Gurgel defendeu a prisão imediata dos réus que forem condenados pelo STF no julgamento do mensalão.
Brasília Em sua última oportunidade de defender a culpa de 36 dos 38 réus do mensalão, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou ontem que o suposto esquema de compra de apoio ao governo Lula funcionava "entre quatro paredes de um palácio presidencial" e pediu que o Supremo Tribunal Federal (STF) ordene a prisão dos eventuais condenados imediatamente após a decisão.
"Quando falo de quatro paredes, falo das paredes da Casa Civil, de algo que transcorria dentro do palácio da Presidência da República", disse Gurgel no segundo dia de julgamento.
O chefe do Ministério Público Federal, que disse ter sofrido "ataques grosseiros" após entregar suas alegações finais, em referência às críticas por sua atuação no caso Cachoeira, pediu que o STF estabeleça um "paradigma histórico" com a condenação. E encerrou citando uma composição de Chico Buarque ("Vai Passar"): "Dormia a nossa pátria mãe tão distraída/ sem perceber que era subtraída/ em tenebrosas transações".
Políticos
Gurgel considerou "risível" o discurso de políticos e acusados de que o mensalão não passou de um "delírio" ou de uma "invenção", e repetiu que se trata, segundo ele, do "mais atrevido e mais escandaloso esquema de corrupção e de desvio público flagrado no Brasil".
Ele escolheu o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu como principal alvo, apontando-o como o chefe da quadrilha. Dedicou 25 minutos das quase 5 horas de discurso exclusivamente a Dirceu, e disse que "a prova é contundente quanto à existência da quadrilha, ao papel de liderança exercido pelo acusado".
Também procurou justificar a suposta ausência, alegada pela defesa, de que não há perícias, documentos, registros telefônicos ou eletrônicos que provem a participação de Dirceu.
Apesar de dedicar menos tempo aos outros acusados, Gurgel citou perícias, movimentações financeiras e diversos depoimentos, para tentar descrever como funcionavam os três núcleos: político, operacional e financeiro.
Gurgel afirmou que Dirceu delegava funções a José Genoino (então presidente do PT) e Delúbio Soares (então tesoureiro do partido). Ele enfatizou repasses de dinheiro a deputados em épocas de votações importantes, como as reformas tributária e previdenciária, em 2003.
Dos 38 réus, a Procuradoria pediu a absolvição por falta de provas do ex-ministro Luiz Gushiken (ex-secretário de Comunicação Social da Presidência) e do assessor partidário do Partido Liberal, Antônio Lamas.
Ele citou depoimentos em que integrantes do grupo admitem que utilizaram até carro-forte para transportar recursos que financiariam o esquema.
Gurgel afirmou ainda que três ex-deputados do PT receberam R$ 1,2 milhão do esquema. Foram eles Paulo Rocha (PA), João Magno (MG) e Professor Luizinho (SP). Outro petista, ainda deputado, João Paulo Cunha teria recebido R$ 50 mil de uma empresa do publicitário Marcos Valério que, pouco depois, venceu licitação para prestar serviços de publicidade para a Câmara dos Deputados. À época, era presidente da Casa.
Defesa
Advogados dos réus tentaram desconstruir a denúncia que Gurgel fez no plenário. Alguns o acusaram de fazer uso de peças da investigação de outras áreas, como a CPI dos Correios. "O procurador-geral está se atendo aos indícios produzidos na CPI (dos Correios) e na fase policial", disse Luiz Fernando Pacheco, que defende Genoino, denunciado por formação de quadrilha e corrupção ativa.
O ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que defende o executivo José Roberto Salgado, ex-diretor do Banco Rural, acusado por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta - disse que Gurgel apenas "oralizou o memorial que apresentou como última peça da acusação".
Antonio Carlos de Almeida Castro, advogado do publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes - denunciados por lavagem de dinheiro e evasão de divisas -, rechaçou a acusação. "Tenho convicção profissional que não existiu (mensalão). Isso foi nada mais que gesto de defesa desse delator (Roberto Jefferson) quando foi pego no ato claro de corrupção", avaliou.
2º dia transcorre sem tumultos
Brasília (Sucursal). O segundo dia do julgamento mais esperado e comentado dos últimos anos transcorreu sem que grandes protestos acontecessem em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF). Foram vistas apenas manifestações isoladas no local.
O lavrador Nilson dos Santos veio do Paraná, de bicicleta, e se postou ontem em protesto solitário na frente do STF, sentando na escadaria da Corte com fantasia de palhaço. "Minha casa é minha bicicleta". No veículo em que Santos viaja, está afixada a placa: "Na mão dos políticos, todos somos palhaços".
Uma performance com uma cela onde "mensaleiros" ficavam presos, ideia do Movimento Sindical contra a Corrupção, foi na prática a maior manifestação nas portas do STF no segundo dia de julgamento. Os "mensaleiros" eram bonecos em tamanho real, com máscaras dos ex-ministro José Dirceu, do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, dos publicitários Duda Mendonça e Marcos Valério.
Enquanto o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pedia a condenação de todos os réus arrolados, os sindicalistas lamentavam ver figuras histórias das lutas sindicais envolvidas em caso de corrupção.
Ao comentar o caso do mensalão, o diretor da Federação de Metalúrgicos da Região Norte, Carlos Lacerda, afirmou que esquema semelhante ocorreu há 20 anos, envolvendo sindicatos no Amazonas e nada foi apurado. Os sindicalistas na Praça dos Três Poderes se resumiram a seis pessoas, e antes do intervalo da sessão do STF a manifestação já tinha sido retirada.
O dia bonito de sol, calor e seca forte, também não atraiu os brasilienses até a Praça dos Três Poderes para desespero dos vendedores de sorvete, de água e de refrigerantes que duplicaram em número nos último dois dias, apostando no aumento de manifestantes no local.
ANE FURTADO
REPÓRTER
Ministros do Supremo trazem à tona divergências
Brasília. O clima entre os ministros do STF está cada vez pior. Após Marco Aurélio Mello dizer que faltou urbanidade do colega Joaquim Barbosa na discussão que marcou o início do julgamento, a resposta veio por escrito: "É com extrema urbanidade que muitas vezes se praticam as mais sórdidas ações contra o interesse público", informou o gabinete de Barbosa, por meio da assessoria de imprensa.
No início da sessão de ontem, Marco Aurélio Mello disse estar assustado com o que poderá ser a gestão de Joaquim Barbosa na presidência da Corte.
Relator da ação penal que começou a ser julgada quinta-feira, o ministro será o próximo presidente do tribunal, assumindo em novembro, quando Carlos Ayres Britto deverá se aposentar compulsoriamente.
"Me assusta o que podemos ter após novembro", disse Marco Aurélio. Na discussão, Barbosa afirmou que analisar a questão de ordem de Márcio Thomaz Bastos, pedindo o envio de parte do processo do mensalão para a primeira instância, seria "irresponsável" e acusou o revisor, Ricardo Lewandowski, de deslealdade, por decidir proferir um longo voto, contrário ao seu, quando poderia ter feito isso antes.
"Será que ele (Barbosa) se arvora em censor dos colegas?", disse Mello, que votou como Lewandowski, afirmou que episódios assim prejudicam a credibilidade do tribunal e questionou. "Não gostei (de quinta-feira). Pela falta de urbanidade do relator. Precisamos discutir ideias, não deixando descambar para o lado pessoal".