DISCUSSÃO - Impactos podem trazer nova era

São Paulo. Há quem diga que seria o último ato da arrogância humana: tornar oficial nos registros geológicos que ações antropogênicas - aquelas que são induzidas ou alteradas pela presença e atividade do homem - já causaram, e ainda causarão, tamanho impacto nos ciclos naturais do planeta que são suficientes para marcar o surgimento de uma nova época na escala de tempo da Terra.

É o que está sendo discutido por um grupo de trabalho de cientistas na Comissão Internacional de Estatigrafia - a disciplina que analisa as marcas da passagem do tempo no planeta. Segundo dados oficiais, estamos há cerca de 12 mil anos em uma época chamada Holoceno, iniciada após o fim da última era do gelo e caracterizada por uma relativa estabilidade climática.

Mas o grupo analisa as evidências científicas para poder dizer se o impacto das ações humanas foi significativo o bastante para dar início a uma nova época, chamada Antropoceno. A ideia foi lançada no início deste século pelo químico Paul Crutzen, do Instituto Max Plank, que recebeu o Nobel de Química em 1995 por seus estudos sobre a camada de ozônio na atmosfera.

Desde então o termo conquistou popularidade e valor simbólico, sendo usado arbitrariamente para definir as transformações que o planeta vem experimentando por causa das ações humanas. A pergunta que os cientistas tentam responder é se essas transformações são tão relevantes e profundas quanto às promovidas pelas grandes forças da natureza.

"Classificar o Antropoceno como uma nova época geológica é uma caracterização que depende da observação de uma mudança nos registros geológicos, como, por exemplo, no padrão de sedimentação em escala global", explica o climatologista Carlos Nobre, único brasileiro - e um dos poucos não geólogos - que faz parte do grupo de trabalho. É um processo muito lento, de anos, talvez décadas, admite Nobre "Não muito diferente de quando os astrônomos começaram a discutir o caso de rebaixar Plutão da categoria de planeta".

"Com o aumento do nível do mar, haverá um outro padrão de depósito de sedimentos. Onde hoje é continente vai virar fundo do mar, então um dia alguém perfurando essas regiões vai ver areia. Ao datar, vai ver que é do ano 2000 e indo um pouco mais ao fundo encontrará uma rocha que tem milhões de anos. Isso é uma mudança do parâmetro geológico", exemplifica Nobre.

Uma das pesquisas mais citadas é a liderada pelo hidrólogo sueco Johan Rockström, que junto com uma equipe de 28 cientistas publicou em 2009, na revista Nature, que a humanidade já ultrapassou três de nove barreiras do planeta que mantêm o sistema funcionando como o conhecemos. O rompimento desses pontos pode modificar esse equilíbrio a um ponto sem mais chance de retorno. O trabalho afirmava que já foram transpostos os limites da biodiversidade, da mudança climática e do ciclo de nitrogênio, por causa do uso excessivo de fertilizantes. Três anos depois se considera também como superado o limite do fósforo. O de carbono está próximo de ser atingido.