Após viver por 5 anos em cárcere privado com meu ex-marido e conseguiu escapar
Mulher fala da violência sofrida com dois ex-maridos
'Após viver por 5 anos em cárcere privado com meu ex-marido e conseguir escapar, hoje ajudo mulheres em situação de violência doméstica'
Adriana Moreno diz que os maus tratos que sofreu do pai quando jovem continuaram na fase adulta, através dos companheiros. Após viver cinco anos em um relacionamento extremamente abusivo, no qual era proibida até de ter acesso ao celular e de ver o filho, hoje, Adriana é ativista ajudando mulheres que passaram violência doméstica e apoia a comunidade LGBTQIAP+
Por Paola Churchill, redação Marie Claire — São Paulo
"Se ser mãe solo agora é difícil, nos anos 1990 era pior ainda. Quando engravidei do Pedro, tinha 21 anos e tive que começar a me virar. Quando ele completou dois anos, conheci meu primeiro marido. Ele era policial e bastante agressivo, mas eu não tinha outro exemplo de como era uma família normal, então pelo fato dele tratar meu filho bem, eu tolerava. Cresci com um pai muito violento, sendo assim, acredita que 'deveria fazer todas as vontades' do homem.
Eu ficava em casa da família, mas deu uma hora que falei 'basta' e voltei a morar com a minha mãe na nossa casa em Campinas. Fiquei 5 anos por lá e a relação era complicada, pois ela falava que eu tinha que arrumar um emprego, mas a única coisa que sabia fazer era cuidar de casa, o que já é bem difícil.
Em 2010 foi quando conheci meu segundo marido. Ele era dono de uma confecção de roupas e no começo era tudo perfeito, ele se comportava como um verdadeiro cavalheiro. Então, depois de um tempo, pediu para que fôssemos morar juntos, mas só eu e ele, e o Pedro iria ficar na casa da minha mãe por um tempo.
Como sentia que era um peso, acatei e fui morar com ele. Tudo que passei com o meu primeiro marido nem se compara com o que iria viver com ele. Assim que pisei no apartamento, ele me deu um tapa e me estuprou. Tirou meu acesso à tecnologia, pois não queria que eu tivesse contato com minha família, e me tornei refém, mantida em cativeiro por mais de um ano.
Minha rotina era ser espancada, estuprada e sofria violência moral por parte dele. Não podia nem tirar o lixo. Quando ele deixava, não importava se tivesse um calor de 40 graus, tinha que ir vestida da cabeça aos pés.
Uma vez inclusive, desci para colocar o lixo e cumprimentei um vizinho. Quando cheguei em casa, ele mordeu minha língua com tanta força, que quase rasgou ela. Eu não pude ir para um hospital e tive que curar sozinha. Mas fiquei semanas com a língua tão inchada que nem cabia na boca.
Ele era muito ciumento, tudo que eu fazia, era errado. Minha família por diversos momentos tentava entrar em contato comigo e era mais espancada ainda. Meu filho não entendia nada do que estava acontecendo, ele estava na adolescência e começou a se rebelar.
Não tinha como falar com a minha família. Toda vez que tocava no assunto ou era agredida ou ele dizia que iria matar minha mãe ou meu filho. Muitas pessoas me culpam por não ir embora. Mas o que eu iria fazer? Tinha medo de ser morta ou dele matar minha família, então ficava.
Minha mãe, um dia, conseguiu o telefone dele e ligou para pedir ajuda com o Pedro. Ele disse que eu tinha uma hora para ir lá e voltar e pediu para levar o chip do celular do meu filho. Eu fui e queria fazer o Pedro me odiar, porque se eu sofresse e ele não, não tinha problema, o importante era ele estar seguro.
Pedro depois de muita relutância me deu o chip e fazer aquilo partiu meu coração, por isso decidi que não entregaria pro meu marido. Quando cheguei em casa, escondi o objeto e disse que não acatara a ordem dele. Ele nunca me bateu tanto, cheguei a ficar desacordada.
Tonta e machucada, acordei com o barulho da risada dele ecoando pelo apartamento. Ele encontrou o chip e tinha visto as conversas do meu filho. Pedro é bissexual e ele queria expor isso para todo mundo. Qual o problema? De quem meu filho gosta ou não? Não é do interesse de ninguém, apenas dele.
Foram cinco anos desse sofrimento. Ele inclusive me forçou a casar no civil, o que pareceu um verdadeiro enterro. Consegui fazer o Pedro mudar de cidade e estudar em Buenos Aires para ficar longe daquele homem terrível. Apesar das dificuldades, ele começou a melhorar muito lá.
Em 2015, foi quando consegui me livrar do meu agressor. Fiquei cinco anos naquela relação, um em cárcere. No final, ele já deixava eu ter acesso à internet, e um dia, decidi pesquisar o nome do meu filho. Sabe instinto de mãe? Acho que foi isso.
Foi aí que vi que ele tinha feitos várias dívidas no nome do Pedro. Virei uma fera e quando ele chegou em casa, disse que iria acabar com a sua vida. Aquilo foi a gota d’água e pedi o divórcio. Depois de cinco anos, finalmente estava livre. Podia ser feliz com meu filho, morei com ele em Buenos Aires por um tempo e pedi perdão por tudo que aconteceu. Hoje, temos uma relação boa, e apesar dos traumas, nos ajudamos muito.
Após viver um ciclo de violência, Adriana Moreno se tornou ativista — Foto: Arquivo Pessoal
Após viver um ciclo de violência, Adriana Moreno é ativista, encontrou o amor da sua vida, Luís, e vive com seu filho, Pedro — Foto: Arquivo Pessoal
Após viver um ciclo de violência, Adriana Moreno é ativista, encontrou o amor da sua vida, Luís, e vive com seu filho, Pedro — Foto: Arquivo Pessoal
Fiquei com muito medo de me relacionar depois disso. Tinha receio de alguém me machucar ou o Pedro. Até que, anos depois, conheci o Luís em um grupo no Facebook e nós dois descobrimos que gostamos muito de cachorros, o que acabou nos unindo.
O que começou com uma amizade, foi levando para um amor. E, no dia do aniversário do meu filho, Luis veio pessoalmente pedir para Pedro, minha mão em namoro. Além dele me mostrar como ser amada deve ser, também trata o Pedro como se fosse seu filho, os dois têm uma relação incrível.
Depois de tudo que vivi, e com o apoio do meu marido e família, decidi me tornar ativista das causas de violência doméstica. Escrevi o livro Minha História Não Me Condena [Ed. Clube de Autores, 116 págs., R$ 43,46], para mostrar às outras vítimas que a culpa não é delas. Além disso, faço palestras contando um pouco da minha história e o Luís me acompanha em todas.
Aliás, nos também participamos ativamente das causas voltadas para a comunidade LGBTQIAP+. E em uma das passeatas que tiveram em São Paulo, nos tornamos conhecidos mundialmente, após uma foto nossa protestando com uma bandeira de arco-íris ter sido publicada em diversos sites internacionais. Foi aí que percebi que minha voz podia viajar pelo mundo e que talvez conseguiria fazer diferença.
Apesar de estar bem agora, não estou curada 100%, relembrar o passado ainda doí um pouco. Mas o Pedro sempre faz questão de lembrar que sou uma sobrevivente, não a culpada. Então, o que podemos fazer é viver o agora."
https://revistamarieclaire.globo.com/eu-leitora/noticia/2023/10/apos-viver-por-5-anos-em-carcere-privado-com-meu-ex-marido-e-conseguir-escapar-hoje-ajudo-mulheres-em-situacao-de-violencia-domestica.ghtml
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