Elas foram lavadas, passaram por triagem e ganharam identificação.
Alex AraújoDo G1 MG
Milhares de fragmentos de ossos humanos, de conchas e de pedras. Este é o resultado de seis semanas de escavações feitas por uma equipe multidisciplinar composta por arqueólogos, bioantropólogos, geólogos, geógrafos, historiadores e artistas plásticos no distrito de Mocambeiro, em Matozinhos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os profissionais estavam à procura de sepultamentos que ocorreram, de acordo com eles, há mais de 8,2 mil anos em um sítio arqueológico chamado Lapa do Santo.
A segunda fase dos trabalhos começou no dia 24 de junho e termina neste domingo (5). De acordo com o arqueólogo e coordenador da iniciativa, André Strauss, de 28 anos, quatro sepultamentos humanos, ferramentas, chifres de animais e centenas de lascas de pedras de quartzo foram localizados nos seis metros cúbicos de escavações. A expedição começou com 35 integrantes e terminou com 19.
Na primeira etapa, em 2011, quatro metros cúbicos de área foram explorados. Os trabalhos serão reiniciados em julho de 2013. De acordo com Strauss, as escavações são feitas no período de seca porque é impossível chegar ao local pelas estradas de terra em época de chuva e também porque concilia com as férias acadêmicas, já que a maioria dos expedicionários ainda estuda.
Intitulado “As práticas mortuárias dos primeiros americanos”, Strauss disse que o projeto tem como objetivo saber como viviam os nossos antepassados. "A intenção é descobrir sobre a mobilidade, estratégias de subsistência, alimentação e rituais feitos nos funerais como a manipulação, corte, reorganização de ossos e como era a visão deles em relação à morte", explicou.
Strauss contou que os trabalhos de buscas eram feitos de segunda-feira a sábado, das 8h30 às 17h30, com intervalo para refeições, no sítio arqueológico, em Matozinhos. A jornada se estendia á noite, depois do jantar, na base de pesquisa, no Parque Estadual do Sumidouro, gerido pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), em Pedro Leopoldo, também na Grande BH, onde os estudiosos faziam a triagem dos materiais. Strauss revelou que mais de 4.816 peças entre ossos, conchas e pedras foram recolhidas na expedição.
Na última terça-feira (31), um crânio adulto, provavelmente de um homem, foi encontrado. Os arqueólogos estimam que ele tenha de 8,2 mil a 8,4 mil anos.
Todos os elementos encontrados durante a expedição serão levados para o Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos, na Universidade de São Paulo (USP) e, de acordo com Strauss, serão estudados por um período que varia entre dez e 15 anos.
Ele disse que, depois de escavar e descobrir as raridades, o acervo passa por lavagem, triagem, colocação de código de barras para identificação e registro informatizado com etiquetas plastificadas. “Toda a experiência foi trazida da Alemanha, do Instituto Max Planck, que financia o projeto”, explicou. Ele preferiu não divulgar o valor do apoio, e destacou a importância da tecnologia nos trabalhos.
Os especialistas em arqueologia usam a datação por carbono 14 para descobrir a idade dos fósseis escavados. O processo determina a idade dos objetos de origem biológica como ossos, tecidos, madeira e fibras de plantas. “À medida que o carbono 14 diminui, sabe-se a meia-vida do elemento por causa da proporção”, disse Strauss. Cada meia-vida do carbono 14 é de 5,7 mil anos.
Contratempos
Na última quarta-feira (1º), quando o G1foi à Lapa do Santo, registrou um contratempo. A Kombi que transportava a equipe que trabalhava nas escavações quebrou no caminho entre a base de pesquisa e o sítio arqueológico, um percurso de aproximadamente 25 quilômetros que é feito em cerca de 40 minutos. Faltou óleo no motor e o veículo parou. Mas nada que tirasse o bom humor e a vontade de trabalhar dos dez expedicionários.
Quatro deles seguiram viagem no carro da reportagem e os outros ficaram na estrada aguardando por socorro, que chegou rápido e os levou até as escavações.
E não há imprevistos que façam os especialistas desistirem de trabalhar. É o caso da bioantropóloga e cocoordenadora do projeto, Mariana Inglez, de 23 anos, que veio de São Paulo. “Essa etapa de campo é muito importante porque a experiência de campo é fundamental. Vale a pena a distância e a saudade da família”, disse Mariana.
Ela contou que a mãe fica triste com a ausência, mas apoia porque entende a importância do projeto. “Não tem problema o carro quebrar, a gente ter que fazer xixi no meio do mato, ter que dividir o quarto e o banheiro com mais de 20 pessoas”, falou, bem-humorada.
Já a arqueóloga portuguesa Sônia Cunha, de 29 anos, formada pela Universidade do Minho, falou que a experiência é compensadora porque ela não havia trabalhado especificamente na área. Sônia destacou a importância da informatização no processo de registro. “Dessa forma não se perdem minúcias dos dados”. Ela também destacou a oportunidade única de trabalhar com arqueologia em Minas Gerais.