Equipe com estudantes da escola pública do bairro Granja Lisboa, em Fortaleza, produziu uma alternativa ao detergente convencional, considerado vilão para poluição dos rios.
Por Thaís Brito, g1 CE - 10/11/2024
Alunos da escola pública no Ceará desenvolvem detergente ecológico e biodegradável
O laboratório de química da escola está no centro da ação para a equipe ‘Hidrogênio Heróis’. É onde os estudantes testam fórmulas e traçam planos para a produção de um novo detergente biodegradável. O grupo é formado por um professor orientador e cinco alunos da Escola Estadual de Educação Profissional Ícaro de Sousa Moreira, no bairro Granja Lisboa, em Fortaleza.
No dia 26 de novembro, a equipe estará em São Paulo para a etapa nacional da competição Desafio Liga Jovem, que avalia projetos de empreendedorismo tecnológico nas escolas brasileiras. Os alunos da escola pública do Ceará já venceram na fase estadual e regional, e agora vão representar o Nordeste na fase nacional.
Desde o ano passado, a equipe vem desenvolvendo o detergente Shine Eco, que é 100% biodegradável e possui um poder de limpeza eficiente. O produto é livre de compostos petroquímicos (elementos derivados do petróleo), que fazem do detergente convencional um dos vilões do meio ambiente.
Detergente desenvolvido por alunos de escola pública no Ceará busca reduzir impactos ambientais — Foto: Kid Júnior/SVM
O detergente biodegradável é uma alternativa aos detergentes comuns, que poluem o solo e as águas do planeta — Foto: Kid Júnior/SVM
Alunos da escola estadual Ícaro Moreira de Sousa e o professor orientador do projeto Shine Eco — Foto: Kid Júnior/SVM
A poluição do rio Maranguapinho, que passa por trás da escola, é um dos problemas que o projeto Shine Eco busca solucionar — Foto: Google Street View/Reprodução
O engajamento social dos alunos conta com apoio de professores, diretores e coordenadores pe-dagógicos. — Foto: Kid Júnior/SVM
Na fase de testes, o produto é avaliado por aspectos como eficiência, viscosidade e apresentação — Foto: Kid Júnior/SVM
Equipe de escola pública do Ceará vai representar o Nordeste em competição nacional de empreendedorismo tecnológico — Foto: Kid Júnior/SVM
Um detergente ecológico
Feito a partir de uma base natural, o Shine Eco é um detergente que se diferencia dos convencionais pela ausência de elementos que prejudicam o solo e as águas.
A fabricação dos detergentes comuns inclui compostos como os ácidos sulfônicos, o tripolifosfato de sódio e o hidróxido de sódio (também conhecido como soda cáustica), como explica Francis dos Santos, orientador da equipe e professor de Química na escola Ícaro de Sousa Moreira.
“Esses petroquímicos são realmente responsáveis pela poluição tanto do ambiente aquático como do ambiente terrestre. Todos esses compostos estão muito presentes nos detergentes comuns, e isso faz com que haja essa contaminação”, comenta o professor.
Um dos impactos ambientais dos detergentes comuns pode ser visto em rios, riachos e lagos que contêm espumas na superfície. Estas espumas impedem a passagem de luz para o meio aquático, alterando o processo de fotossíntese e dificultando a sobrevivência de outros organismos.
Outro efeito é a eutrofização, pois os produtos convencionais têm nutrientes que levam à proliferação de algas nos corpos hídricos. Com esse desequilíbrio, há uma diminuição na concentração de oxigênio, levando a alterações no ambiente aquático.
O detergente desenvolvido pelos alunos é biodegradável. Isso quer dizer que ele passa por um processo natural de decomposição por meio de outros microrganismos presentes no meio ambiente. Assim, o produto não deixa resíduos tóxicos na natureza durante a decomposição.
A ideia é também trazer um produto benéfico para a saúde humana. Livre de compostos mais pesados, a expectativa é poder disponibilizar no mercado um produto que não traz alergias ou irritações na pele do consumidor.
O Shine Eco surgiu de uma fórmula simplificada tendo como base natural um fruto originário da Mata Atlântica. O fruto está presente nas árvores do jardim da escola. Mas o nome deste fruto ainda é mantido como um segredo. Pelo menos enquanto o produto passa pela fase de registro de marca e patente.
Contribuir para reduzir problemas atuais
O projeto começou antes que os alunos soubessem que ele poderia estar no centro de uma competição. Foi no ano de 2023 que o grupo de alunos começou a fazer pesquisas de temas que poderiam resultar em um novo produto.
Atualmente, são cinco estudantes na equipe (na ordem da imagem acima):
• Maria Luiza Bezerra, 17 anos
• Marianne Gomes, 16 anos
• Lívia Nadiely, 17 anos
• Vitória Tomaz, 17 anos
• Jorge da Costa, 17 anos
Todos estão cursando o 3º ano do Ensino Médio — com exceção de Marianne, que está no 2º ano. Os alunos da equipe têm um aspecto em comum: eles fazem o curso de Enfermagem na base técnica da escola.
A unidade funciona no modelo de educação profissional, que alia o currículo do Ensino Médio convencional a uma formação técnica, com atividades em tempo integral.
Desta forma, o aluno tem atividades em dois turnos e se qualifica para o mercado de trabalho ou para tentar uma vaga no Ensino Superior. Na unidade da Granja Lisboa, os cursos técnicos são de Enfermagem, Administração, Eventos e Redes de Computadores. A escola conta com laboratórios de química, biologia, hardware, física e matemática.
No caso dos estudantes da equipe Hidrogênio Heróis que estão no 3º ano, as tardes são dedicadas ao estágio em unidades de saúde. Assim, eles têm vivenciado a rotina de UPAs, policlínicas, hospitais e postos de saúde de Fortaleza.
O projeto foi uma resposta a um problema bem próximo da comunidade: a poluição do rio Maranguapinho, que corre por trás do prédio da escola Ícaro de Sousa Moreira. Com orientação do professor Francis dos Santos, eles chegaram à ideia do detergente que reduziria os impactos ambientais nas águas da cidade.
“As condições do mundo em que a gente vive hoje em dia, infelizmente, não são as melhores. A gente tem crise climática, doenças aparecendo toda hora… E o nosso planeta se encaminha para a deterioração. A atividade humana, querendo ou não, desgasta muito o nosso ambiente. Então a gente se sente feliz em poder estar com uma iniciativa que propõe uma mudança pra essa situação”, afirma a estudante Lívia Nadiely.
Para a diretora da escola, Karlena Unias, o projeto é um exemplo da educação integral que a unidade busca proporcionar aos estudantes, com disciplinas de Formação Cidadã e de Projeto de Vida, por exemplo. Estimular a cidadania é também um compromisso partilhado entre os professores da base comum e da base técnica.
“A gente vê a formação didática dos alunos e a gente vê a formação humana. Os meninos trabalham essas questões: ‘como eu sou comigo, como eu estou com o meio ambiente, o que eu estou trazendo de benefício para a minha sociedade?”’, ilustra a diretora.
A gestora comemora os resultados de estudantes que têm se destacado em competições nacionais, como o aluno Lucas Uchoa, que recebeu menção honrosa na final da Olimpíada Nacional de Filosofia, e Sofia Freitas, medalhista de bronze na Olimpíada Brasileira de Astronomia.
A entrada do projeto Shine Eco no ciclo das competições foi uma proposta do coordenador pedagógico Israel Félix. Como o produto já estava em desenvolvimento desde 2023, ele estimulou os participantes a se inscrever para o Desafio Liga Jovem, organizado pelo Sebrae.
Testes e aperfeiçoamento do produto
Em agosto de 2023, a equipe Hidrogênio Heróis começou a mostrar o detergente para a comunidade escolar e iniciou testes das primeiras versões.
Os protótipos foram testados por outros alunos, que depois responderam um formulário online sobre alguns aspectos, como aparência, viscosidade, cheiro, sensação de frescor e eficácia da limpeza. Por uma semana, o detergente também foi usado pelos funcionários da cozinha da escola.
“Quando entrar no mercado, a gente pretende exatamente deixar igual [aos outros detergentes] porque tem gente que pode dizer ‘talvez não seja tão eficaz porque é muito fino’, de acordo com a viscosidade”, exemplifica a estudante Vitória Tomaz.
Um dos aspectos mudados depois destas etapas foi o aroma do produto. Os alunos e funcionários que testaram o detergente relataram não ter gostado do cheiro das primeiras versões.
Os testes incluíram também pessoas que costumam ter a pele mais sensível ou tendências a alergias, chegando a ter coceiras, vermelhidão ou descamação após o contato com produtos de limpeza.
Dentre os resultados, o produto foi considerado eficiente e não prejudicial para quem costuma ter problemas nas mãos com o uso de detergentes.
Competição nacional
O ritmo de dedicação ao projeto se intensificou quando o grupo foi selecionado dentre mais de 54 mil inscrições realizadas na edição atual do Desafio Liga Jovem.
Em 2024, os estudantes têm trabalhado praticamente todos os dias para enfrentar as etapas da competição e aperfeiçoar o projeto. Como quase todos estão no estágio durante a tarde, eles geralmente se dedicam à iniciativa no turno da noite.
Antes de chegar à etapa nacional, que será disputada no fim de novembro, a equipe já venceu outras duas fases: a estadual e a regional.
Cada um desses marcos representou um desafio diferente. Alguns exemplos foram produzir um vídeo de 5 minutos tentando ‘vender’ a proposta e elaborar um plano de negócios.
Neste processo, os alunos também recebem capacitações e mentorias das equipes do Sebrae. Desta forma, eles são orientados a pensar em diversos elementos para melhorar o produto, com noções de marketing e empreendedorismo.
A equipe tem o sonho de ver o produto sendo comercializado no futuro. Atualmente, o detergente Shine Eco está em processo de registro de patente.
Na categoria Ensino Médio, apenas cinco equipes (uma de cada região do Brasil) viajam para São Paulo para a última etapa da competição. As outras categorias são Ensino Fundamental, Educação Profissional e Educação Superior. No total, são 20 equipes com custos pagos pelo Sebrae.
“Participando do Liga Jovem, a gente tá amadurecendo muito o nosso projeto. Tá sendo maravilhoso. Além de poder conhecer outro estado na viagem para São Paulo, a gente tá tendo muitas oportunidades, com as premiações de cada etapa e o próprio conhecimento que a feira, em si, traz pra gente. Eu acho que cada aluno deveria, uma vez na vida, participar de uma feira como essa”, comenta a aluna Lívia Nadiely.
Os projetos selecionados farão apresentações para uma banca de jurados, com oportunidades de destacar o potencial e o impacto de cada solução inovadora.
Como única representante do Ensino Médio no Nordeste, a equipe sente um misto de ansiedade e de orgulho em ocupar este espaço, conforme a estudante Maria Luiza Bezerra. Por meio do projeto Shine Eco, os alunos sentem a responsabilidade de mostrar a força da escola pública.
Nesta última fase, as equipes vencedoras em cada categoria serão premiadas com uma viagem internacional de até 10 dias, além de um notebook para cada participante. As premiações restantes são: um smartwatch para cada participante (segundo lugar) e um tablet para cada participante (terceiro lugar).
https://g1.globo.com/ce/ceara/educacao/noticia/2024/11/10/alunos-cearenses-criam-detergente-biodegradavel-e-representam-o-nordeste-em-competicao-nacional.ghtml