Farc usam mineração para compensar perdas com narcotráfico
Da BBC
Atrás de uma trincheira, quatro militares conversam enquanto vigiam a entrada do aeroporto de Caucasia, cidade no noroeste da Colômbia que há vários anos integra a 'zona vermelha do narcotráfico', segundo definição do governo colombiano. O papo é interrompido pelo ronco de helicópteros Mi-17 que, de tempos em tempos, chegam à base para despejar dezenas de soldados e embarcar outros. Ao partir novamente, porém, é possível que as aeronaves não mirem plantações de coca, mas sim outra atividade que cada vez mais tem financiado grupos criminosos colombianos: a mineração de ouro.
Estimulados pela valorização de quase 100% no preço do minério desde o início da crise econômica mundial, em 2008, guerrilheiros das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), do ELN (Exército de Libertação Nacional) e grupos remanescentes de organizações paramilitares estão recorrendo ao garimpo para se sustentar.
A atividade, segundo a polícia colombiana, tem permitido a grupos no Baixo Cauca, região a que Caucasia pertence, compensar perdas no comércio de cocaína, dificultado desde que o governo de Álvaro Uribe (2002-2010) anunciou uma guerra contra o narcotráfico.
Além disso, de acordo com a polícia, as organizações têm usado o ouro para lavar dinheiro obtido ilegalmente.
'Enquanto leva quatro meses para que uma folha de coca cresça e há grandes dificuldades para exportá-la, a mineração é mais rentável e tem menos riscos', explica um policial à BBC Brasil.
Mudança de atividade
Carlos Medina, professor da Faculdade de Direito e Ciência Política da Universidade Nacional da Colômbia, diz que a nova estratégia também reflete o êxito do Plano Colômbia (política antidrogas patrocinada pelos Estados Unidos) em reduzir as áreas de cultivo de coca por meio de fumigações.
'Grupos que se dedicavam à produção da folha estão se deslocando a outra atividade que o território onde estão localizados permite: a mineração de ouro', diz.
Medina conta que o minério começou a ser explorado na região nos tempos coloniais, mas a extração se encontrava quase adormecida até que a escalada recente nos preços do metal voltou a torná-la altamente rentável.
'Minas que foram degradadas há 15, 20 anos voltaram a ser exploradas', disse à BBC Brasil o lojista Davidson Garcez, que compra e revende ouro em Caucasia desde 1986. Segundo Garcez, houve nos últimos quatro anos um incremento de 40% no comércio do minério na cidade.
Ele afirma que, quando ingressou no mercado, os mineradores que empregavam retroescavadeiras tinham de encontrar três castelhanos (ou 13,5 gramas) de ouro por dia para cobrir seus custos. Hoje, devido à valorização, basta que encontrem 1 castelhano (4,5 gramas) por dia.
A atividade aqueceu a economia de Caucasia, com a abertura de dezenas de casas de compra de ouro, joalherias e oficinas para reparar dragas e retroescavadeiras. No entanto, a associação entre a mineração informal e grupos criminosos, somada aos danos ambientais que ela acarreta, fizeram o presidente Juan Manuel Santos declarar que combatê-la é tão importante quanto lutar contra o narcotráfico.
Desde que tomou posse, em 2011, Santos tem ordenado operações militares para fechar minas e apreender máquinas. O governo agora prepara uma série medidas legislativas para aumentar ainda mais o controle sobre a atividade.
Propinas
Em um discurso feito em janeiro em Caucasia, o presidente colombiano disse que, além de controlar minas, guerrilheiros e grupos criminosos cobram propinas de outros mineradores para cada máquina utilizada no garimpo.
Os que se recusam a pagá-las são mortos ou têm os equipamentos destruídos.
A informação foi confirmada por todos os cinco donos de minas informais que a BBC Brasil entrevistou na cidade. Segundo um deles, para cada retroescavadeira empregada, deve-se pagar mensalmente um valor que vai de 1 milhão a 3 milhões de pesos colombianos (entre R$ 1 mil e R$ 3 mil).
Como há pelo menos mil retroescavadeiras em operação no Baixo Cauca, segundo estimam os mineradores, as propinas movimentam entre R$ 1 milhão e R$ 3 milhões por mês, ou até R$ 36 milhões por ano.
'Não entrego dinheiro a dez pessoas armadas porque são fulano ou sicrano: faço-o para defender a minha vida, porque nosso Estado não é capaz de cuidar dos seus cidadãos', diz à BBC Brasil o minerador Luis Carlos Paternostro. 'Aqui estamos à mercê dos mais poderosos, dos que tiverem mais fuzis.'
Com medo de represálias, Paternostro não diz qual organização o extorque. Mas a polícia de Caucasia afirma que, além das Farc e do ELN, gangues remanescentes do grupo paramilitar Forças Unidas de Auto-Defesa da Colômbia (AUC) estão envolvidas com o garimpo na região.
A AUC foi criada por fazendeiros e narcotraficantes nos anos 1990 para combater as guerrilhas esquerdistas da Farc e do ELN. O grupo, porém, passou a se envolver com o tráfico de drogas e promoveu massacres de civis.
Após um acordo de paz em 2006, 30 mil de seus integrantes entregaram as armas, mas logo vários voltaram à ativa ao se reagruparem em novas organizações, batizadas de bacrim (abreviação de 'bandas criminales').
De acordo com um policial, entre essas gangues, as mais fortes no Baixo Cauca são os Urabeños e os Rastrojos. Ele diz que as duas, assim como a guerrilha, atuam nas zonas rurais e costumam se deslocar a pé, em grupos altamente armados com no máximo 15 pessoas. Como conhecem bem a região, escondem-se quando os helicópteros do Exército se aproximam.
Segundo a polícia, conflitos entre as organizações levaram a uma escalada na taxa de homicídios de Caucasia, que chegou a 186 por 100 mil habitantes em 2010 (naquele ano, o índice em toda a Colômbia foi de 34 para 100 mil). No ano passado, porém, o índice caiu para 36 por 100 mil, redução atribuída por especialistas a acordos entre alguns dos grupos.
'Viramos bandidos'
Embora reconheçam o envolvimento das bacrim e da guerrilha com o garimpo de ouro, mineradores informais se queixam do tratamento que têm recebido do governo.
'Nos anos 1980, quando o governo precisava aumentar seus estoques de ouro, recorreram a nós. Agora, viramos bandidos', afirma o minerador Fábio Builez.
'Filho e pai de mineradores', conforme se define, Builez acompanhou as várias transformações na mineração de ouro no Baixo Cauca desde o início dos anos 1970. À época, conta ele, a extração era feita artesanalmente à beira de rios. No fim daquela década, porém, a mineração começou a ser mecanizada.
Segundo Builez, a valorização do ouro nos últimos anos reconfigurou a atividade outra vez, com a chegada dos 'mineradores de ocasião' - gente de todas as regiões do país disposta a investir ao menos US$ 200 mil para comprar máquinas, contratar funcionários e começar a explorar uma mina. O grupo, segundo ele, hoje responde por 80% de todos os mineradores no Baixo Cauca.
Para o professor Carlos Medina, o combate do governo à mineração informal serve a dois propósitos: sufocar a insurgência guerrilheira e recuperar territórios controlados por grupos ilegais para permitir o avanço de grandes mineradoras.
'Mas há um conflito: a concessão às transnacionais também gera prejuízos ambientais e não proporciona nenhum tipo de desenvolvimento regional', afirma.
'E no desenrolar dessa luta estão arrastando um tipo de mineração contemplada pela Constituição, que é a mineração artesanal, levada a cabo por camponeses em condições de extrema precariedade técnica, que com um ou dois gramas (de ouro) subsistem uma semana ou um mês.'
No entanto, o governo afirma que não dará as costas aos mineradores tradicionais. 'Queremos identificá-los para que se capacitem, tenham acesso a financiamento, a tecnologias e para que seus trabalhadores tenham segurança industrial e benefícios trabalhistas', disse à BBC Brasil o vice-ministro de Minas, Henry Medina.
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