Quase um milhão de brasileiros aguardam perícia médica do INSS para receber benefícios
Este é o mês de março com maior número de pessoas na fila nos últimos quatro anos.
Por Amanda Lüder, GloboNews
Prova de vida. aposentado, INSS, aposentadoria, previdência — Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
São 996.867 pessoas na fila esperando a realização da perícia médica, segundo dados obtidos via Lei de Acesso à Informação. Número é 20% maior que no mesmo período do ano passado.
Há mais de dois anos, Sebastião Renato Barrozo aguarda que o INSS agende uma perícia médica para ele. O marceneiro de 56 anos sofreu um acidente de trabalho em 2016 e perdeu dois dedos. Passou por uma cirurgia e, após um período afastado, voltou a trabalhar. Não conseguia mais desempenhar a função como antes e foi demitido. Está desempregado desde então. "Não tenho outra profissão. Toda vida foi carpintaria e marcenaria, e não tenho mais condições de exercê-la", conta.
Sebastião mora em Recreio, município localizado no interior de Minas Gerais, com pouco mais de 10 mil habitantes. Ele só descobriu que tinha direito ao benefício do auxílio-acidente pelo INSS em dezembro de 2019, quando deu entrada, por conta própria, no pedido. Em 2022, ainda sem resposta, conseguiu a ajuda de um advogado.
"Aqui os recursos são poucos, não procurei [advogado] antes por falta de experiência. Eu sou leigo nesse assunto. Quando eu encontrava alguém que entendia mais ou menos, me falavam que demora mesmo. Eu ia aguardando”, conta.
Em todo o Brasil, 996.867 pessoas esperam pela realização de perícia médica do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) para começar a receber benefícios. Mas essas são as pessoas que já têm uma data para que a perícia seja realizada, ou seja, casos como o de Sebastião nem entram nessa conta.
O número é do Ministério da Previdência Social e foi obtido com exclusividade pela Globonews por meio da Lei de Acesso à Informação. Esses quase 1 milhão de brasileiros aguardam perícia por diferentes razões, desde Benefício de Prestação Continuada (BPC) a auxílios por incapacidades e pensão por morte, por exemplo.
Este é o mês de março com maior número de pessoas na fila nos últimos quatro anos. Em março de 2020, eram 726.894 brasileiros aguardando perícia — foi quando os agendamentos pararam por conta da pandemia. No mesmo mês em 2021, o número caiu para pouco mais de 635 mil pessoas. Em março do ano passado, o número voltou a crescer e ultrapassou 828 mil.
Segundo a presidente do Instituto Brasileiro de Previdência Social (IBDP), Adriane Bramante, o aumento se deve ainda a consequências da pandemia. O INSS trabalha com o acúmulo de pedidos gerado durante os meses mais agudos da Covid-19 em 2020, quando as perícias pararam, além do fato que a pandemia fez com que aumentasse também o número de benefícios pedidos.
Outro fator que explica esse aumento na fila das perícias é o próprio sistema do INSS. "O Dataprev é extremamente ruim. No último dia 10 de março, por exemplo, ele travou e parou. Todas as pessoas que tinham perícia agendada para aquele dia tiveram que reagendar e terão que esperar uma nova data de perícia. Isso deixa a fila ainda maior", explica a presidente do IBDP.
O Ministério da Previdência Social informou que segue trabalhando para garantir o aumento na quantidade de perícias médicas realizadas por mês. E que o Departamento de Perícia Médica Federal e o INSS estudam a melhor maneira de se realizar mutirões de atendimento e quais localidades devem ser priorizadas.
Segundo o governo, o estoque de agendamentos para perícia médica federal sofreu grande impacto nos últimos anos devido à pandemia e à greve dos médicos peritos e servidores do INSS em 2022.
"Cabe esclarecer que, do estoque total de 996.570 perícias agendadas atualmente, 576.347 referem-se a processos de pedidos iniciais de benefícios por incapacidade. Há 215.401 agendamentos para avaliação médico-pericial em Benefícios de Prestação Continuada (BPC). Os demais são para pedido de revisão, prorrogação, isenção de imposto (situações em que os segurados já estão em benefício e permanecem recebendo até o dia da perícia)", informou à GloboNews.
Média nacional
No Brasil, a cada 100 mil habitantes, 566 estão na fila da perícia médica do INSS. Os estados com os maiores índices são Piauí, com 1.320 pessoas na fila a cada 100 mil habitantes; Alagoas, com 1.153; e Rondônia, com 1.023.
Além destas, outras sete unidades da Federação também têm índice acima da média nacional. São elas: Sergipe, Mato Grosso, Ceará, Tocantins, Distrito Federal, Maranhão e Bahia.
Segundo o ministério, os estados apontados pela reportagem estão entre os que têm maior déficit de peritos e, por isso, serão priorizados durante os mutirões - em breve, devem ser anunciadas mais informações sobre essas medidas.
O caso do marceneiro Sebastião foi para a Justiça no início deste ano. “Entramos com mandado de segurança em 16 de janeiro. Diante dessa morosidade do INSS no administrativo, pedimos para o juiz determinar que o INSS faça o agendamento”, explica o advogado previdenciário Gustavo Bertolini. Até o momento, ainda não houve resposta.
No início do ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontou o INSS como o maior litigante do Judiciário brasileiro, representando 3,87% de todos os casos.
"É um problema crônico que precisa ser resolvido não com judicialização excessiva, como é hoje, mas precisa ser resolvido na base", explica a presidente do IBDP, Adriane Bramante.
Para ela, ações que podem ajudar a mitigar o problema são, por exemplo, trazer mais tecnologia ao sistema do INSS para facilitar o acesso do segurado e ter um cruzamento de dados do SUS com a perícia do INSS, de modo que o perito já tenha acesso a todo o histórico de saúde do potencial beneficiário.
https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2023/03/16/quase-um-milhao-de-brasileiros-aguardam-pericia-medica-do-inss-para-receber-beneficios.ghtml
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