Assembleia Geral da ONU suspende Rússia do Conselho de Direitos Humanos
Iniciativa liderada pelos EUA teve 93 votos a favor, 24 contrários e 58 abstenções, incluindo o Brasil
O embaixador da Ucrânia na ONU,Sergiy Kyslytsya, fala durante uma votação na Assembleia Geral da ONU quesuspendeu a Rússia do Conselho de Direitos Humanos Foto: TIMOTHY A. CLARY / AFP
O Globo e agências internacionais
GENEBRA — A Assembleia Geral das Nações Unidas votou pela suspensão da Rússia do Conselho de Direitos Humanos da ONU, com sede em Genebra, em uma iniciativa liderada pelos EUA. Foram 93 votos a favor, 24 contrários e 58 abstenções. O Brasil se absteve, ao lado de Índia e África do Sul, países que integram o Brics junto com a China — que votou contra — e a própria Rússia. Apenas 175 dos 193 países-membros da ONU participaram da votação.
Na segunda-feira, a embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, havia feito o apelo para que a Rússia fosse afastada de seu assento no conselho de 47 membros depois que a Ucrânia denunciou um "massacre" de civis na cidade de Bucha, nos arredores de Kiev. Vídeos e fotos de cadáveres nas ruas da cidade após a retirada dos soldados russos, na semana passada, provocaram repulsa global, enquanto a Rússia negou que suas tropas fossem responsáveis por execuções de civis.
— Acreditamos que os membros das forças russas cometeram crimes de guerra na Ucrânia e acreditamos que a Rússia precisa ser responsabilizada — disse Thomas-Greenfield. — A participação da Rússia no Conselho de Direitos Humanos é uma farsa.
O resultado representa mais uma derrota diplomática da Rússia na Assembleia Geral, que já aprovou duas resoluções contrárias à invasão da Ucrânia, ambas com mais votos a favor do que a votação de hoje. Em 2 de março, um texto aprovado com 141 votos — incluindo o do Brasil — e apenas cinco contra, além de 35 abstenções, pediu a retirada imediata das tropas russas. Em 24 de março, uma resolução sobre ajuda humanitária no conflito, aprovada com 140 votos a favor, cinco contra e 38 abstenções, pediu o fim das hostilidades e voltou a condenar a Rússia pelo ataque.
Após a votação, a Rússia disse que a suspensão é “ilegal” e “motivada politicamente”. Já o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia saudou a medida. “Os criminosos de guerra não têm lugar nos órgãos da ONU destinados a proteger os direitos humanos. Grato a todos os Estados-membros que apoiaram a resolução e escolheram o lado certo da história”, escreveu o chanceler Dmytro Kuleba, no Twitter.
O Conselho de Direitos Humanos da ONU é alvo frequente de críticas por ter entre seus 47 membros rotativos, renovados a cada dois anos segundo critérios geográficos, países frequentemente acusados de violações. Na atual composição, por exemplo, fazem parte do Conselho, além da Rússia, a China, o Catar, a Venezuela, a Líbia, a Eritreia e os Emirados Árabes Unidos.
O mandato atual da Rússia no organismo terminaria em 2023, junto com o da Ucrânia. A resolução de março de 2006, que criou o Conselho para substituir a antiga Comissão de Direitos Humanos da ONU, diz que a Assembleia Geral pode suspender um país “que cometa violações graves e sistemáticas dos direitos humanos”.
À diferença da antiga Comissão, no Conselho todos os países da ONU são submetidos a avaliações periódicas. Os EUA deixaram o organismo no governo de Donald Trump e voltaram sob Joe Biden, sendo eleitos para uma cadeira rotativa no ano passado.
A curta resolução aprovada nesta quinta expressa “grave preocupação com a atual crise humanitária e de direitos humanos na Ucrânia, particularmente com os relatos de violações e abusos dos direitos humanos e violações do direito internacional humanitário pela Federação Russa, incluindo violações graves e sistemáticas e abusos dos direitos humanos”.
Brasil fala de polarização
Na América Latina, além do Brasil, apenas o México se absteve. Boa parte das nações africanas e algumas asiáticas, como a Indonésia, também preferiram não escolher entre sim ou não.
O embaixador brasileiro na ONU, Ronaldo Costa Filho, justificou a abstenção do país com o argumento de que o Conselho de Direitos Humanos ainda precisa concluir o inquérito aberto no início de março para apurar os crimes cometidos na Ucrânia, processo que pode levar meses. Em comunicado, o Ministério das Relações Exteriores brasileiros afirmou que a “iniciativa implicará polarização e politização das discussões do Conselho”, podendo “resultar no desengajamento dos atores relevantes e dificultar o diálogo para a paz”.
Já na lista de países que votaram contra a suspensão estão Bielorrússia, China, Bolívia, Cuba, Coreia do Norte, Irã, Nicarágua e Síria. Em sua justificativa, o embaixador chinês na ONU, Zhang Jun, afirmou que os direitos humanos não podem ser "politizados".
— Essa resolução não foi redigida de modo aberto e transparente e agrava as divisões entre os Estados-membros, jogando gasolina no fogo — disse.
No início de março, em carta aberta, 49 organizações da sociedade civil de diferentes países haviam pedido a suspensão da Rússia do Conselho de Direitos Humanos, entre elas a Conectas, ONG brasileira credenciada na ONU.
Para as ONGs, a Rússia “está cometendo [na Ucrânia] violações generalizadas e sistemáticas do direito internacional dos direitos humanos”, o que inclui “violações dos direitos à vida, autodeterminação, liberdade e segurança da pessoa, liberdade de movimento, expressão, associação e reunião, liberdade de interferência arbitrária na privacidade e no lar, proteção da família e direitos à saúde, habitação, educação, saneamento e água”.
A Human Rights Watch afirmou nesta quinta-feira que a “votação foi histórica” e criticou a posição do Brasil.
“A [comunidade internacional] deixou uma mensagem clara de que um país que reiteradamente comete violações tão terríveis de direitos humanos não tem lugar neste Conselho”, disse. “Ao se abster desta votação histórica, o Brasil vai na direção contrária da comunidade internacional, virando as costas para as vítimas das atrocidades cometidas na Ucrânia. É lamentável a sua indiferença frente à enorme evidência de crimes de guerra.”
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