Gênero não valorizado, o “Brega” não envelhece e segue sendo um dos estilos mais queridos no Brasil
O Brasil de pluralidade, misturas e sons, também sofre na dor de cotovelo, por amores perdidos
Legenda: Waldick Soriano foi um dos ídolos do "Brega". Entre os sucessos estão "Eu não sou Cachorro não" e "Torturas de Amor". Foto: Reprodução/Capa de Disco
Escrito por Luã Diógenes
Nas vozes de Waldick Soriano, Falcão ou Barões da Pisadinha, estilo ainda é visto com menosprezo pela crítica, mesmo tendo total clamor e identificação popular
Fevereiro é tradicionalmente conhecido como o mês do carnaval, mas nem só de folia se vive um país. O Brasil de pluralidade, misturas e sons, também sofre na dor de cotovelo, por amores perdidos e, como amigo, escolhe o fundo do copo em uma solitária mesa de bar. Gostamos de uma fossa também, e para celebrarmos isso, em fevereiro, também se lembra da chamada música "Brega''.
Na verdade, a comemoração ganhou corpo e data definida devido ao nascimento do considerado rei do gênero. 14 de fevereiro é aniversário de Reginaldo Rossi e como já diz o dito popular que “ídolos não morrem”, a vida de um dos maiores símbolos do brega faz o estilo se perpetuar entre tantos sons desse país.
Waldick Soriano, Odair José, Orlando Dias, Cláudia Barroso, Agnaldo Timóteo, Almir Rogério, são tantos chamados de cafonas, que até uma definição do brega se torna difícil de existir.
Para os críticos é uma música mais pobre quanto a melodia, letras, rimas. Outros acreditam que o estilo segue uma pegada mais vulgar. Ainda há quem fale que é o precursor da chamada “sofrência”, tão popular anos atrás. Tudo isso, trazendo para a realidade, é a cara do Brasil, aliás, o sentimento “brega”, é uma dor semelhante e que une todo um mundo. Quem não sofre por um amor não correspondido?
Mas de fato, o que é o “Brega” ?
Uma vez assistindo uma entrevista do já mencionado Reginaldo Rossi me surpreendi. O cantor falava que não entendia assistir o ídolo norte-americano Frank Sinatra cantar “Let me Try Again” e não ser considerado cafona. Discordo da frase isolada, mas compreendo seu pensamento de contextualização.
No ciclo da paixão, padecer na tristeza também faz parte, e em tempos de redes sociais, mostrar que nem tudo está bem se torna ainda mais necessário.
“Me perdoe se eu insisto nesse tema/mas não sei fazer poema/ou outra coisa que não seja o amor”, são versos de “Você Abusou”, samba de Antônio Carlos e Jocáfi que foi gravado por figuras altamente sofisticadas da música popular brasileira como Maria Creuza, Toquinho e até o próprio Vinícius de Moraes. Ser cafona não é ser brega ? Talvez, mas em uma nação de tantos preconceitos, dependendo do intérprete, a música pode ser taxada assim para o resto da vida.
O estilo surgiu historicamente ainda na década de 1950. Junto ao surgimento da Bossa Nova, gênero predominante de classes mais favorecidas economicamente, surgiu um estilo mais massivo das classes populares brasileiras. Tinha algo de samba canção, porém não seguia a mesma vereda sofisticada, nem era um ritmo novo, pois trazia inúmeras características dos boleros dramáticos.
Ainda no período, a dupla de compositores Evaldo Gouveia e Jair Amorim, começaram a investir nessa pegada em suas músicas românticas, mas com um tom exagerado. O principal intérprete da dupla seria Altemar Dutra, com sua voz potente, atingido altos agudos e não poupando a garganta na hora de cantar, o completo oposto do estilo dos jovens Tom Jobim e João Gilberto.
Mesmo diante daquela proposta, a “canção brega” só veio a surgir realmente na década de 1970. Mesmo alcançando as massas, o pesquisador Jairo Severiano, afirma que a incorporação de ritmos mesclou tanto que se tornou kitsch. Ainda assim seria sensação nas rádios e nos lares de muitos brasileiros.
Quem soube bem vender o gênero foram Waldick Soriano, Cláudia Barroso e Agnaldo Timóteo. Não podemos esquecer também de Odair José cantando "Uma vida só", música de estampa chula, mas de um cunho teórico sensacional, levantando a bandeira contra os anticonceptivos e assim deixar nascer o fruto do amor, ou o “Tirar você desse lugar”, um brilhante do cancioneiro que se apaixona por uma prostituta e, com certeza, deveria ser bem mais visto e analisado.
Outro nome que beirou o romântico mas caiu no brega foi o cantor Nelson Ned, uma das grandes e potentes vozes do país. Anos depois, surgiram outros cantores como Amado Batista, Bartô Galeno, Almir Rogério, Carlos Alberto e até o próprio cearense Falcão, que mesmo tendo nas letras um cunho de humor, não foge das plumas e paetês da breguice.
O brega não é velho, e continua no meio do povo
O brega segue sendo taxado, agora pela juventude que o olha como algo antigo e atrasado. Mal sabem eles que continuam celebrando a cafonice, os exageros e a dor que tanto criticam e segregam. Os “tecnobregas”, mesmo apresentando uma variação do estilo, seguem aglomerando ritmos, sons, balanços e claro, muita sofrência.
Gaby Amarantos, mesmo trazendo um pouquinho da música paraense, não foge da batida brega, agora usando e abusando de mixagens. É sucesso! Tanto que fez até o sofisticadíssimo Ney Matogrosso entrar na sua onda em seu último single “Vênus em Escorpião”, lançado em 2020 e que tem como refrão “Eu gosto mesmo é de amar”. Quer mais brega que isso ?
Empolgado com o depoimento da querida e ilustríssima colega Gabi Dourado, que lamentou ter descoberto os “Barões da Pisadinha” de forma tardia, e que seria seu rit de carnaval sem pandemia, resolvi conhecer a banda. Saí com uma certeza, mesmo que eles bebam do tal forró eletrônico, também representam de alguma forma esse novo brega repleto de mesclagem e agremiações. O estilo é um sucesso !
De Reginaldo Rossi a Barões da Pisadinha, o “Brega” agora é chique, pois sofrer por amor em tempos de relações líquidas é uma preciosidade absoluta. Mesmo ainda sendo fiel à sofisticação das bossas, embarco na breguice e me liberto das amarras impostas, esquecendo do requinte, leveza e suavidade. Na verdade, embarco em um Brasil que canta e é feliz, e não tenho medo de exclamar essa voz, afinal, quem nunca “bregou” atire a primeira pedra !
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