Limoeiro do Norte No entra e sai de secas, uma das mais antigas instituições do Brasil República continua viva, como um gigante cansado e velho, mas tentando poder regenerativo. Com 103 anos de história, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) tenta resistir ao tempo, e ao próprio esvaziamento, em meio ao embate político e ideológico sobre as forças que o compõem em um século.
O Departamento foi criado para tentar resolver a escassez de água.
Diante das históricas apropriações políticas, de um lado, e ser detentora das maiores obras hídricas de outro, o Dnocs ainda luta para sair do papel secundário na política nacional e, ao mesmo tempo, entender qual o seu verdadeiro papel: combater ou conviver com a seca.
O órgão está numa fase de reestruturação, a começar por seus servidores na tentativa de recuperar direitos adquiridos anteriormente. Com mais de R$ 1 bilhão em obras pelo Nordeste, está fazendo dos açudes mais do que um reservatório de água, celeiro para a produção agrícola e da piscicultura. Aos poucos, tentando superar gargalos criados com a ajuda dele próprio: a concentração fundiária.
Água do céu
Isso porque, quando o flagelo da seca dos anos 1877-1879 tomou notoriedade no Brasil, viu-se que era preciso encontrar um meio de guardar a água que caía do céu. Foram expressivas as mortes de milhares de pessoas não só nessa como em décadas seguintes. Passado todo esse tempo e criados centenas de reservatórios, a seca continua a atingir o sertanejo, ainda que numa proporção menor que 100 anos atrás.
Agora é a reserva da água que cai do céu que escassou. Em outras palavras, o açude secou. E o gado morreu, a plantação definhou, faltou água e comida em casa, e quando várias comunidades sedentas ameaçaram romper um canal da maior obra hídrica do Dnocs no Ceará, transferiu-se uma pequena parcela da água que já caminhava para a agricultura irrigada. Episódios como esse ocorrem passados 100 anos de Dnocs.
A instituição mudou nas dez décadas, mas foi principalmente numa epifania de meia idade, se assim se pensar o século, que as reapropriações políticas porque tem passado e a pressão social porque tem sofrido deram ênfase ao conceito de democratização do acesso à água. Ou seja, não basta ter o recurso hídrico, tem que saber como distribuí-lo. Como e para quem. Na prática, as águas do Dnocs têm duas prioridades: abastecimento humano e irrigação. Não necessariamente nesta ordem. A agricultura irrigada é responsável por 70% do consumo de água dos reservatórios. O caso citado acima das comunidades que queriam romper o canal de uma obra refere-se ao Eixão da Integração, canal que recebe águas do Açude Castanhão, o maior do Estado, situado na região jaguaribana, que tem a bacia hidrográfica mais bem servida de água.
O reservatório foi concebido para regular cheias e garantir o abastecimento para as indústrias do Pecém e, se for preciso, a Região Metropolitana de Fortaleza. O "desprestígio" desagradou milhares de famílias que viam a água passar na frente de casa sem poder usufruí-la. Só depois de a obra pronta foi preciso readequá-la para o abastecimento das comunidades sem água. Mas o investimento em obras hídricas para alavancar o potencial agrícola é um dos princípios do Dnocs. O presidente Epitácio Pessoa, nordestino, paraibano e entusiasta do que depois viria a se denominar Dnocs, já dizia que "no Nordeste há irregularidade, mas não faltam chuvas. Tudo está em poder armazenar-se as águas cabidas nos meses chuvosos, para gastá-las na irrigação nos meses de seca. Construídas as barragens para a formação de açudes e abertos os canais de irrigação, virá por si a colonização das terras por essa gente laboriosa, cuja coragem e resistência assombram os que não lhe conhecem as virtudes". O departamento era um celeiro de grandes obras. Entendia-se que o clima não respondia tudo.
A reflexão ficou mais clara quando o economista e sociólogo Celso Furtado afirmou que "o problema do Nordeste não é seca, é cerca". E destrinchou em miúdos o que depois viria a receber denominação de indústria da seca: "As máquinas e equipamentos do Dnocs eram utilizados por fazendeiros ao seu bel-prazer Nas terras irrigadas com água dos açudes construídos e mantidos pelo Governo Federal, produzia-se para o mercado do litoral úmido, e em benefício de alguns fazendeiros que pagavam salários de fome. Em síntese, a seca era um grande negócio para muita gente".
Órgão precisa renovar servidores
Limoeiro do Norte Se não houver concurso para ingresso de novos servidores, o Dnocs corre o risco de simplesmente parar de funcionar daqui a quatro anos. A previsão é dada pela Associação dos Servidores do Dnocs. O motivo: aposentadoria da maioria dos funcionários. O risco de esvaziamento até 2016 só não chegará, porque 80 servidores foram contratados, recentemente, por meio de concurso. Aos 103 anos, o mais antigo órgão público regional do Brasil está discutindo a sua reestruturação para que competências e orçamento possam andar juntos.
Prédio do Dnocs em Fortaleza. Dentro do processo de reestruturação, além da criação de um concurso público, se discute a revisão de atividades de órgãos federais que, segundo a associação de servidores, estão sobrepostas
A reunião mais recente ocorreu no último dia 25 de julho, na Bahia. Cerca de 200 servidores, entre ativos e inativos, conclamaram pela realização de concurso público e de Plano de Cargos e Carreiras. Outro objetivo é chegar a um fim positivo para o imbróglio envolvendo uma histórica gratificação dada aos servidores públicos há mais de 30 anos. A gratificação trata-se de um complemento salarial que varia de 70% (nível médio) a 100% (nível superior) do salário-base desses servidores federais. Uma medida provisória aprovada neste ano provocou a redução da gratificação retroativa a 2006. Ou seja, o complemento salarial terá como base os vencimentos daquele ano. Entre 2009 e 2011 os servidores tiveram vencimentos aumentados.
Regulamentação
Essa gratificação é correta, apoiada na lei 11.314. Porque a gratificação foi regulamentada por lei, eles entendiam que os valores teriam que voltar à data da lei, de 2006, defende Roberto Morse de Sousa, presidente da Associação dos Servidores do Dnocs (Assecas). Na prática, os vencimentos dos servidores do órgão estão menores desde março deste ano. Desde então, são realizadas audiências nas coordenadorias estaduais para tratar do Projeto de Lei 2203/11, do Executivo, que reestrutura cargos, planos de cargos e carreiras e as respectivas remunerações na administração pública.
O diretor-geral do Dnocs, Emerson Fernandes, tem feito visitas às bancadas nordestinas no Senado e na Câmara dos Deputados para que seja encontrado mecanismo de recuperar as gratificações dos servidores aos valores que eram pagos até o início deste ano. A reivindicação, por sua vez, faz parte de um conjunto de estratégias que o Dnocs admite precisar para continuar funcionando. A necessidade de reestruturação é consenso nos corredores do órgão.
Segundo Roberto Morse, a situação atingiu principalmente os ativos, mas há casos de inativos que chegaram a perder planos de saúde por não conseguiram arcar com os custos.
O Dnocs melhorou a sua estrutura predial nos últimos cinco anos, o que carece hoje é de pessoal. Houve um concurso com ingresso da ordem de 80 pessoas. Mas se permanecer com a quantidade de servidores que têm hoje, em 2016, fecha, pois tirando esses 80 o resto vai se aposentar.
Dentro do processo de reestruturação, além da criação de um concurso público se discute a revisão de atividades de órgãos federais que, segundo a associação de servidores, estão sobrepostas. "Existe trabalho que a Embrapa desenvolve que o Dnocs já vem desenvolvendo. Outras, é para o Dnocs desenvolver, mas não faz porque não existe orçamento".
FIQUE POR DENTRO
Inspetoria foi criada no ano de 1909
Em 1909 foi criada a Inspetoria de Obras Contra as Secas, para auxiliar a luta contra a seca, que em diversos períodos causou a morte de milhares de flagelados. À época, a economia do País seguia sob a tutela do coronelismo oligárquico, que por vezes tentou direcionar as ações do órgão. Foi a partir da presidência do paraibano Epitácio Pessoa que a instituição ganhou mais notoriedade. Antes de Epitácio, foram investidos 2.326 contos de réis em obras contra as secas. O valor subiu para 145.947 quatro anos depois (por volta de 1922). Tendo saído Epitácio Pessoa, em 1925, o investimento nessas obras cai para 3.827 contos de réis, havendo retomada nos primeiros anos do Governo Vargas (1930-1945). Em 1945, o Instituto Federal de Obras Contra às Secas (IFOCS) tornou-se Dnocs.
Mais informações:
Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
Av. Duque de Caxias, 1700, Centro, Fortaleza
Telefone: (85) 3391.5200
MELQUÍADES JÚNIOR
REPÓRTER