RESGATE CULTURAL - Sanfoneiro coleciona 23 peças raras

Os equipamentos traduzem os anos de história do Brasil. O de oito baixos se tornou mais famoso, pela forma de obter as notas, que requer talento e habilidade

Juazeiro do Norte. Um apreciador de coisas raras do sertão quer entrar para o livro dos recordes (Guiness world records), como o maior colecionador de fole de oito baixos do planeta. José Galvão de Oliveira possui 23 peças raras do famoso 'pé de bode', um instrumento que ele calcula até pouco mais de dez anos para estarem extintos os músicos que possam saber tocar.

Admirador da arte e costumes do Nordeste, José Galvão coleciona peças raras usadas na região, já consideradas extintas. Até o mês de julho deste ano ele pretende realizar um evento para homenagear as pessoas que contribuem para que a cultura nordestina se torne mais forte e as velhas tradições sejam preservadas ao longo dos anos.

Segundo ele, o evento será realizado de 21 a 23 de julho deste ano, datas de comemoração do aniversário da cidade, da sedição de Juazeiro, de 1914, além da celebração dos 80 anos de morte do Padre Cícero.

Vez por outra José Galvão expõe suas peças em eventos da região, a exemplo da mostra Sesc Cariri de Culturas. Esse ano a pretensão é levar para o Museu do Sertão, na Vila Carité, em Juazeiro do Norte, numa área de 21 mil metros quadrados.

Não tem dinheiro público no local. Por vários anos procurou apoio para o seu projeto, mas não teve avanços, já que segundo ele, as autoridades não estão muito interessadas em preservar esse aspecto da história cultural do Brasil.

Ao longo de sua vida, José Galvão já com 65 anos, foi buscando aprender a tocar o instrumento que considera difícil de obter as notas. "Sou um dos mais novos tocadores de oito baixos do mundo", diz ele, ao falar de suas peças raras.

Os instrumentos traduzem os anos de história do Brasil, desde os seus primórdios, com o fole de quatro baixos, passando por 12 baixos, entretanto o de oito se tornou mais famoso, pela forma de obter as notas de forma rudimentar, que requer talento e habilidade do músico.

A pretensão de José Galvão de registrar o feito de colecionador se deu desde que participou do primeiro encontro das culturas populares da América do Sul, na cidade de Brasília, onde estavam reunidos diversos colecionadores e músicos de várias partes do mundo. Disse que durante o evento fizeram um levantamento das pessoas que colecionavam acordeons e foles de oito baixos. Não deu outra, a pessoa que mais tinha os instrumentos contava com doze. Galvão praticamente duplicava a coleção e por isso chegou a ser aclamado pelos que intencionavam junto com ele levar o colecionador brasileiro a registrar o feito.

Costumes

Para o músico, que faz questão de andar pela cidade levando a característica de aboiador do sertão, com o velho chapéu e as botas de couro pelas ruas da cidade, manter a tradição nordestina, sua culinária e os hábitos são condições essenciais de manter a cultura forte, que a cada dia está sendo apagada em virtude da agressão dos veículos de massa. "O conhecimento da nossa cultura tradicional está desaparecendo e precisamos cuidar", diz ele.

São peças em que pouco se houve falar hoje em dia, até mesmo no meio do sertão, como 'arriação de capataz', 'argolins' e metais utilizados há vários anos.

José Galvão tem ido às salas de aulas levar a boa nova, tão antiga quanto o descobrimento, e que hoje fazem parte de uma coleção de baú que ele quer deixar na memória, como forma de utilização dos antepassados para sobrevivência.

Instrumentos como uma 'harmônica de barro', bastante utilizada em festas populares religiosas estão na sua coleção. É um homem simples, mas um pesquisador nato do instrumentos, e suas características desde o metal utilizado para confeccionar cada uma delas, e a mudança de nota que ocasiona.

Um dos seus filhos, o músico Iranildo Galvão, passou a ser um dos poucos tradutores de notas em acordeons da língua alemã, como ele chama, para o habitual acorde nordestino, o cibemol. "É o transporte da nota", explica.

O músico, acordeonista e folclorista gaúcho, Renato Borghetti, foi um dos desafiados por Galvão para conseguir fazer essa mudança, mas não conseguiu.

São mais de três mil anos da história do instrumento, que começou a ser feito com duas peças de couro, segundo José Galvão.Ele diz que não é simplesmente tocar um instrumento como o acordeom, mas há diferenças gritantes. "Muita gente que toca o oito baixos verdadeiro, não consegue tirar notas da 'concertina', instrumento em que se abre o fole pressionando um botão, para obter uma nota musical". Os foles de oito baixos evoluíram ao longo dos anos, e vai até 120 baixos, mas para José Galvão o importante é ter de explicar como funciona o instrumento que de tão popular um dia se tornou rato, diante dos já modernos acordeons. Um deles é um alemão, Koch.

Exposição

Instrumentos utilizados pelos tropeiros, de Norte a Sul do Brasil, serão apresentados também no Museu do Sertão. A iniciativa é particular, com investimentos de mais de R$ 350 mil, sem apoio governamental, mas apenas de algumas instituições que apostaram na ideia.

Charretes antigas, carroças são montadas e instrumentos encomendados de várias partes, para chegar até o proprietário do museu. "É importante termos o reconhecermos a importância do trabalho dos tropeiros, que movimentaram a economia deste País por um bom tempo", diz.

O colecionador de coisas raras do sertão nordestino admite ter armas que foram utilizadas durante a guerra de 14, em Juazeiro do Norte, mas não sabe se poderá expor esses instrumentos em seu museu. "Vou contar uma história mostrando as peças", frisa ele.

Até os animais foram adquiridos. Ele comprou 14 burros e uma égua, para demonstrar como é feita uma festa de apartação. Em mais de uma década com dedicação ao espaço, ele espera contribuir com os saberes populares e dar a sua contribuição. Atualmente chega a ser convidado pelas escolas para dar aulas sobre os instrumentos.

Pela sua paixão pela história dos antepassados, José Galvão se tornou uma dessas figuras tradicionais. Normalmente se veste de boiadeiro, com um chapelão, para tocar no assunto de música e cultura.

Ele pretende realizar o sonho de fundar em Juazeiro do Norte o Museu do Sertão. "Se agente não mostrar essa arte ela vai morrer", alerta Galvão ao acrescentar que é a identidade do Nordeste está em jogo, por isso a sua constante preocupação. (ES)

Mais informações:

Galvão do Juazeiro
Rua Formosa, 368
Pio XII
Juazeiro do Norte
Telefone: (88) 9999.3070