PEC Eleitoral deixará legado maldito para o próximo governo, diz economista
Para especialistas, medida torna teto de gastos uma "peça de ficção"
Por Eliane OIiveira — Brasília
PEC Eleitoral foi aprovada pelo Senado em 30 de junho Câmara dos Deputados
Eleito com a promessa de responsabilidade fiscal, o governo Jair Bolsonaro resolveu jogar todas as fichas para melhorar sua popularidade em ano eleitoral, mesmo que a custo de fragilizar ou acabar com uma série de normas com a chamada PEC Eleitoral. Para economistas ouvidos pelo GLOBO, um dos efeitos desse comportamento é reduzir a confiança na economia e o fim da credibilidade no teto de gastos, âncora fiscal que limita o crescimento das despesas públicas à inflação registrada no ano anterior, que se torna uma "peça de ficção". Na análise de um dos especialistas, a aprovação da PEC Eleitoral deixará um legado maldito para o próximo governo.
O ceticismo dos economistas quanto à responsabilidade fiscal do governo começou no fim do ano passado, durante a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios — dívidas judiciais do governo federal para as quais não cabem recursos. Na primeira mudança no teto de gastos, a conta passou a considerar o IPCA de janeiro a dezembro de 2021, de 10,06%, em vez da taxa acumulada de doze meses até junho do ano passado, que ficou em 6,3%, o que abriu um espaço de cerca de R$ 100 bilhões no Orçamento.
— Eu não confio no teto há muito tempo. Entre PEC dos Precatórios, mudanças de indexador e todas as alterações que culminaram com a vergonha que vimos ontem, as âncoras fiscais são de brinquedo. O resultado estamos vendo: evolução de juros e inflação, tudo piorando —afirmou o ex-diretor do Banco Central, Alexandre Schwartsman.
Aprovada na noite de quinta-feira pelo Senado, a PEC Eleitoral instituiu, até o fim deste ano, um estado de emergência no Brasil. O objetivo da proposta, que ainda passará pela Câmara na semana que vem, é liberar o governo para ampliar gastos e criar uma série de benefícios sociais a três meses das eleições.
Os retrocessos no Brasil em 2022
Pobreza, fome, educação são algumas das áreas que pioraram
Fim da restrição fiscal
A PEC aprovada eleva o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, dá um vale-gás equivalente a um botijão de 13 kg a cada dois meses e cria um benefício de R$ 1 mil para caminhoneiros, por exemplo. As medidas valem até dezembro deste ano, com impacto de R$ 41,2 bilhões.
— Descobrimos que uma regra fiscal colocada na Constituição, que supostamente seria quase inviolável, pode ser violada ao sabor do governante de plantão a um prazo muito curto. Para todos os fins, é como se não houvesse restrição fiscal — disse Schwartsman.
Roberto Ellery, economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), chamou o teto de gastos de “peça de ficção”. Segundo ele, a PEC Eleitoral aprovada pelo Senado mostra que as regras fiscais e eleitorais não são superiores aos desejos do atual governo.
— A PEC aprovada no Senado confirma que o teto é uma peça de ficção. Com o orçamento secreto (mecanismo utilizado pelo governo para contemplar parlamentares aliados em troca de apoio político),o governo Bolsonaro “legalizou o Mensalão” e agora com essa PEC “legaliza as pedaladas”. É um desastre com efeitos danosos na economia e, mais importante, na democracia entendida como um arranjo institucional onde as leis estão acima dos governantes — disse Ellery.
Ele salientou que apenas o senador José Serra (PSDB-SP) votou contra a PEC. Em sua opinião, as forças políticas representadas no Senado, com exceção de Serra, parecem concordar que leis que limitam o governo são um detalhe que pode ser deixado de lado quando for conveniente.
Para o ex-ministro da Fazenda no governo José Sarney, Maílson da Nóbrega, a gestão do ministro da Economia, Paulo Guedes, é “desastrosa”. Segundo ele, Guedes passou a se comportar como membro da campanha de reeleição de Jair Bolsonaro no ano passado, como contraofensiva ao favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Inflação pesou no bolso do brasileiro em 2021. Veja quais foram os principais vilões
As críticas de Mailson atingem dispositivos como o orçamento secreto, a PEC dos Precatórios e a proposta aprovada no Senado. Ele ressaltou que, no orçamento secreto, é o parlamentar que diz para o Tesouro aonde vai o dinheiro e a utilização dos recursos públicos foge das práticas prudenciais.
— Guedes chegou a chamar Rogério Marinho (ex-ministro do Desenvolvimento Regional e atual candidato ao Senado pelo Rio Grande do Norte) de fura-teto, porque Marinho queria que alguns projetos ficassem fora do teto. Mas agora o ministro da Economia está se tornando parte da equipe de campanha do presidente. Está se engajando na eleição, em vez de cuidar da economia — afirmou Maílson.
O ex-ministro enfatizou que as consequências já começam a ser sentidas, com alta do dólar e queda na bolsa. Esse cenário demonstra perda de confiança dos mercados na gestão da política econômica.
— Estão avacalhando a Constituição, para viabilizar dinheiro extra. Essa PEC foi aprovada sem que houvesse um debate profundo, usando como justificativa fatores conjunturais, como guerra na Ucrânia, lockdown na China e pandemia. O próximo governo assumirá um legado maldito — disse.
Erosão de âncoras fiscais
Professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), José Roberto Afonso, adverte que esse caminho usado pelo governo dificilmente trará ganho eleitoral.
— Responsabilidade fiscal se construiu cultural. O Brasil se esforça para desperdiçar esse capítulo público sem qualquer ganho, parece que nem mesmo eleitoral. A lição a tirar é que nem emenda constitucional serve de teto para irracionalidade —disse.
Alberto Ramos, diretor do banco Goldman Sachs, alertou que outra emenda constitucional que permite despesas além do teto de gastos é algo negativo, na medida em que leva a uma maior erosão das principais âncoras fiscais.
— A receita fiscal transitória de curto prazo da alta inflação e dos preços das commodities está sendo usada em grande medida para validar gastos extras (em um ano eleitoral) em vez de acelerar os ajustes fiscais que provavelmente teriam gerado dividendos econômicos e sociais ao longo do ano —afirmou.
PEC Eleitoral deixará legado maldito para o próximo governo, diz economista
Para especialistas, medida torna teto de gastos uma "peça de ficção"
Por Eliane OIiveira — Brasília
PEC Eleitoral foi aprovada pelo Senado em 30 de junho Câmara dos Deputados
Eleito com a promessa de responsabilidade fiscal, o governo Jair Bolsonaro resolveu jogar todas as fichas para melhorar sua popularidade em ano eleitoral, mesmo que a custo de fragilizar ou acabar com uma série de normas com a chamada PEC Eleitoral. Para economistas ouvidos pelo GLOBO, um dos efeitos desse comportamento é reduzir a confiança na economia e o fim da credibilidade no teto de gastos, âncora fiscal que limita o crescimento das despesas públicas à inflação registrada no ano anterior, que se torna uma "peça de ficção". Na análise de um dos especialistas, a aprovação da PEC Eleitoral deixará um legado maldito para o próximo governo.
O ceticismo dos economistas quanto à responsabilidade fiscal do governo começou no fim do ano passado, durante a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios — dívidas judiciais do governo federal para as quais não cabem recursos. Na primeira mudança no teto de gastos, a conta passou a considerar o IPCA de janeiro a dezembro de 2021, de 10,06%, em vez da taxa acumulada de doze meses até junho do ano passado, que ficou em 6,3%, o que abriu um espaço de cerca de R$ 100 bilhões no Orçamento.
— Eu não confio no teto há muito tempo. Entre PEC dos Precatórios, mudanças de indexador e todas as alterações que culminaram com a vergonha que vimos ontem, as âncoras fiscais são de brinquedo. O resultado estamos vendo: evolução de juros e inflação, tudo piorando —afirmou o ex-diretor do Banco Central, Alexandre Schwartsman.
Aprovada na noite de quinta-feira pelo Senado, a PEC Eleitoral instituiu, até o fim deste ano, um estado de emergência no Brasil. O objetivo da proposta, que ainda passará pela Câmara na semana que vem, é liberar o governo para ampliar gastos e criar uma série de benefícios sociais a três meses das eleições.
Os retrocessos no Brasil em 2022
Pobreza, fome, educação são algumas das áreas que pioraram
Fim da restrição fiscal
A PEC aprovada eleva o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, dá um vale-gás equivalente a um botijão de 13 kg a cada dois meses e cria um benefício de R$ 1 mil para caminhoneiros, por exemplo. As medidas valem até dezembro deste ano, com impacto de R$ 41,2 bilhões.
— Descobrimos que uma regra fiscal colocada na Constituição, que supostamente seria quase inviolável, pode ser violada ao sabor do governante de plantão a um prazo muito curto. Para todos os fins, é como se não houvesse restrição fiscal — disse Schwartsman.
Roberto Ellery, economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), chamou o teto de gastos de “peça de ficção”. Segundo ele, a PEC Eleitoral aprovada pelo Senado mostra que as regras fiscais e eleitorais não são superiores aos desejos do atual governo.
— A PEC aprovada no Senado confirma que o teto é uma peça de ficção. Com o orçamento secreto (mecanismo utilizado pelo governo para contemplar parlamentares aliados em troca de apoio político),o governo Bolsonaro “legalizou o Mensalão” e agora com essa PEC “legaliza as pedaladas”. É um desastre com efeitos danosos na economia e, mais importante, na democracia entendida como um arranjo institucional onde as leis estão acima dos governantes — disse Ellery.
Ele salientou que apenas o senador José Serra (PSDB-SP) votou contra a PEC. Em sua opinião, as forças políticas representadas no Senado, com exceção de Serra, parecem concordar que leis que limitam o governo são um detalhe que pode ser deixado de lado quando for conveniente.
Para o ex-ministro da Fazenda no governo José Sarney, Maílson da Nóbrega, a gestão do ministro da Economia, Paulo Guedes, é “desastrosa”. Segundo ele, Guedes passou a se comportar como membro da campanha de reeleição de Jair Bolsonaro no ano passado, como contraofensiva ao favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Inflação pesou no bolso do brasileiro em 2021. Veja quais foram os principais vilões
As críticas de Mailson atingem dispositivos como o orçamento secreto, a PEC dos Precatórios e a proposta aprovada no Senado. Ele ressaltou que, no orçamento secreto, é o parlamentar que diz para o Tesouro aonde vai o dinheiro e a utilização dos recursos públicos foge das práticas prudenciais.
— Guedes chegou a chamar Rogério Marinho (ex-ministro do Desenvolvimento Regional e atual candidato ao Senado pelo Rio Grande do Norte) de fura-teto, porque Marinho queria que alguns projetos ficassem fora do teto. Mas agora o ministro da Economia está se tornando parte da equipe de campanha do presidente. Está se engajando na eleição, em vez de cuidar da economia — afirmou Maílson.
O ex-ministro enfatizou que as consequências já começam a ser sentidas, com alta do dólar e queda na bolsa. Esse cenário demonstra perda de confiança dos mercados na gestão da política econômica.
— Estão avacalhando a Constituição, para viabilizar dinheiro extra. Essa PEC foi aprovada sem que houvesse um debate profundo, usando como justificativa fatores conjunturais, como guerra na Ucrânia, lockdown na China e pandemia. O próximo governo assumirá um legado maldito — disse.
Erosão de âncoras fiscais
Professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), José Roberto Afonso, adverte que esse caminho usado pelo governo dificilmente trará ganho eleitoral.
— Responsabilidade fiscal se construiu cultural. O Brasil se esforça para desperdiçar esse capítulo público sem qualquer ganho, parece que nem mesmo eleitoral. A lição a tirar é que nem emenda constitucional serve de teto para irracionalidade —disse.
Alberto Ramos, diretor do banco Goldman Sachs, alertou que outra emenda constitucional que permite despesas além do teto de gastos é algo negativo, na medida em que leva a uma maior erosão das principais âncoras fiscais.
— A receita fiscal transitória de curto prazo da alta inflação e dos preços das commodities está sendo usada em grande medida para validar gastos extras (em um ano eleitoral) em vez de acelerar os ajustes fiscais que provavelmente teriam gerado dividendos econômicos e sociais ao longo do ano —afirmou.
https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2022/07/pec-eleitoral-deixara-legado-maldito-para-o-proximo-governo-diz-economista.ghtml?utm_source=globo.com&utm_medium=oglobo
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