Como a agricultura familiar pode reduzir a vulnerabilidade alimentar no Brasil
Dois anos após a chegada da Covid-19, o número de brasileiros que convivem com a fome aumentou
País enfrenta nova face da fome; entenda como pequenos produtores podem contribuir para a redução das desigualdades
O POVO Lab Autor
No Brasil, 77% dos estabelecimentos agrícolas são de agricultura familiar Crédito: Unsplash
O Brasil se voltou novamente para um problema que havia arrefecido na última década: a fome. Considerada uma das grandes contradições do País, um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo, a insegurança alimentar grave se intensificou durante a pandemia e atinge com maior intensidade os estados do Norte e do Nordeste, especialmente nas áreas rurais.
Uma pesquisa realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) em 2022 aponta que, dois anos após a chegada da Covid-19, o número de brasileiros que convivem com a fome aumentou consideravelmente. Em 2020, esse índice era de 19,1 milhões. Hoje, segundo o II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II Vigisan), 33,1 milhões de brasileiros enfrentam a insegurança alimentar grave – destes, 2,4 milhões no Ceará –, em decorrência da pandemia e de fatores políticos.
De acordo com Emilia Jomalinis, doutora em Ciências Sociais e pesquisadora associada do Centro de Referência em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional da UFRRJ, um fator que precisa ser levado em conta nessa nova realidade é que hoje o País possui um consumo de alimentos ultraprocessados muito maior do que nas décadas passadas.
“Isso faz com que você tenha, em muitos casos, uma combinação de subnutrição e sobrepeso, resultante do comer mal, do comer alimentos que não têm um valor nutritivo adequado”, destaca. Dessa maneira, as políticas públicas voltadas para a segurança alimentar devem não apenas garantir alimento, mas alimento saudável e de qualidade.
Por isso, explica Emilia, estratégias de superação da fome que têm como foco a produção e distribuição de alimentos da agricultura familiar devem ser priorizadas pelos governos, já que esses produtos costumam ser comercializados in natura ou com um grau pequeno de processamento. Segundo o Censo Agropecuário de 2017, 77% dos estabelecimentos agrícolas do País são de agricultura familiar. A oferta desses alimentos, no entanto, é voltada para o comércio exterior, e o fator renda ainda afasta a população rural – que mais sofre com a insegurança alimentar no País – da alimentação adequada.
O fortalecimento da agricultura familiar para consumo interno, portanto, é também uma forma de gerar renda para quem vive no meio rural, afirma Thiago Lima, coordenador do grupo de pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e membro do Instituto Fome Zero.
“O fomento da agricultura familiar acaba gerando oportunidade de renda para essas pessoas que, por meio da venda de seus produtos no mercado, conseguem comprar outras coisas que precisam para viver, pagar conta de luz, de água, se vestir, comprar remédio, etc. – além de ajudar essas pessoas a aumentarem o seu cultivo de subsistência”, ressalta.
O professor também explica que, ainda que nem toda agricultura familiar seja agroecológica, a agricultura familiar lida com processos menos dependentes de produtos químicos, o que incentiva a biodiversidade e contribui para a redução dos efeitos da crise climática.
Outro ponto positivo no fortalecimento da agricultura familiar é que, com o aumento da produção, haverá uma consequente redução no preço de alimentos como legumes, verduras e outras hortaliças produzidas por pequenos produtores. “A agricultura familiar é a que produz os alimentos que tornam a
nossa alimentação variada. Os grandes produtores agrícolas produzem, geralmente, commodities, que não trazem variedade e deixam a alimentação das pessoas monótona. Alimentação saudável é a que foge da monotonia”.
Para fortalecer os pequenos produtores
É consenso entre associações que estudam a pobreza no Brasil que, nos últimos anos, houve um desmonte das políticas públicas de erradicação da fome, pauta que tem sido reconstruída na nova gestão federal. Para Thiago Lima, a fome é um projeto político, pois quanto mais houver fome “no campo, no meio rural, na Floresta Amazônica, no cerrado, no Pantanal, nos interiores do Brasil, mais as pessoas vão sair desses lugares e vão liberar o território para que ele se torne terreno, ou seja, um lugar de negócio, de fazer dinheiro”.
Por isso, o pesquisador acredita que a agricultura familiar precisa de apoio técnico para sobreviver, já que, quando uma colheita dá errado, o pequeno produtor geralmente não tem subsídios para se recuperar financeiramente. Como medidas de fortalecimento dos pequenos produtores, é preciso apoio das universidades e da gestão pública, além de capacitação técnica e linhas de crédito específicas, para que “os produtores percam menos e ganhem mais em termos de produtividade e de economia de recursos”.
Já Emilia Jomalinis destaca a reforma agrária e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do Governo Federal, que visa adquirir alimentos de pequenos produtores para distribuir através de serviços públicos, como possíveis soluções para tornar a agricultura familiar brasileira mais forte. Porém, os cidadãos também podem fazer sua parte, à medida que seus recursos permitirem.
“Um caminho importante é fortalecer os circuitos de comercialização onde estão os produtos da agricultura familiar na região que a gente vive. Assim, a gente consegue construir processos de desenvolvimento local, dinamizando a economia e gerando uma
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