Meu Fla-Flu Inesquecível: Nelson Motta e 'o maior de todos os tempos'
Por Rodrigo SiricoRio de Janeiro
Um Fla-Flu valendo o título carioca. Foram cinco gols, três de um time, dois do outro, sempre intercalados. Tensão, nervosismo, uma expulsão, a reação do inferiorizado e, no fim, o êxtase. Some-se a isso um público de 171.599 pagantes no Maracanã. Assim foi a decisão do Carioca de 1969, vencida pelo Fluminense, e não por acaso é, dentre todos os Fla-Flus disputados ao longo de 100 anos, o mais marcante na vida do tricolor, produtor musical, compositor, jornalista e escritor Nelson Motta.
No dia seguinte ao jogão, Nelson Rodrigues, jornalista, escritor e dramaturgo (também tricolor), escreveu em sua coluna que, "no maior Fla-Flu de todos os tempos, o Fluminense conquistou sua mais bela vitória". Nelson Motta concorda com a grandeza daquela partida, mas de uma maneira um tanto distinta da narrada em 1969 pelo xará Rodrigues.
- Reli há pouco a coluna dele. Todo Fla-Flu para o Nelson Rodrigues era o maior de todos os tempos. Agora, pode ser que existam, venham a existir Fla-Flus melhores, mas maiores, impossível. Esse Fla-Flu tinha mais de 170 mil pessoas, ou mais, jamais vai se repetir, são dois Engenhões lotados - divertiu-se Nelson Motta.
O Fla-Flu de 1969 é, na verdade, o segundo de maior público da história. O primeiro é a decisão do Carioca de 1963, quando o Flamengo levou a taça após um empate por 0 a 0. Naquela ocasião, foram 177.020 pagantes, pouco mais de cinco mil pessoas a mais que o de 1969.
Amor pelo Flu aos 12
Então com 25 anos incompletos, Nelson Motta costumava ir ao Maracanã com outros jovens e influentes tricolores. Hugo Carvana, Ronaldo Bôscoli, Chico Buarque, Paulo César Oliveira e Carlos Leonam faziam parte da turma que, junto com Nelson, assistia aos jogos do alto das cadeiras especiais do Maracanã. Curiosamente, Nelson Motta revelou que, quando criança, torcia pelo Flamengo, influenciado por um tio. O amor pelo Flu só surgiu aos 12 anos, quando passou a defender as cores do clube das Laranjeiras como nadador.
- Virei um torcedor muito ativo, ia a todos os jogos. Esse Fla-Flu de 1969 eu lembro com carinho especial. Lembrando do time, não era um supertime. O meu grande time do Flu é a Máquina de 75-76, o maior Fluminense de todos os tempos. Mas o de 69 tinha bons jogadores, alguns foram para a Seleção de 70. Félix, goleiro, o lateral-esquerdo Marco Antônio, que era uma revelação e acabou sendo reserva do Everaldo. Tinha um ponta-esquerda excelente, o Lula. O Flávio era um centroavante, um negrão gaúcho que a torcida adorava. Fazia muito gol, cabeceava, era forte - recordou.
O Fluminense entrou em campo naquele dia em vantagem na tabela de classificação. Se perdesse, ainda poderia decidir a sorte do campeonato na última rodada. Ao Flamengo, restava vencer. Logo no início, após falha do goleiro Dominguez, o Flu abriu o placar com Wilton. Os rubro-negros não se entregaram e empataram com uma bomba de fora da área de Liminha. Ainda antes do intervalo, o Flu voltou a ficar em vantagem: Cláudio Garcia, em posição duvidosa, anotou 2 a 1 no placar para os tricolores. O lance deixou o goleiro Dominguez transtornado. Ele partiu em disparada para reclamar com o árbitro Armando Marques.
- O goleiro do Flamengo foi expulso, um goleiro argentino ótimo que eles tinham (Dominguez), e o Flamengo ainda empatou o jogo com dez. Esse Dionísio (autor do gol de empate) não era grande jogador, mas era um cabeceador... Só fazia gol de cabeça praticamente. Eram times bem equilibrados, o jogo foi pau a pau, e o Flamengo ainda fez um gol jogando com dez, foi heroico. Mais aí vão dizer: "O Flamengo valorizou a nossa vitória" (risos) - brincou.
Flávio e o gol do título
Apesar de o empate do Flamengo ter surgido aos 16 do segundo tempo, o gol do título tricolor só saiu aos 34 minutos. Flávio, artilheiro do campeonato, com 15 gols, emendou de primeira uma bola e enterrou de vez os sonhos rubro-negros.
Uma loucura isso, coisa de louco, hoje não ia nem que pagassem meu peso em ouro. Que sufoco, coisa pavorosa, de louco. Agora vou na mordomia, camarote, com o pretexto de levar meu neto (Joaquim, 16 anos). A gente vai na van: 'Bota o velho na van, tira o velho da van! Bota o velho no camarote, tira o velho do camarote!'"
Sobre o público de 171 mil pessoas em 1969
- Foi um sufoco o tempo todo, não tinha sossego. A gente adorava o Flávio por isso, ele decidia jogo, não era de firula. Batia forte, chutava de primeira... um grande centroavante - avaliou.
Nelson Motta, por um instante, faz uma reflexão do que foi estar presente naquele jogo, com mais de 170 mil pessoas no Maracanã. Hoje, aos 67 anos, ele admite: não encararia mais uma aventura como a de 1969.
- Uma loucura isso, coisa de louco, hoje não ia nem que pagassem meu peso em ouro. Que sufoco, coisa pavorosa, de louco. Agora vou na mordomia, camarote, com o pretexto de levar meu neto (Joaquim, 16 anos). A gente vai na van: "Bota o velho na van, tira o velho da van! Bota o velho no camarote, tira o velho do camarote!".
De 1969 a 2012, Nelson Motta viu bons e maus momentos do Fluminense. Entre 1992 e 2000, ele morou em Nova York e, por conta da distância, pouco acompanhou os passos do Tricolor. Ao lembrar do período, Nelson, com bom humor, enxerga um lado positivo: não sofreu de perto com a queda do Fluminense para a Terceira Divisão.
Flu atual no caminho certo
De volta ao Brasil, pôde acompanhar o time se reerguer e bater na trave na Libertadores de 2008. Para Nelson, o clube está no caminho certo e tem condições de conquistar, nos próximos anos, o sonhado título continental. A eliminação diante do Boca, na Libertadores de 2012, foi vista como algo fora do normal.
O Fluminense está caminhando para isso (ganhar a Libertadores), essa coisa com o Boca foi um acidente, uma fatalidade. O time teve muito problema, praticamente nunca jogou três partidas seguidas completo. Isso se reflete no conjunto, os caras param de jogar junto, um entra e sai... O Abel tenta estabelecer um padrão de jogo, quando acerta, quando encaixa, é legal, joga o Fred, o Deco... Tem elenco para isso. Wellington Nem é um jogador de nível A, muito jovem, rápido, faz a diferença. O Fluminense tem quase tudo. Ali atrás é que fica meio (faz uma cara feia)... Não dá para confiar totalmente. E eu ainda sinto muita saudade do Mariano (lateral-direito que foi para o Bordeaux, da França).
Ao fim da entrevista, Nelson Motta foi convidado a tentar explicar, em palavras, o que representa o Fluminense em sua vida. O amor ao Tricolor exala em suas declarações, assim como no sorriso formado em seu rosto.
- Tantas alegrias que me deu o Fluminense... Deu muito aborrecimento também, muita tristeza... Eu fico bem chateado mesmo. O Fluminense perdeu, aquele domingo, tem o Faustão, vai me dando uma melancolia... Não gosto nem de ver as resenhas. Em compensação, quando o Fluminense ganha, ou melhor ainda, quando ganha jogando bem, aí eu vejo todas as resenhas, gravo para ver depois, minha semana começa com outro astral. Espero o domingo avidamente. Brinco com a minha namorada, Paula, que mora em Recife. A gente se vê na Bahia, e digo: "Ficar sem você é um domingo sem futebol." É a minha maior declaração de amor para ela.
Ficha técnica:
FLAMENGO 2 X 3 FLUMINENSE |
|
Dominguez, Murilo, Onça, Guilherme e Paulo Henrique, Liminha, Rodrigues Neto e Arílson (Sídnei); Doval, Fio e Dionísio |
Felix, Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; Denílson e Lulinha (Samarone); Wilton, Cláudio Garcia, Flávio e Lula (Gílson Nunes). |
Técnico: Tim. |
Técnico: Telê Santana. |
Gols: Wilton, aos 9, Liminha, aos 35, e Cláudio Garcia, aos 38 do primeiro tempo; Dionísio, aos 16, e Flávio, aos 34 do segundo tempo. |
|
Expulso: Dominguez (Flamengo). |
|
Data: 15/06/1969. Competição: Campeonato Carioca. |
|
Árbitro: Armando Marques. Público: 171.599 pagantes. |
Caído, o goleiro Sidnei, do Flamengo, observa Flávio, a seu lado, comemorar o gol do título tricolor. Mais à frente, Cláudio Garcia vibra chutando novamente a bola para o fundo da rede (Foto: Arquivo / Cedoc)
Na sala de casa, Nelson Motta veste a camisa tricolor (Foto: Nelson Veiga/Globoesporte.com)
Comentários