‘Governo Lula vai encontrar situação fiscal desastrosa’, diz Scheinkman
Os desafios são vários e incluem a definição de nova âncora fiscal para substituir o teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesas públicas
Por Vitor da Costa — Rio
José Alexandre Scheinkman, economista e professora da Universidade de Columbia, nos EUA Mila Maluhy / Divulgação/Insper
Para o economista e professor da Universidade de Columbia, será preciso negociar orçamento factível, que inclua auxílio de R$ 600
O recém-eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai se deparar com uma situação fiscal “desastrosa” e terá que reorganizar o país economicamente. O primeiro passo terá de ser a negociação de um Orçamento compatível com as despesas já planejadas, como o pagamento de um benefício de R$ 600, avalia José Alexandre Scheinkman, professor de Economia da Universidade de Columbia.
Os desafios são vários e incluem a definição de nova âncora fiscal para substituir o teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesas públicas. O economista recomenda ainda que o novo governo leve adiante uma reforma tributária, questão-chave na percepção do investidor.
Mas a reação dos investidores ao pleito também explicita a avaliação de que o novo governo pode se tornar uma potência verde. O avanço do desmatamento na Amazônia vinha se transformando cada vez mais em ameaça a exportações de produtos brasileiros e investimentos no país.
São propostas complexas para um governo eleito por margem apertada e que lidará com Congresso de perfil mais alinhado ao do atual mandatário.
Como o senhor avalia a reação do mercado ao resultado? O que está sendo levado em conta?
A chegada do Lula é muito positiva para o Brasil. O país tem uma enorme oportunidade para a questão do clima, com o Brasil podendo se tornar uma potência verde. É uma diminuição do risco para o agronegócio. A destruição climática que está acontecendo na Amazônia teria, em um prazo não muito longo, um efeito para o regime de chuvas no Centro-Oeste brasileiro.
E o resto do mundo entende a importância da Amazônia e parecia disposto a colocar barreiras nas exportações brasileiras para tentar mudar a atitude do governo, o que não deve estar mais no horizonte. O custo de uma contestação (ao pleito) seria alto do ponto de vista da economia. Iria desorganizar várias coisas. Se de fato, a ausência de contestação se tornar clara, isso deixa qualquer investidor mais tranquilo.
Qual é o quadro fiscal que o novo governo vai encontrar? E o que deve ser prioridade agora?
O governo Lula vai encontrar uma situação fiscal realmente desastrosa. É aquele termo que foi usado quando o PT chegou ao poder, após o governo FH (Fernando Henrique Cardoso), de herança maldita. Daquela vez era falso, agora, é verdadeiro. Isso é que deveria guiar a política governamental no curto prazo, como é que se reorganiza o Brasil economicamente.
O Orçamento de mentirinha que foi estabelecido pelo governo não é um bom ponto de partida. De alguma maneira, você vai ter que pensar em um Orçamento que seja factível, que inclua despesas que já estão planejadas.
Ambos os candidatos prometeram que o Auxílio de R$ 600 continuaria, mas a verdade é que isso não está no Orçamento que o governo Bolsonaro mandou para o Congresso. Isso é só um exemplo. Há uma falta total de investimentos na educação, na saúde. As nossas universidades estão completamente desassistidas.
E como fica o substituto para o teto de gastos?
O teto fiscal funcionou razoavelmente bem, mas foi bagunçado. Violações no espírito do teto ocorreram desde (a proposta de emenda constitucional dos) precatórios e continuaram com o Orçamento secreto e outras alterações.
Não vamos retomar no ano que vem a regra fiscal que nós tínhamos antes da bagunça com o Bolsonaro. Países como o Chile têm uma regra que quando a economia está indo bem, o governo acumula superávit. Depois, quando a economia desacelera, (os recursos) podem ser gastos.
Quais são as reformas que o novo presidente pode levar adiante no próximo ano?
Além de criar algum arcabouço fiscal, o Brasil deveria tentar simultaneamente uma reforma tributária. A reforma tributária seria muito útil para o Brasil. Uma reforma, nos moldes daquela que estava sendo formulada no governo (de Michel) Temer, aumentaria muito a eficiência da economia brasileira. A economia brasileira tem regras de impostos que são realmente alucinadas.
A regra no resto do mundo é você ter um imposto sobre o valor adicionado mais uniforme possível. E no Brasil, o imposto não é majoritariamente sobre o valor adicionado, e há outras exceções. Todas essas regras distorcem as escolhas dos investidores. Hoje, você tem um tratamento diferenciado do serviço e produto. O governo tem que pensar quando está propondo reformas qual é o apoio que ele terá no Congresso.
O governo Bolsonaro não avançou nas privatizações no ritmo esperado, embora tenha aprovado marcos regulatórios. As ações podem ser revistas?
A privatização da Eletrobras foi mal feita, principalmente pela ideia de levar usinas a gás para lugares que não tem gás nem demanda. Criou-se um marco para o saneamento, área que não funcionava bem.
É muito difícil que eles tentem reverter. Como disse Lula, ele vai herdar grandes problemas do governo Bolsonaro. Ficaria muito surpreso que esse marco do saneamento fosse alterado. Ele pode ser aprimorado.
A vitória apertada e o perfil do Congresso vão afetar o comportamento do governo?
Foi eleito um Congresso ruim. A turma do orçamento secreto ganhou posições. Isso faz com que qualquer governo tenha mais dificuldade para governar. Vai exigir do presidente muita habilidade para governar e aprovar propostas que façam sentido para a economia brasileira.
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