ROMARIA DE FINADOS: 10 mil fiéis se despedem de Juazeiro

Juazeiro do Norte Com o comparecimento de aproximadamente 500 mil pessoas, a Romaria de Finados 2012 terminou de forma tranquila. Nenhum óbito foi registrado entre os dias 28 de outubro e ontem. A celebração de encerramento aconteceu ao meio-dia, com a despedida dos romeiros, na Basílica de Nossa Senhora das Dores. No momento, muitos fieis já tinham retornado aos seus lugares de origem, no intuito de visitar os túmulos de seus entes queridos. Porém, cerca de 10 mil permaneceram para receber a bênção.

Missa na Basílica. Dois Estados destacaram-se por enviar um número de fieis relevante, Sergipe e Pernambuco, respectivamente, 3.081 e 8.061 

O roteiro final foi composto de uma acolhida com cânticos de louvor, reflexões feitas pelo bispo diocesano Dom Fernando Panico, bênção dos símbolos religiosos e pertences e pelo cântico de despedida, onde, por meio da interseção dos santos, os romeiros renovaram a esperança em retornar à cidade de Juazeiro no próximo ano.

O dia dedicado à memória dos finados foi marcado pela emoção e pela alegria em poder estar celebrando a data. Segundo o pároco da Igreja Matriz, Joaquim Cláudio, a Igreja Católica mobilizou todos os seus templos no mundo. Mas, em Juazeiro do Norte, foi diferente. "Aqui as celebrações de finados não são tristes. Os romeiros, movidos pela esperança na ressurreição, dão vivas e batem palmas. Essa é a nossa festa", revela.

Confissões

Para receber as demandas por confissões, os padres locais uniram-se com os sacerdotes romeiros. Eles dividiram-se em grupos, distribuídos entre os diversos santuários. Nas ruas da cidade, a igreja instalou tendas que serviram como pontos de evangelização, onde os romeiros deram seus testemunhos de fé. A atuação nesta ação ficou por conta das comunidades carismáticas, atualmente presentes.

A Romaria de Finados diferencia-se pela dispersão dos romeiros por várias partes da cidade. A característica principal é a presença de diversos caminhões pau de arara, meio de transporte de passageiros tradicional que é referência para os pagadores de promessas. Para eles, o desconforto dos veículos deste tipo é uma forma de penitência.

Destaques

Dois Estados destacaram-se por enviar um número de fieis relevante, Sergipe e Pernambuco, de onde vieram, respectivamente, 3.081 e 8.061, de acordo com os dados do Cadastro de Fretantes e Responsáveis de Romarias, da Pastoral da Romaria. Ao todo, apenas 16.847 pessoas realizaram o registro. Segundo a igreja, calcula-se que o gasto médio dos romeiros com a viagem até a terra do "Padim", este ano, variou entre R$25 e R$150. O dinheiro é proveniente do trabalho no campo, já que muitos dos devotos são agricultores de base familiar. As hospedagens nas casas de famílias, que no período viram ranchos, custaram cerca de R$ 30. Hotéis e pousadas ficaram lotados.

Economicamente, os turistas deixam no comércio local uma renda relevante. Mas, segundo eles, a cidade ainda tem dificuldades estruturais e apontaram o trânsito, a poluição das ruas, a falta de segurança e de água como os principais agravantes. Para a igreja, é preciso fortalecer as parcerias entre ela e o poder público, no sentido de proporcionar maior assistência a quem chega a cidade.

De acordo com o secretário de Turismo e Romarias do Município, José Carlos do Santos, para os dias do evento, em virtude das obras estruturantes que estão sendo executadas, como a construção da Praça do Marco Zero, estacionamento dos ônibus e caminhões de romeiros e Roteiro da Fé, foi realizada uma adequação do plano de ordenamento dos espaços públicos.

Ele afirma que houve avanços nas políticas públicas de acolhimento que irão refletir no futuro. "Com a conclusão das obras iremos fortalecer o acesso dos romeiros à cidade e a realização das atividades religiosas, além de embelezar a cidade. Essa é uma conquista significativa para a preservação deste fenômeno de Juazeiro", conta.

Durante a Romaria de Finados, os locais mais visitados são a Basílica de Nossa Senhora das Dores, Capela do Socorro, Igreja do Sagrado Coração de Jesus, Santuário de São Francisco e Horto. Porém, o ponto de maior destaque foi o túmulo do Padre Cícero, na Capela do Socorro. Pelo local, estima-se que passaram mais de 600 mil pessoas, entre moradores do município e visitantes, que deixaram flores, intenções, fizeram orações, choraram e acenderam velas.

O jazigo do monsenhor Murilo de Sá Barreto, que está na Matriz, também teve um fluxo representativo. No templo dos Franciscanos, o Passeio das Almas, sacralizado pelos romeiros tornou-se o principal atrativo durante o período. Lá, os devotos fizeram suas rezas espontâneas e cantaram em favor dos falecidos. A passagem pelo espaço representa uma forma de exaltar a lembrança dos sentimentos pelos mortos.

Mais informações:

Centro dos Romeiros de Juazeiro
Endereço: Rua Dom Pedro II, 1246-Centro
Juazeiro do Norte, Ceará
Telefone: (88) 3511.1844

 

Peregrinações são tema de pesquisa

A fé e o consumismo se misturam nas relações da cidade com os romeiros. As emoções exacerbadas dos devotos se confrontam com a frieza dos comerciantes

Diante da tensão entre moradores e romeiros, que ainda é frequente em Juazeiro do Norte, a professora Maria Paula Cordeiro realizou uma pesquisa sobre esses períodos de peregrinação religiosa. Como resultado de 14 anos de estudos sobre o tema, ela percebeu que atualmente existem diversas formas de enxergar os eventos, principalmente nos eixos político, econômico e devocional. No ano passado, a estudiosa lançou um livro que relata os dinamismos das romarias. O título, "Entre Chegadas e Partidas" está sendo distribuído entre pesquisadores das áreas de antropologia e sociologia, para que outras observações possam contribuir academicamente.

Para a pesquisadora, as romarias sã´o eventos que envolvem demandas diferentes relacionadas à devoção, diversão e consumo. Para a economia local, esses períodos representam momentos em que o comércio de bens e serviços vivencia um forte aquecimento das vendas, de produtos não apenas de natureza religiosa, já que muitos visitantes se abastecem de mercadorias que não existem em variedade em seus locais de origem. Na política, que está diretamente associada ao setor econômico, na medida em que gera desenvolvimento, os órgão públicos realizam investimentos que fomentam a iniciativa. Já no campo devocional, as práticas romeiras auxiliam na manutenção das tradições culturais e religiosas.

Mudanças

Entretanto, Maria Paula Cordeiro aponta que, nos últimos anos, os significados das ações vivenciadas pelos romeiros têm passado por mudanças relevantes, principalmente nas atividades de lazer e diversão dos grupos de visitantes. Além da religiosidade, a busca vem sendo por balneários, clubes recreativos, shoppings, festas de forró e outras formas de divertimento. De acordo com a estudiosa, futuramente, poderá haver um esvaziamento de conteúdos religiosos.

"As visitas aos lugares sagrados em várias situações se apresentam como mais um item de um extenso roteiro de visitação. É como se as romarias estivessem se "turistificando". Esse não é um processo tranquilo, pois pode provocar perda dos significados religiosos e isso não é desejável, do ponto de vista da Igreja", argumenta Maria Paula.

O interesse em perceber a multiplicidade das romarias levou a pesquisadora a superar os estereótipos impostos à figura dos romeiros, que se caracterizam com chapéu na cabeça e rosário no pescoço.

Para ela, os devotos são apenas uma categoria entre muitas que dinamizam as romarias, como os festeiros, acompanhantes e os que estão à passeio que se identificam mais com o contexto de sociabilidade ao invés de procurarem a religião de uma forma mais profunda. Na sua avaliação, a tríade de interesses gera o consumismo dos locais tidos como sagrados, caracterizando experiências mais visuais do que devocionais. Em sua pesquisa, Maria Paula mostra que as novas gerações sofrem mais influências de aspectos não religiosos. Segundo ela, para os jovens, a cidade aparece como um lugar a ser explorado em todas as suas reais potencialidades.

Juventude

No momento, Maria Paula está realizando um levantamento sobre cenário da religiosidade vista pela juventude caririense. O estudo ainda está em fase inicial, onde estão sendo elaborados os instrumentos de coleta de dados e a definição das amostras.

Mas a expectativa é que as análises auxiliem no entendimento de como as demandas culturais contemporâneas e os meios de comunicação repercutem na escolha das ideologias.

A proposta é verificar por que as famílias estão mais flexíveis quanto à transmissão desses valores, o que implica em um quadro amplo de opções de religiões. Como hipóteses a pesquisa irá utilizar as avaliações do conservadorismo da Igreja Católica, que pode ser um dos elementos para a abertura de espaços no mercado religioso.

YAÇANÃ NEPONUCENA
REPÓRTER