“Longevidade é saborear uma vitória diária”

Carlos Bessa continua dono de uma memória privilegiada

Carlos Bessa em sua festa de 100 anos, em janeiro de 2020 — Foto: Acervo pessoal

O médico Carlos Henrique Bessa se prepara para comemorar 101 anos no domingo que vem

Rio de Janeiro

Na terça-feira, contei a história do jardineiro Dionízio; na quinta, da ialorixá Carmem. Pessoas comuns que têm muito o que nos ensinar sobre como envelhecer com alegria, propósito e amor à vida. Hoje é a vez de Carlos Henrique Bessa.

No próximo domingo, ele completará 101 anos. Continua dono de uma memória privilegiada, inclusive para lembrar da sua participação na 2ª. Guerra Mundial, como segundo-tenente médico do 1º. Batalhão de Saúde da FEB (Força Expedicionária Brasileira). Tinha 24 anos quando chegou à Itália e ficava na retaguarda, atendendo os feridos – inclusive alemães que, no fim do confronto, foram deixados para trás. “É uma experiência profunda. Entendo o que se passa com combatentes que arriscam suas vidas, são obrigados a matar e depois tentam voltar ao dia a dia. Pode significar o vazio, a queda no precipício”, analisa.

Em 2016, estimulado pelos netos, lançou um livro sobre essa experiência: “Fotos e relatos da guerra & outras memórias”. “Fiz uma edição de 50 exemplares para amigos e parentes, mas as pessoas continuam me pedindo e a obra está a caminho da quarta edição”, diverte-se. A guerra foi determinante na sua vida profissional. “Ao voltar, constatei que meus colegas de turma de cirurgia já estavam encaminhados e que eu estava defasado. Por isso acabei optando pela oftalmologia”, conta.

No entanto, Bessa não se limitou à clínica e se tornou um empresário bem-sucedido, fabricando equipamentos oftalmológicos, em especial lentes multifocais para os portadores de presbiopia, a chamada vista cansada. A longevidade é um traço familiar: o pai viveu até os 98 anos; a mãe, até os 101, mas ele segue à risca a cartilha do estilo de vida saudável. “O exercício físico vem em primeiro lugar, está na fisiologia humana que, sem uso, o órgão perde sua função. E não podemos nos descuidar da nutrição intelectual”, ensina, lamentando que, por causa da pandemia, teve que suspender os saraus de música clássica que promovia em seu apartamento no Leblon, na Zona Sul carioca.

De uma outra paixão não precisou abrir mão: continua saindo na sua lancha de 35 pés. “Andar de barco é uma experiência única, durante a qual você abandona os problemas em terra firme. Pode apreciar o balé aéreo de fragatas disputando peixes com atobás e depois tomar uma taça de champanhe”, diz. Aliás, Bessa se vale da navegação para descrever sua relação com a vida: “sempre vou na proa, olhando para a frente. Não fico remoendo as coisas, porque cada dia traz novas decisões a serem tomadas e cabe a nós ter vontade de avançar ou retroceder”. Ilustra sua visão sobre envelhecer com uma história familiar: “quando tinha 40 anos, achava uma imprudência meu pai estar dirigindo aos 80. Aos 100, acho normalíssimo eu dirigir. Longevidade é saborear uma vitória diária”.

https://g1.globo.com/bemestar/blog/longevidade-modo-de-usar/post/2021/01/24/longevidade-e-saborear-uma-vitoria-diaria.ghtml