Jornalista que pegou Covid após ter bebê prematuro narra drama da maternidade na pandemia

Vi uma tia em meio às mães: a irmã grávida morreu vítima de Covid-19 e os médicos conseguiram salvar a criança

A repórter Jéssika Sisnando conta o que vive e testemunha nas maternidades durante a pandemia de Covid-019

Jéssika Sisnando e João Arthur (Foto: ACERVO PESSOAL)

Por JÉSSIKA SISNANDO

Dia 24 de fevereiro deste ano, passei por uma cesárea de emergência. Meu filho, João Arthur, nasceu de 30 semanas e pesando 790 gramas. Ele precisou ser internado na UTI neonatal do hospital particular, onde todos os dias chegavam bebês prematuros. A maioria vinha de complicações devido as mães terem contraído o coronavírus.

Por causa do risco de contágio, o nosso tempo com os bebês é controlado. Só podem entrar mães e pais, em horários diferentes. Vi uma tia em meio às mães: a irmã grávida morreu vítima de Covid-19 e os médicos conseguiram salvar a criança, que nasceu prematura. Na fila do boletim médico, ela chorava. Disse que o plano era ajudar no resguardo da irmã. Agora, a missão seria cuidar da pequena sobrinha, que ficava sem a mãe.

Na UTI, um bebê estava sem receber visitas por muitos dias. E pude ver o dia em que a mãe dele entrou naquela salada gelada com passos bem lentos e o pegou no colo pela primeira vez. Com a voz bem rouca e baixa, ela explicava à enfermeira que passou muito tempo entubada. Também havia sido vítima da Covid-19 quando estava grávida. Aquele encontro entre mãe e filho marcava um recomeço muito doloroso, mas cheio de esperança.

Na UTI neonatal, no mesmo dia que vi mesversário, eu também testemunhei mães saindo com bebês em óbito. Na sala de espera, eu presenciei um pai chegar sozinho para buscar um prematuro que havia recebido alta. A esposa grávida, havia falecido vítima do coronavírus. O médico conseguiu salvar a criança. Saídas da maternidade costumam ser cheias de amor. Naquela faltava um pedaço. O pai segurava o bebê conforto como se ainda aguardasse a companheira, como se aquilo tudo fosse um pesadelo.

Eu vi histórias tristes e de superação ali, mas tinha a minha história também: apesar de ter problema relacionado ao cordão umbilical (restrição de crescimento), do meu bebê ter nascido muito pequeno, a gente seguia firme, ele foi ganhando peso. Mas, prestes a ele completar os quilos necessários para a alta, eu contraí Covid-19. Meu filho foi colocado em isolamento, mas testou negativo. Fomos afastados. Tive de interromper os estímulos para amamentar, tomar uma pilha de remédios. Vi meu leite secando, a saudade do meu bebê apertava.

Na segunda-feira, 12, meu bebê prestes a completar 50 dias de UTI neonatal, eu recebi a notícia de que estou curada. Depois de ficar dias longe dele, a esperança nos move mais uma vez. Saber que vamos nos reencontrar ameniza a dor.

Conversei com mães que tiveram complicações durante a gestação por causa do coronavírus e que viram o sonho da maternidade virar de cabeça pra baixo. Algumas tiveram bebês com apenas 26 semanas de gestação. Convivem com seus filhos em meio a aparelhos de oxigênio, sondas e o barulhinho das máquinas. A gente aprende o que significa cada som, aprende a ordenhar o leite manualmente, já não faz mais diferença onde estamos. O hospital vira nossa casa.

Os prematuros da pandemia são fortes, esforçados e buscam a vida a todo instante. E nós, mães, vivemos esse momento com muita apreensão, mas também cheias de fé.

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