Bebê indígena é o primeiro a ser registrado com nome da etnia, no Ceará: 'Histórico', diz mãe
Segundo a mãe, o processo foi cheio de desafios, mas também de aprendizados.
Jennifer Agostinho Moreira afirma que, devido a burocracias e falta de conhecimento, tiveram dificuldade para fazer o registro inicialmente, mas conseguiram resolver o problema. "Ter o nome da etnia na certidão é garantir visibilidade e respeito à nossa existência", diz, em entrevista à CRESCER. Saiba mais!
Por - Amanda Moraes - 22/10/2025
O pequeno Heine Kayan Agostinho Vieira Pitaguary, da aldeia Santo Antônio, Ceará, não tem nem uma semana de vida, mas já fez história. Na última sexta-feira (17), o menino se tornou o primeiro bebê a ser registrado com o nome da etnia, Pitaguary, na certidão de nascimento, no Ceará. "Não é só sobre o nosso filho, é sobre o nosso povo inteiro. Foi uma conquista coletiva, uma vitória do povo Pitaguary", diz a mãe, a artesã indígena Jennifer Agostinho Moreira, 23, em entrevista exclusiva à CRESCER.
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A ideia de registrar o filho com o nome da etnia surgiu do desejo de Jennifer e seu marido de afirmar a identidade indígena desde o nascimento do garotinho. "Queríamos que o Kayan carregasse, no nome, o orgulho de pertencer ao povo Pitaguary. É uma forma de mostrar que existimos, resistimos e seguimos fortalecendo nossas raízes através das novas gerações", destaca.
Segundo ela, o processo foi cheio de desafios, mas também de aprendizados. "No início, enfrentamos burocracia e falta de conhecimento técnico sobre o direito dos povos indígenas. O cartório dentro da maternidade (filial) não sabia muito bem como proceder, mas o Cartório Braga (matriz) foi muito articulado e ajudou bastante para que tudo fosse resolvido", explica.
Inicialmente, no dia em que Kayan nasceu, em 16 de outubro, o pai não conseguiu incluir o nome da etnia no registro. Mas no dia seguinte, o próprio cartório entrou em contato pedindo para ele retornar e acrescentar a observação de que o bebê pertence a uma comunidade indígena. "Esse gesto fez toda a diferença, porque garantiu que o nome da etnia fosse reconhecido oficialmente e que a identidade do nosso filho estivesse completa como indígena do povo Pitaguary", ressalta a mãe. "Foi um passo histórico: o primeiro bebê registrado assim no Ceará", acrescenta.
Heine Kayan foi o primeiro bebê a ser registrado com o nome da etnia — Foto: Arquivo pessoal
Kayan com roupa feita pela mãe — Foto: Arquivo pessoal
Kayan fez história — Foto: Arquivo pessoal
Como funciona o registro da etnia na certidão de nascimento?
Vale destacar que, por lei, pessoas indígenas podem inserir em cartório, no registro civil, o nome de sua etnia como sobrenome. A alteração foi aprovada em dezembro de 2024 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão responsável por disciplinar a atuação dos cartórios e confirmada em fevereiro deste ano pelo plenário do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). É possível registrar também a naturalidade como sendo da aldeia ou do território onde a pessoa nasceu, ao lado do respectivo município onde a localidade está situada.
Antes das alterações, era necessária a autorização de um juiz para que a etnia da pessoa indígena fosse inserida em seus documentos oficiais, como identidade e certidão de nascimento. Agora, basta que o próprio indígena solicite a alteração diretamente em cartório.
'É um símbolo de resistência e pertencimento'
Quando Jennifer pegou a certidão de nascimento do filho com o nome da etnia em mãos, foi só alegria. "Foi uma emoção indescritível. A gente se sentiu realizado, com o coração cheio de orgulho. Não é só sobre o nosso filho, é sobre o nosso povo inteiro. Foi uma conquista coletiva, uma vitória do povo Pitaguary, que hoje soma mais de 6.500 pessoas entre Maracanaú e Pacatuba. Ver o nome da nossa etnia reconhecido oficialmente é um símbolo de resistência e pertencimento", afirma.
Além de Kayan, a líder e secretária de Gestão Ambiental e Territorial Indígena no Ministério dos Povos Indígenas, Ceiça Pitaguary, também carrega o nome do povo no seu registro, mas só conseguiu incluí-lo depois de adulta. "Ela tem sido uma grande inspiração e referência para todos nós", diz Jennifer.
"Ter o nome da etnia na certidão é garantir visibilidade e respeito à nossa existência. É afirmar que o povo Pitaguary continua vivo, com território, cultura e história. Além disso, é uma forma de mostrar às novas gerações que ser indígena é motivo de orgulho, e que o nome do nosso povo deve estar registrado em todos os lugares, inclusive nos documentos oficiais", acrescenta.
'Verdadeiro guerreiro'
Kayan nasceu em 16 de outubro, às 0h55, após um parto difícil. Jennifer passou 24 horas em trabalho de parto, mas precisou fazer uma cesárea de emergência. "Quando ele nasceu, estava em morte aparente, mas foi reanimado e passou a noite sob cuidados. Pela honra e glória de Deus, na manhã seguinte ele já estava de alta, um verdadeiro milagre", afirma.
Para ela, o nome escolhido condiz com a força do pequeno. "O nome do nosso filho carrega muitos significados. Heine foi inspirado no poeta alemão Heinrich Heine, conhecido como o 'último dos românticos', um símbolo de sensibilidade e força nas palavras. Já Kayan traz a ideia de vida, existência e força vital, representando um verdadeiro guerreiro. Sempre falo carinhosamente que ele é um leãozinho, por conta de toda a força que ele tem", diz a mãe.
Ela e o marido decidiram este nome bem antes de saber que seria um menino. "Desde a barriga, ele já era muito querido pelas lideranças e pela comunidade sempre que tínhamos tore ou alguma reunião, ele recebia beijinhos e carinho na barriga, todo mundo ansioso pela sua chegada. Esperamos que o Kayan cresça com saúde, sabedoria e que Tupã lhe dê muita força para continuar a nossa luta. Avançaremos sempre", finaliza.
https://revistacrescer.globo.com/maes-e-pais/historias/noticia/2025/10/bebe-indigena-e-o-primeiro-a-ser-registrado-com-nome-da-etnia-no-ceara-historico-diz-mae.ghtml





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