeram acordos para contar detalhes do esquema e reduzir as punições. "Verifica-se a existência de indícios robustos de práticas prejudiciais à livre concorrência, supostamente, adotados pelos representados no mercado de licitações, conduzidas pela Petrobras, para contratação de serviços de engenharia, construção e montagem industrial. Há fortes indícios de que teriam celebrado ajustes com a finalidade de fixar preços, dividir mercado e ajustar condições, vantagens ou abstenção em licitações públicas conduzidas pela Petrobras", diz o órgão. O que disseram as empresas A Camargo Corrêa afirmou, por meio de sua assessoria, que o acordo firmado pela empreiteira com o Cade faz parte de seu programa de controle interno, "que busca corrigir desvios e assegurar um ambiente de negócios éticos, justos e sustentáveis.” Por meio de sua assessoria, a Andrade Gutierrez, Galvão Engenharia, Engevix, Carioca Engenharia e a Techint afirmaram que não irão comentar a abertura do processo no Cade. O advogado Mário de Oliveira Filho, responsável pela defesa da Iesa, disse que ainda não teve acesso aos autos do processo e, por isso, não comentará o assunto. A Odebrecht, a Queiroz Galvão e a Schahin informaram que não foram notificadas oficialmente sobre esse processo no conselho e não vão se manifestar. As assessorias da UTC e da Mendes Júnior declararam que as empresas não comentam investigações em andamento. A Skanska ressaltou, por meio de sua assessoria, que a empresa "conduz seus negócios com alto grau de integridade e ética e continua à disposição para colaborar com as autoridades". A assessoria de imprensa da Promon informou que a empresa está em férias coletivas e que não foi possível localizar nenhum representante da construtora para se posicionar sobre a investigação do Cade. O G1 entrou em contato com OAS, Setal Óleo e Gás, Mendes Júnior, Tomé e Alumini Engenharia, mas até a última atualização desta reportagem ainda não havia obtido resposta. A reportagem não conseguiu localizar a Jaraguá Equipamentos, o Grupo MPE e a GDK. Cartel O crime de cartel é considerado a conduta mais anticompetitiva na área empresarial e, no âmbito do Cade, é punido com multa – que pode chegar a até 20% do faturamento bruto anual da empresa – além da proibição de firmar novos contratos com a administração pública e de obter empréstimos em bancos públicos. A prática também é crime punido com até cinco anos de prisão, mas até agora o Ministério Público Federal apenas investiga se houve a fraude no âmbito da Lava Jato, ou seja, não apresentou denúncia criminal pelo crime de cartel. A medida provisória editada na semana passada pela presidente Dilma Rousseff para modificar a legislação que trata dos acordos de leniência – aliviando a punição a empresas envolvidas em fraudes, sem proibir novas contratações – em tese não afeta o processo no Cade, porque a MP muda a lei anticorrupção, e não a lei que pune ações anticoncorrenciais. No entanto, quando o processo for julgado no conselho, isso poderá ser analisado pelo Cade. Com a instauração do processo administrativo no conselho, as empresas serão notificadas para apresentar defesa em até 30 dias e será iniciada a chamada instrução do processo, com coleta de provas e depoimentos de testemunhas. Só depois dessa fase, que não tem prazo para ser concluída, é que o Cade vai julgar se condena ou não pessoas físicas e jurídicas. Histórico O inquérito do Cade para apurar se houve cartel foi instaurado em outubro do ano passado, em meio às negociações do órgão com a Setal Óleo e Gás para se firmar acordo de leniência. Segundo os dados do conselho, o grupo começou a atuar em 1998, mas consolidou a atuação a partir de 2001. O auge se deu em 2006, com a formação do chamado "clube vip" das empreiteiras para fraudar licitações, com a participação de empresas como Andrade Gutierrez, OAS, UTC, Odebrecht e Camargo Corrêa, as maiores empreiteiras do país. No documento de abertura do processo, o Cade diz que verificou indícios de cartel em sete licitações: Refinaria Henrique Lage (Revap) – HDT Diesel; Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar) – Off sites HDS Gasolina; Refinaria Henrique Lage (Revap) – HDS Nafta URC; Refinaria de Paulínia (Replan); Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar) – UCR; Refinaria do Nordeste (Rnest – Refinaria Abreu e Lima); e Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Evidências O órgão apresenta diversas evidências da prática, entre as quais e-mails e planilhas apreendidos com executivos das empreiteiras. Uma delas, em poder da Engevix, cita critérios utilizados pela empresas para calcular a taxa de sucesso das propostas comerciais que apresentaria em licitações públicas. "A empresa estimava que, nos casos em que participasse de licitações por convite com pré-acordo, a possibilidade de vencer o certame alcançaria 70%. Ora, a Petrobras era a única que podia, dada a especificidade das normas que regem seu processo de contratação, realizar licitações de grande porte na modalidade convite. E o termo pré-acordo, é razoável afirmar, parece indicar que se refere às definições levadas a cabo no âmbito do cartel", diz o Cade. Ainda conforme o documento, nos e-mails e planilhas, empresas chamam o cartel de "mercado" e se fazem alusões do esquema a um campeonato, citando "times" e "próximos jogos". "Interessante notar a mensagem eletrônica apreendida na Galvão (...) intitulada 'Jogo', na qual há referência a 'reunião com todos os times para discussão dos próximos jogos', a indicar que – nos termos das 'Regras do Campeonato Esportivo' – faziam referência às empresas integrantes do cartel ('times') e a reunião na qual seria discutida a divisão das próximas licitações ('próximos jogos')." Desvios da Petrobras Além dos R$ 35 bilhões que o Cade estima que tenham sido alvo de cartel das fornecedoras da Petrobras, há também cálculos de desvios de dinheiro da estatal que teriam ocorrido por meio do pagamento de propinas e superfaturamento de contratos. A Polícia Federal estima que as irregularidades na petroleira descobertas pela Lava Jato pode chegar a R$ 42,8 bilhões, de acordo com o laudo de perícia criminal anexado pela corporação em um dos processos da operação. Já a própria Petrobras calcula que o prejuízo em seus cofres com desvios provocados pela corrupção atingiu R$ 6,2 bilhões. O valor foi anunciado em dois diferentes balanços da petroleira ao longo de 2015.