Romeiros relatam histórias de superação pelo instrumento da fé

Romeiros relatam histórias de superação pelo instrumento da fé Por Antonio Rodrigues [caption id="attachment_157272" align="alignleft" width="300"] Maria José agradece a recuperação do filho, que luta contra o alcoolismoFoto: Kid Júnior[/caption] A cidade de Juazeiro do Norte, no Cariri cearense, é hoje um dos principais destinos religiosos no Nordeste. Todos os anos, cerca de 2,5 milhões de católicos visitam o Município para pedir graças e agradecer supostos milagres A agricultora Zefinha Coloia da Silva engravidou quatro vezes, mas em todas elas os bebês nasceram mortos. Na quinta oportunidade, seu marido, o ferreiro Mauro Sousa se apegou ao Padre Cícero e fez a promessa de que, se seu filho sobrevivesse ao parto, batizaria com o nome do sacerdote. E assim o fez. Há 62 anos, veio ao mundo Cícero Sousa que, vestido com uma batina preta, entrou neste fim de semana de joelhos na Capela do Socorro em direção ao túmulo do "padrinho". Este ritual se repete desde 1990 quando Cícero disse ter se curado de uma doença através da fé. Quando ajudava seu pai, falecido em 2005, na oficina onde fabricavam facas, foices, enxadas, entre outras peças, Cícero teve um ataque epilético, caiu sobre o carvão quente e sofreu fortes queimaduras nas costas. "Eu pedi para o Padre Cícero ajudar. Se eu sarasse e pudesse dirigir, levaria até Juazeiro uma (escultura) cabeça". O "milagre" aconteceu. Cícero diz ter ficado curado e, desde então, há quase três décadas, transporta, de graça, os romeiros de Pinhão (Sergipe), sua cidade, até Juazeiro do Norte. Sua ida a Juazeiro do Norte começou em um carro pequeno mas, vendo o número de devotos na estrada, rezou para conseguir trocá-lo por um ônibus. Agora, consegue transportar mais de 40 conterrâneos para a Romaria de Finados. Alguns ajudam com o óleo. "Não quero frete. Quem tem dinheiro para ajudar e quem não tem trago do mesmo jeito", garante. Até mesmo comida, Cícero oferece aos romeiros. Seu sonho é que, após sua morte, um de seus três filhos mantenha a tradição de trazer os devotos de Pinhão. Motorromaria A fé no "padrinho" também alcança aqueles que escolheram viajar até a "terra santa" do sertão nordestino em duas rodas. O encanador aposentado Jeová da Silva Correa, 72, mesmo com a idade avançada, faz o trajeto de quase 600 quilômetros entre São Sebastião (AL) e Juazeiro do Norte. A primeira viagem aconteceu em 2000, mas o grupo foi se ampliando e, agora, 18 motoqueiros realizam o percurso em devoção ao sacerdote. "Comecei a espalhar a notícia e o grupo foi crescendo", conta. A escolha em viajar durante a Romaria de Finados se deu pelas histórias de milagres que ouvia de seu avô Isaias, grande devoto do Padre Cícero. Com o santo, seu primeiro pedido foi comprar uma moto. "Era uma que a gente chamava de 'cabeça de porco'", lembra. Três viagens ainda foram feitas em sua garupa. Depois, sofrendo com problemas na coluna, hérnia de disco e bico de papagaio, o aposentado rezou para ter forças de continuar viajando até Juazeiro. Funcionou. Mesmo que, ao longo da estrada, pare cinco vezes para descansar. Na Romaria de Finados de 2013, o grupo de Jeová já estava chegando em Barbalha, município vizinho à terra do Padre Cícero, quando um dos motoqueiros sofreu um grave acidente. Os viajantes se depararam com fogo na beira da pista e, um deles, tentando desviar, acabou entrando na contramão e foi colhido por uma van. O homem era o gerente de lojas Josilan dos Santos, de 30 anos, que fazia sua primeira viagem. Infelizmente, ele acabou morrendo após 40 dias internado. "O sonho dele era conhecer o Padre Cícero. Mas, depois disso, ninguém desistiu". Perseverança Esta é a 25ª viagem que Antônio Galdino da Silva, 90, faz de São Bento do Una (PE) até Juazeiro, para participar da Romaria de Finados. Ansioso, sequer conseguiu dormir e logo cedo, na manhã de ontem (2), já estava de pé, visitando o túmulo do Padre Cícero, na Capela do Socorro. Pela idade avançada, sua esposa Iraci Francisco da Silva, 84, e ele acompanharam a missa sentados em um batente. Mesmo sem conseguir enxergar o altar pela multidão de pessoas, os dois assistiram atentos as palavras do bispo Dom Gilberto Pastana, que conduziu a celebração. Para o aposentado, a viagem até Juazeiro do Norte começa muito antes de outubro. "Vou juntando minhas pratinhas de real e guardo". Há 12 anos, conduz sua fé através das "obras" que o "padrinho" fez na sua vida. Primeiro, se curou de um câncer de próstata e, depois, escapou de perder a visão do olho direito. "Enxergo tudo com esse aqui, graças a Deus", reforça. A pé, ainda percorre quase todos os tempos religiosos. Do Santuário de São Francisco à Basílica de Nossa Senhora das Dores. Da Capela do Socorro à Igreja dos Salesianos. A esposa começou a participar da romaria há sete anos. Diferentemente das promessas mais comuns, ela fez um pedido bem particular ao Padre Cícero: forças para parar de fumar. Há pouco tempo, a aposentada sofreu com uma grave pneumonia que quase lhe tirou a vida. "O médico queria que eu ficasse internada. Eu preferia morrer em casa do que ficar no hospital". Hoje ela se diz livre do vício. Milagre O filho de Maria José de Sousa, 77, deu entrada no hospital numa quarta-feira, em coma. Foram dois dias desacordado e mais quatro na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A aposentada não consegue explicar o problema de saúde de Josimar. "Deu um desmaio nele", simplifica. O médico já havia sentenciado que o "filho está nas últimas". Ao visitá-lo, de manhã, rezou pedindo a Deus e ao Padre Cícero para salvá-lo. À tarde, ele já havia acordado, suplicando por ela. Josimar sobreviveu e, desde então, Maria viaja de Igarassu, Pernambuco, à Juazeiro do Norte para pagar promessa. Toda de preto, subiu as escadarias da Colina do Horto de joelhos até a estátua do fundador de Juazeiro do Norte. "Eu confio muito nele. Foi um milagre que ele concebeu". Agora, após a recuperação no hospital, a aposentada pede "muita força" para cuidar do filho que tem problemas mentais e sofre com o alcoolismo. "Tem hora que eu choro. Só Jesus, meu padrinho e minha mãe das Dores para dar força a mim", admite. Com esperança e fé, se mantém de pé, pedindo mais uma graça. "Só deixo de vir quando eu morrer".