A descoberta da 'estrela impossível' que vai mudar a astronomia
Pesquisadores descobriram a 'estrela' usando detectores de ondas gravitacionais nos Estados Unidos e na Itália.
A colaboração LIGO-Virgo administra alguns dos instrumentos científicos mais ousados já feitos — Foto: EGO/VIRGO COLLABORATION/PERCIBALLI/BBC
Cientistas estão debatendo sobre o que poderia ser exatamente este objeto novo - mas tudo indica que muitas teorias terão que ser revistas
Por BBC
Cientistas descobriram um objeto astronômico que nunca havia sido observado antes.
Ele tem massa maior do que estrelas colapsadas (conhecidas como "estrelas de nêutrons") mas possui menos massa que buracos negros.
O novo objeto, uma espécie de "estrela de nêutrons negra", era algo que não se imaginava ser possível. Portanto, novas ideias de como se formam as estrelas de nêutrons e os buracos negros terão que ser formuladas.
A descoberta foi feita por uma equipe internacional de pesquisadores usando detectores de ondas gravitacionais nos Estados Unidos e na Itália.
Charile Hoy, um estudante de pós-doutorado da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, disse que a nova descoberta pode alterar a compreensão que temos da astronomia. Ele foi um dos pesquisadores da equipe.
"Não podemos descartar nenhuma possibilidade. Nós não sabemos o que é [esse objeto] e é por isso que tudo é tão animador, porque isso realmente muda o nosso campo de estudo."
Hoy é parte de uma equipe internacional trabalhando num projeto conhecido como Colaboração Científica Ligo-Virgo.
Colisão de buraco negro
O grupo internacional possui detectores de laser com vários quilômetros de alcance que captam pequenas ondulações no espaço-tempo causadas pela colisão de objetos massivos no Universo.
A informação coletada pode ser usada para determinar a massa dos objetos envolvidos.
Em agosto, os instrumentos detectaram a colisão de um buraco negro com massa 23 vezes maior do que a do Sol com outro objeto, que tinha 2,6 massas solares.
Isso faz com que o objeto mais leve seja mais massivo do que o tipo mais pesado de estrela morta (ou estrela de nêutron) já observado até agora - que tinha pouco mais que duas massas solares. Mas ele também era mais leve que o buraco negro mais leve já observado - com cerca de cinco massas solares.
Astrônomos têm pesquisado sobre esses objetos dentro de algo que eles costumam chamar de "buraco de massa".
Escrevendo na revista científica "The Astrophysical Journal Letters", os pesquisadores dizem acreditar que, entre todas as possibilidades, o objeto provavelmente seja um buraco negro leve, mas eles não estão descartando nenhuma hipótese.
Ilustração da Nasa mostra o momento em que estrela é "devorada" por buraco negro. O aro iluminado é composto por gases — Foto: Reprodução/Nasa
Depois de colidir com grandes buracos negros, o objeto não existe mais. No entanto, devem surgir novas oportunidades para se aprender mais sobre esses objetos de "buraco de massa" em futuras colisões, segundo o professor Stephen Fairhurst, também da Universidade de Cardiff.
"É um desafio determinar o que é isso", ele disse à BBC. "Seria o mais leve dos buracos negros já encontrado, ou a estrela de nêutrons mais pesada já encontrada?"
Se for mesmo um buraco negro leve, não existiria nenhuma teoria atual para descrever como esses objetos se formam. O professor Fabio Antonioni formulou uma hipótese de que em um sistema solar com três estrelas seria possível a formação de um buraco negro leve. Suas ideias começaram a receber mais atenção desde a nova descoberta.
Se no entanto este novo objeto for uma estrela pesada de nêutrons, as teorias sobre sua formação também teriam de ser revisadas, segundo Bernard Schutz, do Max Planck Institute em Potsdam, na Alemanha.
"Não sabemos muito sobre física nuclear das estrelas de nêutrons. Então as pessoas que estão olhando para equações exóticas que explicam o que acontece dentro delas devem estar pensando 'talvez isso seja evidência de que podemos ter estrelas de nêutrons bem mais pesadas'."
Tanto buracos negros como estrelas de nêutrons se formam quando as estrelas perdem seu "combustível" e morrem, segundo as teorias atuais. Se for uma estrela muito grande, ela entra em colapso para formar um buraco negro, que é um objeto com tanta força gravitacional que nem mesmo a luz escapa de seu alcance.
Se a estrela tiver massa abaixo de um determinado valor, uma opção seria que ela colapsasse em uma bola densa feita totalmente de partículas conhecidas como nêutrons, que são as mesmas que encontramos no núcleo dos átomos.
O material que forma estrelas de nêutrons é tão denso que uma pequena colher de chá dele teria peso de 10 milhões de toneladas.
Uma estrela de nêutron também possui gravidade potente que a mantém coesa, mas uma outra força entre os nêutrons, causada por um fenômeno de mecânica quântica conhecido como pressão de degenerescência, tenta afastar as partículas, funcionando como contraponto à força gravitacional.
As teorias atuais sugerem que a força gravitacional venceria esta pressão de degenerescência se a estrela de nêutron for maior que duas massas solares - causando um colapso que formaria um buraco negro.
De acordo com o professor Nils Andersson, da Universidade de Southampton, no Reino Unido, se o objeto misterioso for mais pesado que uma estrela de nêutron então os teóricos terão que repensar o que eles sabem sobre o interior destes objetos.
"A física nuclear não é uma ciência precisas onde sabemos tudo. Não sabemos como forças nucleares operam sob condições extremas de dentro de uma estrela de nêutron. Então cada teoria que temos atualmente sobre o que acontece dentro de uma delas tem algum grau de incerteza."
A professora Sheila Rown, diretora do Instituto de Pesquisas Gravitacionais da Universidade de Glasgow, disse que a descoberta desafia os modelos teóricos atuais.
"Mais observações cósmicas e pesquisa serão necessárias para se estabelecer se esse novo objeto é mesmo algo que nunca se viu antes ou se é o buraco negro mais leve já detectado."
https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2020/06/24/a-descoberta-da-estrela-impossivel-que-vai-mudar-a-astronomia.ghtml
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