Confeiteira resgata as origens da rica gastronomia pernambucana

Ana Góes, dona do bufê, recebeu a jovem, provou os doces e deu algumas dicas para aperfeiçoar as receitas

Anna Corinna, confeiteira pernambucana - (crédito: Daniela Nader/Divulgação)

Confeiteira pernambucana cria associação para capacitar mulheres em vulnerabilidade e inicia um projeto para resgatar antigas receitas de doces que têm se perdido com o tempo

Sibele Negromonte

Quando se separou e se viu com uma criança pequena para criar, Anna Corinna Ribeiro percebeu que precisava arrumar uma forma de melhorar a renda. Recém-formada em fonoaudiologia e apaixonada por gastronomia, amor herdado da família, achou que uma boa saída seria se dedicar à gastronomia. Afinal, poderia cozinhar em casa e cuidar da filha. Comprou, então, uma revista de receitas "por R$ 1,99", preparou 12 doces diferentes, colocou em uma caixinha bem bonita e levou ao — na época — melhor bufê do Recife, cidade onde mora.

Ana Góes, dona do bufê, recebeu a jovem, provou os doces e deu algumas dicas para aperfeiçoar as receitas. Anna Corinna ouviu atentamente e perguntou se poderia retornar no dia seguinte com as modificações propostas. Voltou para casa e se dedicou a fazer o melhor que podia. A confeiteira veterana gostou do resultado e disse que ligaria. "Achei que ela tinha dito aquilo só por educação, mas nunca que, de fato, ligaria."

Uma semana depois, Ana Góes entrou em contato com a xará e encomendou 2 mil doces. "Era uma terça-feira, e ela precisava dos doces para o sábado. Era uma loucura aceitar a encomenda, mas eu aceite", conta, aos risos. Seria a primeira de várias. Anna Corinna (@annacorinnaribeiro) passou a fornecer seus doces não só para o famoso bufê, mas para vários clientes. "Meu pais construíram uma minicozinha ao lado da casa deles e eu não parei mais de trabalhar."

Um ano depois, em 2001, a jovem havia montado uma fábrica de doces e salgados, tinha funcionários e o próprio bufê de festas. "Na época, eu tinha apenas 25 anos", recorda-se. Boa parte das receitas, a jovem tinha aprendido com as avós, Ana (paterna) e Corina (materna), de quem não só herdou o nome, mas também o dom para a cozinha, e também com a mãe.

Nascida em Caruaru, cidade do agreste pernambucano conhecida por preparar uma das maiores festas de São João do país, Anna Corinna lembra que, durante todo o mês de junho, a avó Corina preparava delícias típicas da época. "Ela era uma artista na cozinha."

Os conhecimentos adquiridos foram muitos, mas a jovem aprendiz, agora empreendedora de sucesso, sentiu que precisava estudar. Matriculou-se em uma faculdade de gastronomia no Recife, cidade que adotou como sua desde os 13 anos. "Foi aí que me apaixonei ainda mais pela confeitaria, especialmente por chocolates", conta. Decidiu se aperfeiçoar em alta gastronomia. Fez duas especializações, na França e na Espanha, e seguia a todo vapor com o bufê. "Tinha fim de semana que preparava 20 mil doces", lembra.

"Assúcar"

Em 2013, inaugurou a primeira cafeteria, em Boa Viagem, a Anna Corinna Doces e Chocolates, e, em 2018, a segunda unidade foi aberta em um grande shopping da cidade. Paralelamente, dava aulas pontuais de gastronomia. O trabalho ia de vento em popa quando o mundo se fechou por causa da pandemia da covid-19, no início de 2020. "Nós estávamos com a produção de Páscoa a todo vapor", recorda-se.

Foi um momento de pausa também para Anna Corinna que, de repente, tinha percebido que trabalhava sem descanso havia mais de 20 anos. "Minha filha já estava criada. Decidi fechar as cafeterias e dar uma pisada no freio." Desacelerar, sim; parar, nunca. Com todos trancados em casa, a confeiteira decidiu dar aulas pela internet, tanto ao vivo quanto gravadas. Criou grupos de WhatsApp para tirar dúvidas e capacitou muita gente que, em um momento tão difícil, precisava arrumar um jeito de ganhar dinheiro. "Cheguei a reunir 200 pessoas na mesma aula. Depois do curso, todos recebem certificado." 

Diante do sucesso das aulas, percebeu que era o momento de pôr em prática um antigo sonho. Em janeiro deste ano, ao lado de outras sete confeiteiras, criou a Associação da Confeitaria Pernambucana Assúcar (escrito assim mesmo com ss). Com sede na antiga fábrica de doces, que Anna Corinna transformou em sala de aula, o grupo tem como principal finalidade promover e fomentar a confeitaria brasileira, especialmente a pernambucana.

A associação promove a capacitação de mulheres em vulnerabilidade econômica e emocional. "Se a mulher tem como se sustentar, ela consegue, por exemplo, sair mais facilmente de uma relação abusiva", acredita. "E basta ela ter um fogão e uma forma para começar o negócio." Com a ajuda de voluntários — até para lavar pratos —, o Assúcar (@assucarpernambuco) chega às comunidades mais carentes. "Entramos em contato com os líderes comunitários e transformamos uma quadra ou uma igreja em uma grande sala de aula", detalha.

Paralelamente, Anna Corinna toca um projeto que busca resgatar a origem dos doces pernambucanos. Com a ajuda da professora de literatura Fernanda Bérgamo tem trabalhado na produção de um livro e de um documentário. "Muitos dos nossos doces se perderam ao longo do tempo", lamenta. Ela cita alguns exemplos: o doce de chorizo (feito com sangue de porco); o alfenim; o bolo Bossa Nova; a Torta Safo; os filhós de carnaval; as chupetas de açúcar; o bolo de noiva e tantos outros que, aos poucos, foram desaparecendo.

Além dos que já sumiram, é preciso preservar os que ainda fazem parte da cultura pernambucana. Quem nunca se deliciou com um bolo de rolo, patrimônio cultural imaterial de Pernambuco, ou com os não tão famosos fora do estado, mas igualmente tradicionais, como o bolo Souza Leão, o bolo de noiva e o pé-de-moleque. "Pernambuco tem uma confeitaria extremamente rica e precisamos resgatar isso", reforça a confeiteira. Que assim seja!

Bolo de rapadura

Bolo de rapadura, feito por Anna Corinna

Ingredientes

3 ovos

200g de açúcar demerara (peneirado)

170g de farinha de trigo sem fermento (peneirada)

120g de leite

100g de manteiga

15g de fermento químico

Modo de preparar

Preaqueça o forno a 160°C.

Utilizaremos a forma de buraco 20cm.

Unte a forma com manteiga ou desmoldante.

Na batedeira, coloque o açúcar, a manteiga e os ovos um a um. Bata em média por cinco minutos ou até formar um creme branco e fofo. Depois, vá intercalando a farinha de trigo já peneirada e o leite, aos poucos. Por último, ponha o fermento e apenas misture. Distribua imediatamente a massa na forma e asse por 30 a 40 minutos, dependendo do seu forno.

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