Eleição regional na Venezuela é teste para Maduro e para a oposição que quer derrotá-lo nas urnas

Além dos enviados da UE, estão no país outros 300 observadores, de 55 países, segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE),

Janaína Figueiredo

O opositor Henrique Capriles em campanha em Yare, no estado de Miranda; ele lidera a ala que aposta na via eleitoral contra o chavismo Foto: LEONARDO FERNANDEZ VILORIA / REUTERS 

Pela primeira vez em 16 anos, o chavismo permitiu observação internacional qualificada; opositores chegam à disputa por 23 governos estaduais e 335 prefeituras mais fragmentados do que nunca

A Venezuela realizará, neste domingo, uma eleição regional cujo resultado terá enorme impacto no cenário político local e nas estratégias do governo de Nicolás Maduro e de seus opositores. Não se trata, apenas, de eleger 23 governadores, 335 prefeitos e outras autoridades locais. O que está em jogo são as chances de o chavismo recuperar certa legitimidade externa — pela primeira vez em 16 anos haverá uma observação internacional qualificada, da União Europeia (UE) — e de a oposição, fragmentada em cinco coalizões, definir qual de suas vertentes terá mais peso daqui para frente.

Além dos enviados da UE, estão no país outros 300 observadores, de 55 países, segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), reformado recentemente por pressão opositora e internacional. Continua sendo um organismo questionado, que nesta eleição será submetido a uma prova de fogo. O relatório final da UE é aguardado com expectativa por todos os países que desconheceram a reeleição de Maduro em 2018, entre eles o Brasil.

Com a “Presidência interina” de Juan Guaidó se tornando insustentável do ponto de vista jurídico, a comunidade internacional debate como se relacionar com a Venezuela a partir de 2022, e o aval ou não às eleições regionais terá enorme peso nessa discussão.

No território nacional não há dúvida de que o chavismo é dominante, embora pesquisas mostrem que hoje a intenção de voto nos candidatos do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) é de apenas 23%. Mas, fora do país, o governo tem sofrido derrotas relevantes, entre elas a extradição do empresário Alex Saab, para muitos testa de ferro de Maduro, de Cabo Verde para os EUA, e a decisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) de abrir uma investigação formal contra autoridades venezuelanas por supostos crimes contra a Humanidade cometidos após 2014.

Hoje, o PSUV detém 19 dos 23 governos estaduais, e 306 das 335 prefeituras. Das quatro coalizões opositoras que participarão das eleições — a ala mais radical, entre eles a sigla Venha Venezuela, de Maria Corina Machado, não participa — duas são mais relevantes: a Plataforma Unitária, formada por partidos de peso como Primeiro Justiça (PJ) e Vontade Popular (VP), e a Aliança Democrática, liderada pelo ex-chavista e ex-candidato presidencial Henry Falcón.

Mas existem nuances, que são cruciais para entender o momento do chamado campo democrático venezuelano. O “governo interino” de Guaidó, ainda reconhecido por mais de 50 países, entre eles o Brasil, está formalmente na Plataforma Unitária, mas se manteve distante do processo eleitoral. Sabe-se que Guaidó, hoje uma figura desgastada em seu país, era contrário à participação eleitoral, mas dentro de seu partido, o VP, a discussão interna foi vencida pelos que pregam a rota eleitoral como melhor alternativa para provocar uma mudança.

Capriles versus Guaidó

Um dos principais defensores da necessidade de recompor a via eleitoral é o ex-governador do estado de Miranda e ex-candidato à Presidência Henrique Capriles, já posicionado para as presidenciais de 2024. O fracasso de Guaidó e seus aliados em conseguir uma rápida saída de Maduro do poder fortaleceu dirigentes como Capriles, que querem derrotar o chavismo nas urnas. Para o “governo interino”, eles são cúmplices do chavismo e estão condenados a perder eleições fraudulentas.

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— Ainda não podemos falar em eleições justas, livres, transparentes e verificáveis. O que os observadores internacionais disserem será fundamental para legitimar, ou não, a rota eleitoral como estratégia política — explica o analista Oswaldo Ramírez Colina, diretor da empresa de consultoria ORC.

Se o chavismo vencer dentro de regras consideradas democráticas, diz Colina, “as eleições serão legítimas. Mas isso não implica reconhecer pleitos do passado”. A jogada do governo, diz, “é retornar vitorioso à mesa de diálogo no México e voltar à carga com o pedido de flexibilização das sanções internacionais”.

Se, pelo contrário, a oposição que aposta na rota eleitoral conseguir um número expressivo de governos estaduais e prefeituras, o “governo interino” de Guaidó poderia sofrer um duplo revés: Maduro mostraria ao mundo que aceitou uma eleição democrática, e a oposição que participa se consolidaria para as presidenciais de 2024, enterrando outras vias de derrota do chavismo.

— Votar não é suficiente, mas deixar de votar tampouco — costuma dizer Capriles.

Na opinião da analista Argelia Ríos, “este é um processo eleitoral muito especial, porque as oposições competem contra o governo e entre si”.

— Vejo difícil uma vitória da oposição que participa. Sem união não existe paraíso na Venezuela. São tempos sombrios para os opositores do chavismo — afirma ela.

Pesquisas recentes mostram que 42% dos venezuelanos se consideram eleitores da oposição, mas desse total apenas 9% continuam respaldando o “governo interino” de Guaidó. Outros 36% não estão do lado da oposição nem do governo.

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